domingo, 26 de abril de 2009

o assombro sempre é maior que a assombração







tréplica de uma falsa polêmica (ô vício!)


Caro D.,

1) Jarbas "às-favas-com-os-escrúpulos" Passarinho emporcalhou, sim (é da natureza das aves), o lugar que ocupou ― e emporcalhou com sangue (é da natureza da meganha). O nobre doxógrafo defende que se rasgue a Lei de Anistia ― o que seria o primeiro momento de auto-reflexão sincera na história do país das "transições suaves" ―, mas não acredito que intimamente leve a sério tal possibilidade, nem alimente a crença em processos judiciais à vera para os envolvidos. Não no país do Gilmar Mendes.

2) Mídia no singular explica-se pelo comportamento de manada, mormente as grandes mídias, pautadas que são pela TV. Compare a grita contra os "excessos" das ações policiais no Massacre da Castelinho durante o governo Saulo de Abreu Fº, digo, Alckmin, com a fuzilaria em cima dos Protógenes Fáusticos, dos Joaquins Policarpos Barbosas. Injustiça minha com Bucci: as polêmicas que entre nós prosperam vão do anódino ao supérfluo, orbitando em torno de ninharias, tecnicidades bacharelescas.

3) O meu jornal ideal é aquele que embrulha o peixe, molha, mas não rasga. Companheiro, vc acha mesmo que defender uma imprensa plural inclui colocar (mais) um canhão na mão de Sarneys, Delfins e Passarinhos? Conte à sua filha de 12 anos sobre a OBAN e depois pergunte se ela gostaria de te ver na companhia dessa galera medonha.

4) Você está certo sobre este ponto. Amei o meu epíteto: "contra-crítica chapa branca", é Gêmeos com ascendente em Gêmeos.

5) Seu nome no alto de um texto me faz pensar. Em dobro. Vc tentou relativizar a "dura", sim, ou talvez não tenha sido tão enfático em condená-la quanto a minha simplicidade de espírito careceria.

6) Estou aceitando parcerias públicas e privadas, vc talvez me compreenda, não tem sido fácil ganhar a vida neste nosso capitalismo de estado. A esquerda brazuca no pós-ditadura tinha (ainda tem) a faca e o queijo na mão, como teve a sua congênere italiana no pós-guerra, e o mesmo dilema moral: as cicatrizes do conflito armado de um lado e, de outro, a vontade de usufruir dos esquemas, de "fazer o que todo mundo faz", nas palavras imorredouras do Nosso Guia. Os compagni que não embarcaram num terrorismo equivocado, temporão e sanguinário, se lambuzaram na versão acomodatícia, com a conseqüente mafianização da vida social, política e econômica do país. Isso levou ao assassinato de Moro e Falcone, isso desagua em Berlusconi e na Lega Nord e agora... Battisti. Deve doer fundo na xenófoba alma peninsular ouvir o ministro brasileiro da Classificação Racial (outro dos seus impagáveis 'tags') afirmar que a justiça italiana não é confiável. Sendo assim, e se vc me permite, é melhor não perturbar demais sua conversão 'neocon' em campanhas revisionistas: colegas e aliados seus, antigos e atuais, poderiam ter constrangimentos na eventualidade do menor rasgo na Lei de Anistia. Cordiais saudações,

Missosso

cuspindo fogo

terça-feira, 21 de abril de 2009

o Deus quântico criou o universo, mas não o pode operar


Para o mundo da física, as teorias quânticas descrevem uma série de fenômenos bizarros, como partículas que desaparecem aqui e surgem acolá, ou que se comportam como onda e como partícula a depender da situação, “coisas” que são e não são ao mesmo tempo, etc.; já para a metafísica, as conseqüências são muito mais sérias: um suposto Demiurgo quântico até poderia ter criado o universo, mas não possuiria nenhum controle sobre a sua criatura.

