quinta-feira, 31 de março de 2011

a força de atração






QWERTY me desafia:
― Não importa o que faças!


Ele está certo.
não sou nenhum Pessoa
mas carrego
muitas pessoas
em mins


as constantes mudanças de estilo e técnica
são sinais de falta de maturidade
indicam um período de transição
o que acontece é que o capitalismo faz deste período de transição um período
[permanente


pratico uma vida cotidiana graças aos objetos
(fujo, finjo, já que é por eles que deveria estar enlutado)
e isso me permite, ainda que regressivamente, viver


reconheço que é uma paixão de colecionador e que provoca uma certa perda
do sentimento de atualidade
uma vez que a organização da coleção ambiciona substituir a métrica do tempo,
um passatempo diria,
meu passatempo, mas, para mim, é muito mais que isso, já que o abole


é que um mundo sem carência seria impermeável, acarretaria
uma reabsorção definitiva da fatalidade, portanto, da sexualidade
acredito que alguns se destabacariam, convocando gigantescos/violentos sabás
para celebrar a morte da sociedade na euforia dos rituais de roupas e gestos
N.B.: a esperança de uma transparência geral e sem ruídos está perdida para sempre


esqueço, assim, a minha miserável condição humana
sinto-me nobre e grande como um morto
como um pobre que nenhum tesouro acha digno de suas mãos vazias
a vida, parada e recolhida, cria imponderáveis
gaivotas dizendo adeus aos que andam perdidos sobre as águas do mar
a chuva febril, murmurada por lábios frios,
transforma o meu olhar numa estátua incessante


hoje não estou propriamente mais feliz,
o trânsito está difícil
na outra mente há pensamentos, vendidos como suvenires em braile, lutando
para retornar à vida do aviador que não suporta a viagem crua
― o passado é um combate desigual
perdido em re-encenações, pantomimas grotescas, seriados


a convicção de realidade é o perfume do sonho, tão horizontal como instantes de perfil
― um sonho não se observa
não há propósito visual nele, decalque, ou cópia, só desligamento e ilegibilidades
o privilégio de emigrar, a prova do estrangeiro e
outros tantos acordos com o mundo tangível, a excitação sexual do espírito
participa da alucinação primitiva, modelo e molde da percepção meridiana que está nos fantasmas, revenants, paisagens desconhecidas
Paradoxo: é de olhos fechados que aprendemos a ver


isto, claro, combina com a feminilização generalizada dos produtos pela persuasão
publicitária
a forma deixa de ser um álibi para significar somente a idéia de função e se extingue
na contemplação beatífica de seu poderio


a mais eficaz mitologia social
muito mais assustador que um mundo animista povoado de forças vivas
é o organismo absoluto de uma realidade funcional
um mundo completamente inter-relacional
ou, como dizia o Fernandinho Beira-Mar,
tá tudo dominado.

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