quarta-feira, 24 de junho de 2009

Sim e Não



Não

Aos processos de iluminação

À razão

Sim a todos os caminhos


Não

Ao terceiro olho da visão

À devoção

Não às formas de ficar sozinho


Abra as tampas do pulmão

Abra o coração

Abra o quintal

Para o vizinho


Tire a cerca da separação

As muletas da sustentação

Só você

Para taça e vinho


Tire todos os escombros da demolição

Seja mato, seja pedra

Seja faca e pão

Céu e Terra andam juntos

Como dois irmãos

Seja sim e não!


Toda folha tem raiz para nutrição

A montanha tem o teto e também o chão

Sim à flor, sua cor

E seus espinhos


Não às formas diferentes

De saudação

Não à ascensão


Não aos ritos elevados de depuração

Não à redenção


Não a todas as maneiras

De distinção

Sim a todos os caminhos


Toda folha tem raiz para nutrição

A montanha tem o teto e também o chão

Sim à flor, sua cor

E seus espinhos

sexta-feira, 19 de junho de 2009

o corpo é uma imagem do inconsciente


Informe saúde: o papel da imagem inconsciente do corpo
e a origem das neuras

a principal causa de desencontro entre o narcisismo da imagem do corpo da criança e seu esquema corporal (idade fisiológica), é notadamente quando o desejo libidinal oral de pegar, de saber e de compreender, e o desejo anal de fazer, agir, de experimentar, despertam na instância tutelar uma reação tão erótica ou tão recalcada (p.ex.: uma culpa enfiada no seu super-eu infantil). a mãe tomada de angústia, associa uma reação expressiva mais ou menos controlada, da qual a criança percebe sempre o `não dito´: olhares de desprezo, atitudes hostis, rupturas, palavras de censura que ela acredita serem educativas.

entretanto, a criança não tem sequer a oportunidade de recorrer ao fantasma do prazer arcaico; se for consolada pela mãe, pode reconciliar-se consigo mesma, identificar-se por introjeção com a mãe acolhedora para o bebê ainda impotente, o qual ela sabe acalmar. se por outro lado, a criança não for mais “amada”, for censurada e, se esta mãe aos olhos da criança, tem razão, numa identificação secundária com o agressor, tanto pior: ela está então submetida à introjeção de emoções insólitas, sem representações, ou por vezes uma representação de censura severa que pode se estender inclusive aos domínios do patronímico. surge então no inconsciente os efeitos da pulsão de morte, que investe contra as zonas erógenas do corpo provocando anorexias, vômitos, encoprese, enurese e insônia.

na clínica, encontramos pais e mães se acreditam “alvos”, como se tratasse de revide das criança que eles pretendem adestrar. quanto mais a criança apresenta os sintomas, mais eles querem adestrar: uma situação libidinal dramática, perversa: humanos que só podem destruir! a criança perde até a sensibilidade de suas sensações esfincterianas distintas, de suas sensações do trânsito intestinal, fica totalmente entregue às pulsões de morte, já que sua imagem de base, a mais fundamental, é associada à mãe e está ligada à vida e à morte. se da mãe apenas emergem signos de repulsa e recusa, se dela não brota mais nenhuma característica de vida para o espírito e o coração, então, para o corpo que não pode viver sem espírito e sem coração, ela se torna morte. A morte-mãe se torna a referência anti-existencial e existencial simultaneamente.[1]

