sexta-feira, 18 de outubro de 2013

a escolha do Supremo (1)



            ― Perfeito, sem problemas. Agora arredondou, a coisa vai sair redonda desse jeito... tá, tou mandando agora mesmo um e-mail... isso, com o meu de acordo... Hmm, isso daí vou ver com ele e te retorno ainda hoje. Quem vai trazer? Ah, sim, o Daniel...
― Daniel, Daniel... Daniel Boone!
― João Paulo e Daniel.
― Danny DeVito!
― Ei, ei, peraí, tem certeza que Danny vem de Daniel?
― Claro que vem, seu sem noção, já viu americano chamar Danilo?
― Mas ele é americano? Pra mim, era italiano...
― Se for assim, Dan Brown também pode!
― Daniel Day-Lewis.
― Daniel e Samuel.
― O, o… o James Bond...
― Daniel Craig!
― Não vale, essa era minha!
― Daniel na cova dos leões…
― O quê? Chupa essa manga: Daniel Harry Potter.
― Chupa tu, cabeção, é Daniel Radcliffe!
― Daniel, o cantor.
― Já foi: esse é o Daniel do João Paulo...
― Daniel Filho.
― Oziel e Daniel.
― Continuando no sertanejo: Gustavo e Daniel.
― Daniel Passarella.
― Daniel... la Mercury!
― Não pode! Já decidimos que é pra ser exatamente...
― Ah, mas é Daniella com dois ‘eles’. Pra quem sabe ler, um pingo é letra.
― Daniel Barenboim.
― Essa não! Daniel Boeing?! Vou dar já um Google, esse cara tá inventando, não é possível!
Mas era. O Psai tinha ganho aquela.
Assim começava uma das mais populares tradições culturais da 1Q84. Sem nenhum motivo explícito, às vezes por causa da repetição, ou de uma entonação diferente, uma palavra ou conceito eram destacados do discurso corrente e se tornavam a senha de um concurso de associações. Ganhava quem achasse o último exemplar, podiam ser nomes, sinônimos, partes de listas, verbos, acrósticos, símiles, quase qualquer coisa.
E havia ainda o fenômeno associado: a proliferação das regras, que deviam ser aprovadas por unanimidade, e que, uma vez sancionadas, ninguém esquecia nem ousava desrespeitar. Vários jogos internos surgiram por geração espontânea na empresa nestes quinze anos de existência, mas nenhum alcançou o grau de adição da escolha do Supremo.
Outra mania, menos inócua, são os apelidos. O Psai, por exemplo, não ganhou o nom d’artiste em homenagem ao saltitante coreano do Gangnam Style, vem de Psycho mesmo. Não que o Edilei não faça jus à fama, mas o recado é direto demais, cru demais. Tentei chamá-lo de quatro-e-um, em referência à hora fixa em que ele se levanta e, simplesmente, vai pra casa. Entra às sete, sai às quatro, não fala com ninguém, não aceita gozação ― o que, claro, pendura nas costas dele o alvo do bullying geral assim que deixa o ambiente.
Porém, verdade seja dita, o Psai é o melhor técnico que se poderia encontrar. Mito. Resolve qualquer problema de hardware ou software que lhe botamos na mesa. Quase não conheço a voz dele.
A 1Q84 foi batizada assim por causa do conjunto que ocupava no treme-treme do centrão da cidade quando começou. Naquela época, ainda nos chamávamos Global Network Services, nome que perderíamos dois anos mais tarde: um cara de uma banquinha de celulares já tinha registrado. É Flórida. E, desta vez, mesmo com várias sessões de diarréia mental, não chegamos nem perto de um consenso. Mais por desistência que por convicção, ficou desse jeito mesmo.


2 comentários:

Dalva M. Ferreira disse...

Daniel... esse negócio de apelidos é fogo - esse moço, o da cova dos leões, também recebeu um apelido cabuloso na Babilônia: Beltessazar! Tá no google.

filipe com i disse...

Beltessazar... deu sorte! Virou ministro do capo da Babilônia.