segunda-feira, 31 de agosto de 2009

não se pode ocupar o lugar do vazio

o Abismo e seu Cavaleiro


Conta a lenda que um cavaleiro forte, alto e pouco experiente, a quem chamavam Ferrabraz, por motivos de honra virou noivo de uma donzela que nem conhecia. A família exigia que o casamento acontecesse imediatamente, pois em outra coisa não pensava Focaccia, a princesa.

No caminho do castelo de Payan ele encontrou uma linda feiticeira que lhe revelou que a noiva era feia como a necessidade e chata como uma mula empacada. Nela o cavaleiro não acreditou e, assim, a bruxa o lacrou com um tipo de feitiço embutido numa macumba.

De tudo a bruaca o ameaçou; a felicidade ao lado dela lhe prometia, fama, glória e dinheiro na caixinha. Vendo que debalde lançava rogos e pragas, a bela wicca o transformou em sapo sem respeito, de barriga laranja e fios de cabelo grossos como minhocas.

Cansada de esperar o cavaleiro que tardava, Focaccia em abismo se transformou e a engolir toda a maldade, orgulho e tontice do sapo principiou. Lá-lá-lá-ló-lú-lex-lá-lí. E Ferrabraz o Cavaleiro do Abismo se tornou.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Introdução à história sentimental do tucano-petismo




Companheiro M. C.,

Venho acompanhando, com intenso deleite estilístico, suas argúcias retóricas na defesa da Realpolitik do Nosso Guia ― mormente no emblemático e momentoso caso do presidente do senado. Ah, é a tal da ‘governabilidade’, responde o tal de pragmatismo que lubrifica os gonzos do nosso bissecular presidencialismo de maioria. Que entre nós o cargo máximo do país seja, circunstancialmente, eletivo não muda o fato de vivermos sob a égide de um carnavalesco 3º Império. Que se alternem PT ou PSDB, Arena ou MDB, udenistas ou pessedistas, café ou leite, saquaremas ou luzias, partido conservador 1 ou conservador 2 no poder, o que remanesce é este nosso capitalismo de ‘indução’ estatal.

Na América Latina, recém-convertida à democracia-sem-instituições-democráticas, o Brasil está muito mais para regra do que para exceção ― e é por isto que a nossa ‘real diplomacia’ acomoda tanto um general Stroessner, quanto um coronel Chávez; no país das idéias fora de lugar, uma ditadura militar acolhe um mafioso (Salamone) com a mesma nonchalance com que uma ‘ditabranda’ de esquerda acoita terroristas (Lollo, Battisti, etc.) Está no DNA do pragmatismo tupiniquim, companheiro.

Eis porém então senão quando, o brilhante editorialista e publisher resolve se arriscar na seara da crítica cultural e nos brinda com um saboroso ensaio acerca da arte da fraude ou da fraude na arte. Acontece, entretanto, que a arte, a política e a fraude são ramos do mesmo cepo, a representação; se representam por meio da verossimilhança e não da veracidade, que culpa têm? É da natureza do escorpião ferroar o sapo, afinal, mas é também direito do sapo se perguntar para que servem os políticos. O que faz o senado?

Há décadas a verdadeira face da política nacional vem sendo o PMDB, esse amorfo monstro do pântano fétido que emergiu da ‘redemocratização’ à brasileira. Incapaz de ser, ou fazer, oposição ― até por carecer absolutamente de algo que pareça um programa ― o maior partido brasileiro mercadeja votos, alianças e maiorias ao preço que o sr. certamente não desconhece. Mas quem terá a coragem (e o rabo solto) de meter a fatídica bala de prata no vampiro? Eis o paradoxo em que o articulista e a nação estamos metidos: o pragmatismo, mola que move a política, as finanças e o marketing, transforma estas atividades-meio em fim em si mesmas. É o tipo de esperteza que acaba por engolir o esperto e o otário, sapos e escorpiões.