estas crianças chegando no limite do vivente: sendo sujeitos extremamente inteligentes, não podem mais engolir, não podem mais mastigar: sua anorexia, que é uma falta generalizada do desejo de amar, do desejo de desejar, do desejo de trocar, é particular e psicótica. todas as crianças psicóticas entram em estado crônico que pode ser atravessado por atitudes bizarras passageiras do corpo que não podem ser ditas de outra forma. a criança psicótica fica refém de pulsões insólitas provocadas por fantasmas, acontecimento real ou pulsões agressivas contrarias à instância tutelar. em geral as pulsões de morte do sujeito do desejo são localizadas nas zonas erógenas. a única maneira de lutar contra a angústia com relação aos pais de hoje, é de se refugiar nas lembranças de seus pais de ontem, de um mesmo dele arcaico. podemos dizer que se trata de um processo de autismo, de uma defasagem em relação ao resto do ritmo de vida relacional atual, de sua imagem existencial; daí o retorno a certos componentes da imagem do corpo da criança que não pode permanecer focalizado em seu esquema corporal de hoje, e fazer corresponder a isto a manifestação de seus desejos de sujeito.

Pedrinha na mão

Os poucos críticos que ainda pensavam a obra de Lygia Clark quando ela se declarou psicoterapeuta, aceitaram a explicação sem contestação. Ela partiu da criação pictórica no plano (telas) para formas autônomas (os “Bichos”), e então o objeto se tornou interativo com o espectador, - melhor dizendo, o participante; que em dado momento, deixa de precisar do objeto. O principal estava na interação entre o participante e o objeto, que vai se tornando mais e mais como um acessório de palco do que qualquer outra coisa. Então isso é muito lógico. Ela passa por um limiar quando decide fazer disso uma espécie de cura ou alguma coisa. Ela diz: “não troquei a arte pela psicanálise, desde que pedi a participação do espectador, que foi em 59, daí por diante meu trabalho exige a participação do espectador; meu trabalho foi sempre me conduzindo para outro experimentar, não só para vivência minha. Por ora, tenho a consciência de que meu trabalho é um campo experimental, rico em possibilidades e é só. (carta). Com os “Objetos Relacionais” ela chega ao ponto mínimo da materialidade do objeto: ele é apenas a encarnação da transmutação que se operou no sujeito. Saquinhos de plástico e pano contendo água, areia, ar, isopor; tubos de borracha, mel, conchas convocando o desmanchamento do contorno, o desregramento da imagem corporal. Uma viagem intensa para além da representação. Lygia deixava por prudência, uma pedrinha nas mãos do receptor para que ele pudesse, a exemplo de João e Maria, encontrar o caminho de volta. Volta para o familiar, a imagem, o humano – a prova de realidade de seu ritual. Ela propunha uma vivência na fronteira
[1] Sem contar que em francês, mort (morte) e mordre (morder) se inscreve na imagem do corpo.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

teodicéia







deus ficou conhecido sub specie aeternitatis
como o nada, a não-coisa
e também: o pan, a tríade, o uno
o sem fora


creio para entender
(credo ut intelligam)
mas nunca compreendo
― naufrago no absurdo


o mais alto conhecimento
(magia, arte, filosofia, ciência)
não vale um beijo
de moça bonita


ninguém pergunta o que não sabe
pois o que se ignora
completamente
não pode ser perguntado


uma trilha nas estrelas também sou
Enterprise à deriva
odisséia mestiça e sem deuses
paranóico otimismo: o universo se importa


minha biografia impura de
ausências
sim, ativamente o vazio
a realidade vem de todos
e não apenas de alguns

segunda-feira, 15 de junho de 2009



Inverno

Sua luz críspida

Teu abraço nu pela manhã

domingo, 14 de junho de 2009

Dois sonhos, imediatamente depois de fazer amor


Foto João Francisco Verderame


Os olhos negros do dragão a me fitar
Seu corpo imenso me rodeia
A bocarra escancara
E nenhum som se projeta

Estou no meio do olho
Do furacão negro, o negro
Dragão que me circunda
Segura em suas garras

Um ovo

Dourado

Translúcido

Lindo

E o deixa em minhas mãos atônitas
Antes de voar partindo.

*****************************************************************************

Caminho pela larga aléia encurvecida de pedras
Ninguém
Passo por várias portas que não me dizem respeito
Até chegar a uma em especial
A minha porta, após alguns poucos degraus de mármore velho
Como o mármore da casa de minha infância
A porta de madeira, com algum trabalho inespecífico
A maçaneta em metal, a sombra que se anuncia dentro
Do que não ousei desvelar
Era cedo ainda.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

A Resposta: Valentina é uma Capitu que fala!