A realidade é um devir contínuo ― como já tinha notado Heráclito ―, e um devir contínuo é um vir-a-ser-alguma-coisa; o que é, e como se determina esse vir-a-ser-alguma-coisa, é onde a porca torce a primeira espiral do rabo: ninguém pode saber com certeza o que vem a seguir, apenas medimos possibilidades disto ou daquilo acontecer. A cada momento o universo precisa refazer suas apostas e, como disse Mallarmé, nenhum lance de dados pode abolir o acaso.

Nada nos garante que o sol vai nascer amanhã, disse Hume, sacudindo Kant de seu sono dogmático. O MUNDO É FUNDAMENTAL E ABSOLUTAMENTE LIVRE PARA FAZER O QUE QUISER NA PRÓXIMA JOGADA. Einstein se revoltou: Deus não joga dados. A possibilidade “zero” de um evento não significa, no mundo quântico, que ele não possa acontecer; o corolário disto confirma Machado de Assis: TUDO pode acontecer.

Stephen Hawking, em sua busca por uma teoria que unificasse todas as forças da física (Theory of Everything), percebeu que um tal conjunto de axiomas seria “completo”, isto é, não possuiria um fora que o balizasse, um metanível que atestasse sua verdade ou falsidade ― violando o Teorema de Gödel.

Nem Deus possui a Equação de Tudo.

fotografemas




terça-feira, 14 de abril de 2009

EULE O LOBO

Por que razão vem à noite? Para poder cavar em paz e sem pressa, os barulhos da noite o escondem. Qual o motivo do buraco que cava? O buraco não tem motivo, apenas a ausência necessária para que ninguém na casa se julgue inteiro. Ele está dentro da casa. Como sei que está aqui e não escondido no mato? Eu que deixei entrar. É uma fera terrível, destruiu toda uma família de anões. Por que sei que é um lobo? Eu que o criei, desde a barriga da loba. Esperamos a polícia para quem precisa de polícia? Há uma arma, mas não há coragem para usá-la. Por que é que nunca soubemos desse quarto no subsolo? Ele foi lacrado para que, sobre os seus segredos, pudéssemos viver ao rés do chão. Como pode ter certeza de que há crianças na casa? Onde há crianças, há o medo dos lobos. Qual o motivo de os temermos tanto? Um cão pode voltar a ser lobo e vice versa, nós não, estamos condenados a ser uns os lobos dos outros. Então eu vi, ou sonhei que vi: a mulher se aproxima do bebê que chora, pega-o no colo e retira do seu pé um espinho, em seguida cuida do ferimento.


segunda-feira, 13 de abril de 2009

Post -Sonho: Lobo



O lobo vem à noite.
Nunca ninguém o vê, mas vê o buraco que ele deixa, cavado no chão, enorme, descomunal. O buraco chega num andar abaixo, uma espécie de subsolo que ninguém conhecia, mas que estava lá, enorme. Estranhamente, o buraco chega a um subsolo que não é exatamente desorganizado, mas é assustador, com suas pilastras imensas, seus tijolos aparentes malcuidados, sua escuridão.
Há uma arma na parede, mas ninguém se anima a esperar pelo monstro. Ele é muito forte, rápido e perigoso. É preciso estar pronto para enfrentá-lo sem dó. A polícia virá pegá-lo, enquanto ficamos escondidos, esperando, mas é inútil. Ele é esperto demais e nunca vem quando o esperam.
Ninguém o encontra.

sábado, 11 de abril de 2009

o caubói ao entardecer





Um retrato moral resulta mais ambíguo ao poente do que com o sol a pino. Por contraditório que possa parecer, nisto reside a licença poética e um dos vértices do multifacetado “Gran Torino” (2008), filme mais recente de Clint Eastwood, anunciado como o seu último trabalho de ator. Uma luz oblíqua costuma guiar os atos finais dos caubóis de Hollywood: nos westerns, caracteristicamente, este é um combate singular que acontece nos confins da cidade, ao cair da tarde ― fica com vantagem no duelo aquele que se colocar de costas para o crepúsculo.