Não foi por outro motivo que o companheiro Platão baniu os poetas da sua utópica República: com suas cópias de cópias, com o temível veneno/remédio da mimese, todo aquele que representa ― e em sociedade todo mundo representa ― pode acabar servindo e/ou comendo as ‘gosminhas’ do chef Ferran Adrià, ou seja, gororoba ortomolecular temperada a pós-modernismo. Uma vez que se cria uma lei de incentivo à cultura via renúncia fiscal, a porteira está aberta para que artistas nacionais consagrados financiem seus lucrativo$ projeto$ e bancões banquem institutos culturais e até circos canadenses sem mexer no bolso (deles, claro está, basta-lhes o nosso.)

Ou bem se espinafra Maluf quando bravateia que nunca foi condenado, ou mal se escuta Chaui quando culpa a imprensa golpista no episódio do mensalão. Porque aos DEMfílicos mas demofóbicos tucanos, tadinhos, não restou sequer o grito de pega ladrão ― o ‘operador’ da maioria parlamentar estava consubstanciado na mesma e valéria pessoa! Se o sr. me permite a insolência, gostaria de fazer minhas as palavras do Comissário Zé Dirceu: “ A vida política, porém, é plena de armadilhas. Até os mais nobres e valorosos militantes podem ser arrastados a situações com as quais, no futuro, não concordem ideologicamente.” Magister dixit.

PT? Saudações! Cordialmente,
Missosso
(este texto reflete apenas as opiniões do seu autor e não dos colaboradores do blog como um todo)

sábado, 22 de agosto de 2009





eu me alimento de sorrisos
que devoro de peito aberto
sem medo do estalar do ossos no abraço denso
da felicidade graciosa e plácida

faço nascer estrelas nas testas
que giram mais rápido que o pensamento
e fazem os pés se elevarem num vôo rasante
sobre a vida que ainda não conheci

semeio perguntas e
me escondo atrás do arvoredo mas volto
timidamente, quase indecisa
para ver o que vem vindo

com um vaso de barro verto
as lágrimas que emprestei de outros rostos
elas vão beijando o chão, devagar
acordando a vida silenciosa
que se move abaixo da grama

disparo palavras
e as observo no trajeto
até os ouvidos de seda que as vão guardar

eu me ajoelho
e viro um castelo
onde ninguém mora mas todo mundo vive

e o Universo conspira a meu favor

diuturnamente

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

AVIFLORA & RIZOFAUNA


― Vó, quer ouvir uma história? Eu leio pra você...

― História do quê?

― Do meu livro, é a lenda de Oxum.

― Xum, é?... menina boba que é você Adelaide, quem deixou você ler esses montes de história de catimbó?

― Meu nome é Talita, vó... que que é catimbó?

― Não sou sua avó, menina, pensa que ainda me engana Duda, você estuda comigo no Des Oiseaux...

― Claro que você é minha avó, a senhora é mãe da mamãe. Você está com a memória fraca, a Dinda que me contou...

― Que Dinda, que memória o quê... em vez de ler bestagem, você devia era se agarrar ao catecismo. As crianças de hoje não têm respeito, só falam asneira.

― Vó, pra quê esse espinho? Onde arranjou ele?

― Pára com esse vó, vó, vó, nem te conheço pirralha! Isso aqui é pra matar formiga, uma espetada, assim, e pronto, menos uma pra aporrinhar...

― ...e por quê a senhora não gosta delas?

― Sabe de onde veio o espinho dona perguntadora?, pois bem, arranquei ele do tronco da barriguda que tem lá na praça... não sabe o que é?, pois é uma árvore que protegeu a Sagrada Família quando fugia para o Egito, os soldados estavam perto e Deus mandou ela se abrir pra esconder o Menino Jesus lá dentro. E por isso ela ficou barriguda e cheia de espinhos.

― Muito dez essa história! Só que... a gente não devia atazanar as coitadinhas das formigas, elas não fazem mal a ninguém...

― Você que pensa, esses bichos são odientos que nem gente, ruins como aquela coruja que fica lá me olhando o dia todo. Ói lá ela, não sai do meu pé, a sarna...

― Aquela é a Dona Zulmira, mamãe chamou ela pra cuidar da senhora, porque a senhora é velhinha e precisa de ajuda.

― Quanta parvoíce! Sua mãe paga ela é pra cuidar de você, guria, ela sai pra trabalhar, não sai?, então?, eu não preciso de babá nenhuma... onde já se viu?!