Querido Missosso

Primeiramente gostaria de dizer que você não traiu minha confiança e te agradeço do fundo do coração por suas palavras e preocupação. Acho um pouco abusada, um tanto engraçada, um tanto perigosa, a sua idealização da minha pessoa nesse papel que, parece, você me destina: a Grande Dame. De todo modo, é uma necessidade sua.

Essa experiência amorosa com Mr. M se revelou uma entrega ao mistério, uma forma de desalojamento de si mesma em direção ao outro, uma renúncia de aspectos próprios a caminho de um destino que pensei poder compartilhar. É quase, meu amigo, um voltar à pureza da criança, sempre aberta ao que se revela, fluindo com a própria vida!

Amor esse, que por um tempo, foi um verdadeiro portal para vivências do sagrado, onde me abri genuinamente para o sentido da existência e da beleza em ser mulher. Você sempre insistiu neste ponto comigo, “A” mulher é uma construção, já que ninguém nasce “mulher” ― torna-se, segundo Freud ou Simone de Beauvoir.

Viver aberta para a aventura desse encontro foi de uma riqueza ímpar e isso, de fato, não combina com a palavra "migalheira", como me auto-referi. Posso dizer que me abri, que me arrisquei, me recriei, mas chegou a hora de aceitar que essa história chegou a um beco sem saída. Uma intimidade que, de transcendente, se transformou em tóxica como você bem me alertou.

Uma relação sem perspectiva nos joga fora da condição humana e nossa sobrevivência física e emocional fica ameaçada, é uma forma de experimentar morte em vida. Tive inúmeros sonhos e sintomas físicos que me mostraram isso!

A aceitação, desde o início, do lugar de "guardada" talvez já evidenciasse a falta de crescimento, o aprisionamento, a pseudosegurança afetiva que eu entrava. Percebo agora que, ao ser “guardada”, não fui legitimada, ao ser “protegida”, não pude viver a plenitude do que poderíamos alcançar. De que me adianta ficar com o príncipe ao final do jogo? ― a vida só existe no durante, meu amigo.

Estou sendo chamada a olhar que a proximidade com Mr M me revela o que não foi transcendido, transformado e curado em mim. Vou levar um tempo para me desintoxicar, mas já são quase quinze dias sem nenhum tipo de contato com o vício! Hoje é o primeiro do resto dos meus dias, como dizem nos grupos de auto-ajuda.

Meu querido amigo, não deixei de sonhar e continuo a acreditar, como diz Camus, que no inverno, descubro em mim um verão invencível! E você sempre me ajudou nisso, pontuando, relembrando o que vê de melhor em mim. Não sei se te convidei a ser meu espião, te sinto como um guardião, tanto daquilo que tenho de melhor quanto da minha sombra.

Tive um verdadeiro insight com aquela frase: NÃO SE PODE AMAR E SER FELIZ AO MESMO TEMPO. É pensando nessa impossibilidade de amar e ser feliz ao mesmo tempo que entro em relações que confirmem essa crença a meu ver absurda e limitadora. Nisso discordo de você: a vida não é sem sentido nem cruel, é apenas um mar de possibilidades que se abrem a quem as puder enxergar.

Com Amor

Valentina (está renascendo em mim)

quinta-feira, 4 de junho de 2009

nuvens desenhando nuvens

Ilustração M.C. Valente

lua com nuvens

o rio manchado

a cheia imensidão



no pântano

insolúvel dos teus olhos

sombras e desertos



o ipê sem cambacicas e saís

voam tesourinhas e siriris

o cupim apanhado no vôo



mp3, software livre, broadcast yourself

privacidade bisbilhotada

weave web 3.0

terça-feira, 2 de junho de 2009