E
então lá estava ele: rebolando na pista, uíscão na mão, indicadores apontados
para o alto, chacoalhando ostensivamente a pulseira VIP, tirando selfie com o
DJ, pagando de rei do camarote; estilo vacilante entre o
coxinha-roupa-de-shopping e o bagaceira P.I.M.P. Sabe o tipo de sujeito que
grita “Uhu, partiu balada”?
Vergonha
alheia total.
Foi
a primeira vez que me dei conta da existência daquele cara, o energúmeno passou
a ser figurinha carimbada em todos os lugares onde eu andava. Saía do trabalho,
lá estava o mala, descia do elevador, dava de cara com ele, no vagão do metrô,
na sala de espera do analista, no estádio assistindo o show de rock, correndo
no parque, bem atrás de mim na fila da lotérica, em todos os cantos acabava por
encontrar aquele chiclete grudado no pé.
Quem
não ficaria noiado no meu lugar?
Prestei
queixa à polícia ― só consegui foi criar um mega enrosco. Pra começar, não era
claro o local, uma vez que procurei a delegacia mais perto da minha casa e não a correspondente à
ocorrência (que eram várias), depois, havia o problema muito mais fundamental
de não haver crime algum. O pentelho não fazia nada, não me abordava, não
ameaçava, nem sequer se dirigia a mim. Apenas não faltava, nunca.
Até
que achei um policial com saco pra perder meia hora comigo. Acompanhou-me a um
bar nas imediações da delegacia, dez minutos, e pimba!, o feladaputa apareceu todo
fagueiro no pedaço. Aceitou a prensa surpreso mas sem reclamar, apresentou
documentos, foi revistado, tudo nos conformes. Um cretino acima de qualquer
suspeita: não tinha capivara, registro cível e penal limpos.
Nada
a fazer, meti a viola no saco.
―
Mas você não acha estranho um caboclo gastar tempo seguindo os passos do outro,
assim, do nada?
― Amigo, na
boa, a polícia foi até onde pode ir neste caso. Intuição minha, sossega que o
louco é manso, no máximo um viado obcecado por você. Daqui a pouco ele
desimpregna, vai azucrinar outro.
― E não pode
obrigar esse freak a fazer um exame de sanidade mental? Isso não pode ser
normal.
― Faz parte do
direito de ir e vir. Se fôssemos obrigar todo cidadão a fazer uma coisa dessas,
não saía ninguém de casa, moço.
Bom, as coisas
estavam nesse pé quando topei com a figura na fila de embarque do vôo que me
levaria para merecidas férias. Aquilo foi demais. Num relance, vi toda a
estadia em Las Leñas
com aquele papagaio de pirata colado em mim pra cima e pra baixo, a vista
pretejou, depois tingiu-se de uma névoa vermelha, e foi aí que parti pra cima
dele. Dei-lhe uns bons pares de chutes, pescoções e muquetas a esmo antes que
três passageiros me contivessem derrubando-me no piso numa cena grotesca.
― Me solta, me
solta! Vocês não sabem o que eu estou passando por causa desse panaca, me soltaaa!
Fuzuê completo
no saguão lotado. Delegacia (de novo), depoimentos, acareação, etc., no fim do
imbróglio, o agredido não quis registrar queixa-crime, queria tão somente
embarcar na sua viagem e esquiar com os amigos! Não achei tão mal: não houve
abertura de inquérito, podia transferir a viagem e adiar as reservas de hotel
pra baixa temporada, e ainda ganhava uns dias pra pensar sem aquela sarna.
Era uma porra
de um pesadelo.
Pago imposto,
respeito as leis, pego no pesado, e, na hora de garantir o repouso do
guerreiro, tudo que o Estado me oferece é o risco de ser indiciado por
agressão. E ainda tenho que agradecer porque saiu barato pro meu lado. Foi quando
rolou o insight: no fundo, como em tudo mais neste país, se eu queria um
serviço bem feito ia ter de botar a mão no bolso. Contratei o detetive Jamil
Biscaia, um investigador aposentado do Garra pra desenrolar essa fita.