― Foi a mamãe que falou...

― A Dinda disse, a mamãe falou... que criança mais quezilenta. Dá nisso: as mulheres agora têm filhos pros outros criarem, o mundo está todo virado mesmo.

― Ih, vó, aquela ali está se mexendo, tadinha, deve estar doendo...

― Dói nada, só dói em quem tem alma.

― Vó, o que é a alma?

― A alma Deus dá pra quem tem compaixão pelos outros, essas formigas aí, mais vermelhas, as grandonas de queixada grande, são umas desalmadas, elas são escravagistas...

― O que é isso?...

― Tenho que explicar tudo, é? A rainha das malvadas entra no formigueiro, mata a rainha das pequenas e esfrega os pedaços da morta no corpo dela e das outras para o cheiro ficar igual, daí o formigueiro todo vira escravo das malandronas para o resto da vida sem saber de nada.

― Elas podem até cheirar igual, mas são bem diferentes... as pequenininhas não vêem que estão sendo enganadas?

― Não, as formigas são quase cegas.

― ... vó, existe gente escravatista?

terça-feira, 18 de agosto de 2009

DASDOIDA na FIESP - fundos

obra-de-arte é efêmera, é coisa pra acabar logo. é fazer e acabar, não vai para museu, no museu estão as drogas-de-arte. ferreira gullar (ou ribamar)

terça-feira, 11 de agosto de 2009

A Estratégia do Vírus



Ela começa pela memória recente, cousas lidas e ouvidas, biblioteca rápida de notícias, curiosidades atuais e corriqueiras ― a inesgotável ganga de faits divers que se adere à falta de assunto ―, mas, logo, mais séria, emendou: não existe profundidade, o que há é uma infinidade de camadas, superfícies derrotadas como cascas de cebola. De modo a liquidar eventuais dúvidas, tirou a blusa exibindo uma curiosa tatuagem, um colibri e um lagarto lascivamente enrodilhados, que lhe desciam do pescoço para o flanco direito. Jogada no espaldar da cadeira, a blusa lá ficou.

Nocaute no primeiro golpe, acusei, este é o risco de enfrentar uma peso-pesado. Homens são incapazes de gerenciar simultaneamente tesão e raciocínio ― falha na barra multi-task, alega o fabricante. Cocei a ponta da orelha para ganhar tempo (um dos meus muitos tiques), buscando a guarda para provocar o clinch, tentando cozinhar o galo até soar o gongo. Com o resto de compostura que me sobrou, respondi que os homens enxergam ao longe e as mulheres são mestras nas curtas distâncias; afinal de contas, preciso lembrá-la quem está pagando a brincadeira.

Vocês vêem as grandes coisas, as mulheres vemos só as pequenas; mas olhamos dentro delas. Não deixa de ser um tipo de compensação pela pequena história de infâmias a que fomos confinadas. Calou-se. Repetiu a operação anterior com a calça. O mundo da narrativa pousou ali entre nós, deslizou as mãos destras e caprichosas pelo cinto de couro, detendo-se na fivela dourada; criando uma falsa expectativa, já que o cinto não a sustentava. Falo da calça saruel que ela vestia, dos movimentos solenes de quem manuseia relíquias, a densidade oculta do corpo a arrastar cios e senhas.

Nisso você está certa, concordei protestando, essa miopia está na base de um certo imediatismo feminino; um manual prático da existência onde tudo se explica por circunstâncias, minúcias e defeitos morais. Fazia que nem ligava para as notas, depositadas uma a uma no criado mudo, embora a dificuldade em se livrar de uma série de alças e faixas denunciasse algum embaraço. Agora era eu que procedia com vagar, aos poucos, gota a gota, sorvendo a beleza na língua, retendo no espírito cada detalhe da devoração. Cabelos presos, pingentes, lingerie e sapatos de salto agulha.

As aventuras, as desmesuras, as ousadias da excitação que antecipa acontecimentos, páginas roubadas pela pressa de se saber o fim. Dissimuladas delícias. Você nunca pensou estar aqui no meu lugar, inverter os sinais? Pra quê?, rebate agressiva, a cada manhã perco a obra noturna, se fui tigre na experiência vivida e quero retê-lo, sobra apenas um rabo de gato. Se um dia sonhei com você, diz enquanto solta a piranha do coque, já passou... Os brincos tinham ido parar no toucador sem que me houvesse dado conta do gesto que os arrancou.

