Informe saúde: o papel da imagem inconsciente do corpo
e a origem das neuras
a principal causa de desencontro entre o narcisismo da imagem do corpo da criança e seu esquema corporal (idade fisiológica), é notadamente quando o desejo libidinal oral de pegar, de saber e de compreender, e o desejo anal de fazer, agir, de experimentar, despertam na instância tutelar uma reação tão erótica ou tão recalcada (p.ex.: uma culpa enfiada no seu super-eu infantil). a mãe tomada de angústia, associa uma reação expressiva mais ou menos controlada, da qual a criança percebe sempre o `não dito´: olhares de desprezo, atitudes hostis, rupturas, palavras de censura que ela acredita serem educativas.
entretanto, a criança não tem sequer a oportunidade de recorrer ao fantasma do prazer arcaico; se for consolada pela mãe, pode reconciliar-se consigo mesma, identificar-se por introjeção com a mãe acolhedora para o bebê ainda impotente, o qual ela sabe acalmar. se por outro lado, a criança não for mais “amada”, for censurada e, se esta mãe aos olhos da criança, tem razão, numa identificação secundária com o agressor, tanto pior: ela está então submetida à introjeção de emoções insólitas, sem representações, ou por vezes uma representação de censura severa que pode se estender inclusive aos domínios do patronímico. surge então no inconsciente os efeitos da pulsão de morte, que investe contra as zonas erógenas do corpo provocando anorexias, vômitos, encoprese, enurese e insônia.
na clínica, encontramos pais e mães se acreditam “alvos”, como se tratasse de revide das criança que eles pretendem adestrar. quanto mais a criança apresenta os sintomas, mais eles querem adestrar: uma situação libidinal dramática, perversa: humanos que só podem destruir! a criança perde até a sensibilidade de suas sensações esfincterianas distintas, de suas sensações do trânsito intestinal, fica totalmente entregue às pulsões de morte, já que sua imagem de base, a mais fundamental, é associada à mãe e está ligada à vida e à morte. se da mãe apenas emergem signos de repulsa e recusa, se dela não brota mais nenhuma característica de vida para o espírito e o coração, então, para o corpo que não pode viver sem espírito e sem coração, ela se torna morte. A morte-mãe se torna a referência anti-existencial e existencial simultaneamente.
[1]estas crianças chegando no limite do vivente: sendo sujeitos extremamente inteligentes, não podem mais engolir, não podem mais mastigar: sua anorexia, que é uma falta generalizada do desejo de amar, do desejo de desejar, do desejo de trocar, é particular e psicótica. todas as crianças psicóticas entram em estado crônico que pode ser atravessado por atitudes bizarras passageiras do corpo que não podem ser ditas de outra forma. a criança psicótica fica refém de pulsões insólitas provocadas por fantasmas, acontecimento real ou pulsões agressivas contrarias à instância tutelar. em geral as pulsões de morte do sujeito do desejo são localizadas nas zonas erógenas. a única maneira de lutar contra a angústia com relação aos pais de hoje, é de se refugiar nas lembranças de seus pais de ontem, de um mesmo dele arcaico. podemos dizer que se trata de um processo de autismo, de uma defasagem em relação ao resto do ritmo de vida relacional atual, de sua imagem existencial; daí o retorno a certos componentes da imagem do corpo da criança que não pode permanecer focalizado em seu esquema corporal de hoje, e fazer corresponder a isto a manifestação de seus desejos de sujeito.
Pedrinha na mão
Os poucos críticos que ainda pensavam a obra de Lygia Clark quando ela se declarou psicoterapeuta, aceitaram a explicação sem contestação. Ela partiu da criação pictórica no plano (telas) para formas autônomas (os “Bichos”), e então o objeto se tornou interativo com o espectador, - melhor dizendo, o participante; que em dado momento, deixa de precisar do objeto. O principal estava na interação entre o participante e o objeto, que vai se tornando mais e mais como um acessório de palco do que qualquer outra coisa. Então isso é muito lógico. Ela passa por um limiar quando decide fazer disso uma espécie de cura ou alguma coisa. Ela diz: “não troquei a arte pela psicanálise, desde que pedi a participação do espectador, que foi em 59, daí por diante meu trabalho exige a participação do espectador; meu trabalho foi sempre me conduzindo para outro experimentar, não só para vivência minha. Por ora, tenho a consciência de que meu trabalho é um campo experimental, rico em possibilidades e é só. (carta). Com os “Objetos Relacionais” ela chega ao ponto mínimo da materialidade do objeto: ele é apenas a encarnação da transmutação que se operou no sujeito. Saquinhos de plástico e pano contendo água, areia, ar, isopor; tubos de borracha, mel, conchas convocando o desmanchamento do contorno, o desregramento da imagem corporal. Uma viagem intensa para além da representação. Lygia deixava por prudência, uma pedrinha nas mãos do receptor para que ele pudesse, a exemplo de João e Maria, encontrar o caminho de volta. Volta para o familiar, a imagem, o humano – a prova de realidade de seu ritual. Ela propunha uma vivência na fronteira
[1] Sem contar que em francês, mort (morte) e mordre (morder) se inscreve na imagem do corpo.