REINALDO & OSSADA 23:31
“Nos
dias de frio é melhor nem nascer,
Nos
de calor, se escolhe: é matar ou morrer,
E
assim nos tornamos brasileiros.
Te
chamam de ladrão, de bicha, maconheiro,
Transformam
o país inteiro num puteiro,
Pois
assim se ganha mais dinheiro.
A
tua piscina tá cheia de ratos,
Tuas
idéias...”
Reinaldo
desligou o rádio, o amigo começava a dar sinais de vida depois de horas
viajando na maionese. A festinha da mãe comendo solta lá na sala, e eles ali,
trancados no quarto fedendo a maconha. As perspectivas de uma comemoração de
fim de ano que prestasse iam diminuindo sensivelmente.
“Que
é que cê tá fazendo aí parado, mano?”
“Que
eu tô fazendo, maluco? Tô de babá de um alemão sem noção que desabou na minha
cama depois de cheirar uma lata de solvente. É isso que eu tô fazendo”.
“Bom,
chega de passar o pano. Sinto na brisa leve da noite o som das xoxotas batendo
palminha pra nós...”
“Brisa
da noite! Quem tá brisado na pedra é tu, mané. Pelo andar da carruagem, a única
palminha que a gente vai ter, é a palmita de la mano.”
Deram
um tapa no visual o melhor que puderam e saíram para pegar o carro da família Angelim.
Na passagem pela sala, Ossada não resistiu a encher os bolsos com as empadas da
mãe do Reinaldo, que ainda obrigou o filho a levar uma capa para a chuva. Saíram
para a imitação de rua do Sunrise Village: o concreto liso, perfeito, no lugar
do asfalto, as sebes baixas, os jardins na frente das casas sem muro; tudo ali
emulava o espírito ordeiro e seguro dos subúrbios ricos da América. Uma ilha de
excelência ― luxe, calme et volupté ―
na megalópole desgovernada.
“Ih,
caralho, sujou!”, Ossada empurrou o amigo, quase que o derrubando, para dentro
de um jardim.
“Porra,
mano, ainda não passou a lombra? Que é que foi agora, viu assombração, foi?”
“Não
tou brisando, não. São os malaquia do Monza que eu tretei lá na Giovanni...
Como é que os cara entraram aqui, será que me seguiram?”
“Vixe,
agora bateu a nóia em tu, Ossada. Tamo bem na fita...”
Mas
o viking aloprado não se enganara, Metaleiro e os seus capangas estavam
reunidos em volta do carro deliberando sobre alguma coisa que não podiam ouvir.
O problema: o carro que eles iam pegar estava estacionado bem em frente dos
meliantes. O jeito era dar um miguezinho, esperar aquela galera do mal dispersar.
Chateação danada. Foram dar uma volta pelo condomínio no maior desânimo. Tudo só
fazia complicar mais e mais, uma noite promissora que ia zicando forte.
“Meu
irmãozinho, você tá vendo o que eu tô vendo? Papai do céu resolveu pensar em
nóis!”, Ossada acabava de surpreender as duas vans que chegavam para o chill
out na casa de Zaba.
“Mas
o que... olha lá, tão todos fantasiados... A balada aí vai ser nervosa!”,
Reinaldo, de queixo caído, assistia o desfile de beldades entrando na casa de
Zaba.
“Ah,
mas isso não me engana, não! Sente o cheiro da mexerica, brother, as mina é
profissa, e os cara têm a maior pala de michê!”.
“Ei,
ei, onde que cê tá indo, galo doido?”
“Como
assim, onde tô indo? Tamo indo, maluco, tamo indo. É o seguinte: a gente chega
lá e toca a campainha, se colar, colou. O máximo que a gente se arrisca é ouvir
um não.”
“Mas
a gente nem conhece a dona da casa... vamo é pagar mico”.
“Rei,
meu rei, vamo aproveitar o bonde. O cavalo tá passando arriado, mano. Quando a
felicidade bate, meu irmão, apanhe”.
“Tu
não tem juízo nenhum nessa cachola chapada de drogas, mas... bora lá, perdido
por dez, perdido por mil”.
A
própria dona da festa os atendeu na porta, bêbada feito gambá. Os meninos
arregalaram os olhos diante da voluptuosa fêmea desvestida para matar. Reinaldo
temeu que Ossada já fosse logo botando a mão na mobília, a mulher era um avião
sem freios.
“Ah,
os vizinhos sempre aparecem quando rola a buena onda... vamos entrando queridos,
a festa tá bombando, tem de tudo: bebida, música, putas e putos, além de
traíras... tem pra todos os gostos, vão entrando!”
“Nem
precisa dizer duas vezes, dona, é nóis na fita!”
“Boa
noite, dona Zaba, com licença...”
Entraram
na balada, que, de fato, bombava. Os moços e moças contratados dançavam à vera
e o clima era de deixar cair geral, exceção feita ao desenxabido Nino e sua
personal amante. Sentados no canto de um sofá, conversavam pouco e em voz
baixa, de cara amarrada. Reinaldo serviu-se de cerveja em um copo de plástico,
já Ossada catou uma champanhe do balde e bebia direto do gargalo.
“Rei,
vamo na piscina, as mina tão dançando lá bem louca! Daqui a pouco vão começar a
se jogar dentro d’água, moleque!”
“Pô
mano, não tem de comer nesta birosca,,, comi nada na minha casa por tua culpa”.
“Tu
parece uma velha, só reclama... Ói lá, oi lá, a mina abriu um spaghetti!”
“É
spacatti, cabeção, spacatti!”
“Spaghetti,
spacatti, que diferença faz? É tudo macarrão mesmo...”
“Mano,
tu não tem pena da gramática”.
“Pena
eu tenho é do cu do coelho depois que põe ovo de chocolate na Páscoa... Ih, ó
lá, a dona da festa catou dois cara e tá indo pro quarto, se liga!”
Naquele
momento Zaba, abraçada em dois rapazes de corpo escultural se dirigia para o
quarto do casal, não sem antes passar na frente do namorado traíra e falar um
monte para os dois.
“Tá
ligando os pontinhos, ô tampa de Crush? É a nossa deixa”.
“Deixa
do quê?”
“Faz
as contas: se ela catou dois caras, é sinal que tão sobrando duas prosts só pra
nós, pé de pano! Vamo arrastar as malvadas pr’algum quarto da mansão”.
“Aquelas
duas lá tão dando mole pra nós, mas uma é meio...”
“Vamo
que vamo, meu bróder, a gordinha é tua”
“Porque
eu que tenho que pegar a gordinha?”
“Simples.
Se eu pegar a fofeta, vamos parecer o casal dez: ela o zero, e eu o um!”
“Pô,
mano, essas parada sempre sobra pra mim...”