Bem, são cifras diferentes, é certo, meu negócio é poder, o seu é dinheiro; a mim interessa a vã glória de mandar, a você, o lucro duvidoso de se dar. Quem poderá saber qual de nós anda menos iludido? Quando sobrevier a melancolia do repouso, quem estará mais órfão, a raposa ou o ouriço? O bustiê foi caindo com um traçado perverso, teimando em se agarrar aos bicos estrábicos dos peitos-canoinha. Assim, vai, perdura essa pena renovada, quero a acritude do ato consumado; as franjas e babados onde aspiro teus fluidos são restos de esquecimento que o despertar teceu para mim.

Mandar, desmandar, transitórios são os ensinamentos sobre o ódio, tão breves são os silêncios da morte... Os vírus anunciam que há uma epidemia de gente, que podemos levar tudo para o grau do inanimado (onde eles transitam de zero a legião), que falta água, que a Gaia faltam tetas para tantos humanos. Predadores no topo da cadeia alimentar, aquecimentos globais pré-históricos, trilobitas (!?) extintos em massa há 250 milhões de anos, etc., de tudo me acusou; do mais importante, porém, ela se desembaraçou em pé: uma dobrada de perna, uma puxada com três dedos e... calcinha no chão. Profissa.

Mais do que tudo, acompanhei os olhares, a palavra que estremece; confidências furtivas dos inconfessáveis informes, imagens não-visuais reveladas no jogo muscular, nos ardis de fera acuada. Fiz este único reparo: por isso é que desconfio da metafísica, essa doença da palavra, ninho de canalhas e poetas, refúgio do pensamento que não sobrevive sem o sagrado. Como os vírus, a linguagem é um código que parasita outros códigos; de repente, acorda de latências seculares, reproduzindo de contrabando sua criptografia invasora. Só podemos esperar que o dia desfaça o que foi capturado pelo trabalho da noite: a vida é um programa muito mais amplo, uma língua maior que a linguagem. Caminhava confiante pelo quarto, a danada insistia em não tirar os sapatos. Tlec, tlec, tlec, tlec, tlec.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

A Erva do Cheiro

foto: erva-de-rato

.o cheiro do rabo
O olho não enxerga tudo que já viu
a perna não se articula.com
o corpo mítico do Pai
frag-mentado
o(s) sentido(s) do mundo(s)
não está pronto o PHÁRMAKON (veneno-remédio)
bocas, vulvas
surgem em alguns frames com uma concretude
escultórica

O GIGANTE DEITADO

a erva do ralo
a merda os tons marrons
a grana o rolo a bunda os sótons
a putaria a bandalheira
organizada na forma
de instabilidade
um modo de ser vida e morte
em constante permuta
ora signo
ora peso
ora grito

DIÁSPORA POÉTICA: NÃO SE DEVE CORTAR OS PÉS DO RATO

o sonho
segredo que conta
histórias

o horror cria segredos
para silenciar
a história

SUPORTAR AS ANARQUIAS DO AMOR E DA SORTE

o cheiro do rato
como conviver com o rato?
Esse rato nasceu do amor
veio do entrenós
parido no entretempo
terceiro
gerado no hálito humor
de álgidos túmulos

TERMINABILIDADE DO ENTE PRIMORDIAL

a concepçãO
loucura.com.br
problemas do Brasil-problemão:
a folia é um interesse econômico
uma habilidade social
enlouquecer como estratégia
de cura
para a normalidade absurda
[do mal]

DISCIPLINA AMPLECTIVA DO AFETO, A TECNOLOGIA CORPORAL DO NÔMADE

O MAL não é substância
mas relação
cediça

amor é despojamento
combustão espontânea pornográfica
do interstício
físico-simbólico

por mais desejo que haja na matéria
resta (o extemporâneo)
nos imprevistos da fatura
Eu-Mãe-Mundo

amar é trair
pátria, família, propriedade
trair o objeto do amor
trair o amor em si