“Gran Torino”, porém, enfrenta corajosamente as vicissitudes do crepúsculo, em particular os inevitáveis acertos de contas com o passado, o presente e o futuro. O filme começa e termina na morte, sem com isto redundar em fechamento exegético, nem acentuar demasiadamente o registro do trabalho de luto. Embora se preste a balanços de vida, de carreira, de posições políticas (o cineasta é um redneck, republicano e patriota de quatro costados), o plano narrativo não aceita soluções apaziguadoras: Dirty Harry 6 está na pista daquelas perigosas sínteses de que falava Hegel.

Walt Kowalski, veterano da Guerra da Coréia, viúvo que mora afastado dos filhos e netos num subúrbio de Detroit, é o proprietário de um Ford Gran Torino, modelo 1972. O carro pré-crise mundial do petróleo lembra tristemente a arrogância perdida no centenário da Ford, paradigma da indústria do século XX; somos levados a perfilar homologias históricas e biográficas do personagem numa arquitetura da degradação: o declínio físico a se desdobrar no esgarçamento dos laços familiares, que se espelha na decadência urbana de Detroit, metonímia do combalido setor automobilístico norte-americano, símbolo, por sua vez, do outono da superpotência mundial.

Como os irmãos Cohen em “Onde os fracos não têm vez” (2007), o Eastwood-diretor experimenta com a mistura de gêneros, no caso, o faroeste com o drama de tribunal. Na sala de espera da consulta médica, Kowalski finalmente entende: é um imigrante entre imigrantes, maverick ajustado socialmente, ex-combatente que enfrenta agora o tribunal interior da doença, da velhice e da memória. Neste processo ele recusa tanto a mediação religiosa como a reflexão melancólica; se escolhe, uma vez mais, a via da ação, não está em busca de outro punhado de dólares, mas de conferir sentido(s) à sua trajetória.

A conquista do Oeste mítico encenou a conquista do mundo: no corte rápido da edição ideológica, saía o vingador solitário e entrava o marine. Passagem de bastão que John Rambo realizaria, no imaginário da América e do mundo; afinal, supremacia se faz com guerras e guerras se fazem ultrapassando fronteiras éticas. Os filmes de tribunal representam, assim, um segundo tempo dialético do bang-bang: no momento em que a conduta vai ser escrutinizada pela Lei é que ela atinge a letra, ganha estatuto legal , portanto, social. Jean Genet dizia que era apenas um homem que roubava, depois de condenado, tornou-se um ladrão.

A América (do norte, bem entendido) se tornou o que é por acreditar nos princípios da Lei e da Civilização (ocidentais, bem entendido); a crise atual, ao atingir o núcleo duro do sistema, deixa de ser uma questão econômica e se torna também uma questão de modelo, de visão (e, mais ainda, de administração) do mundo. Esta é a condição pós-moderna descrita por Lyotard, falindo os laços de nacionalidade, as fidelidades étnicas e clânicas, em suma, as “grandes narrativas”, confiamos que a imagem fragmentária do cinema realize a façanha integradora, o terceiro tempo em que a pulsão forja a representação. Monco não é Rambo, Eastwood não é Schwarzenegger, mas o Gran Torino do filme é “verde”, como os carros que Obama deseja para a América.

Kowalski tem dificuldades com a nova ordem, mas não vai contra o inevitável de forma ingênua: não há mais dois exércitos marcando o mapa com vermelho e azul, o que temos é um território instável tomado por gangues. Os créditos descem com o caubói cavalgando sozinho rumo ao horizonte.

sábado, 4 de abril de 2009

quarta-feira, 1 de abril de 2009

DASDOIDA na pça do PA(i)TRIARCA

a convite da ZÁ PIETHA, a DASDOIDA desfila no 2º FASHION DOWN TOWN em março de 2009