A feminilidade foi construída, ao menos no que tange ao mundo ocidental, como um rébus, uma metáfora da sexualidade ― e é neste sentido que considero a psicanálise o procedimento desmetaforizante do feminino por excelência: nascida desta cultura, reabre nela o caminho que vai do sexual ao sagrado e, portanto, ao poder. Conhecemos outros constructos envoltos em brumas, marcados pelo enigma: a Lei, a forma-mercadoria e, de forma geral, todos os modos de legitimação da ordem estabelecida. A minha hipótese repousa na constatação de que esta não é uma associação fortuita, o repúdio à feminilidade tem a opacidade e a permanência das coisas que escapam à influência da crítica culturalista, é conseqüência de uma opção repressora no processo civilizatório, em particular daquele que se configura a partir do monoteísmo e atinge sua maturidade e plena eficiência na civilização capitalista.
A idéia de um estágio matriarcal, ou de direito materno (Mutterrecht), antecedendo ao sistema patriarcal encontra-se hoje francamente desautorizada frente ao registro histórico disponível. Não seriam aplicáveis nem termos como transição, evolução ou recalcamento: a distopia social da mulher é produzida precocemente no processo civilizatório, ou antes, confunde-se com ele. Mesmo no ocidente moderno, que tanto se vangloria das conquistas de direitos privados e públicos, uma relativa isonomia entre os gêneros foi e continua sendo exceção, anomalia restrita a períodos que associaram a acumulação de capital a uma extraordinária sofisticação intelectual.
Se há uma gênese para o fenômeno, esta tem de ser procurada em estado nascente no estabelecimento do contrato social. Os laços sociais, que tão pouco têm de contratual, se constituem nos e pelos discursos que atravessam o espaço comunitário a partir da definição de um principium divisionis; este, submete tanto o mundo natural como o universo social e os códigos neles circulantes a uma partição lógico-política. Não existe formação social, por mais incipiente que seja o seu aparelhamento burocrático, que desconheça critérios de inclusão/exclusão, grupos ou categorias dominantes e dominadas, em que a feminilidade não advenha como um segundo sexo, modelo, aí sim primordial, da construção do Outro antropológico.
O que me leva a uma crua constatação: a crer no que se conhece acerca dos povos sem história, a mulher sai do estado de natureza na qualidade de mercadoria. Não se trata, ao menos a princípio, da condição servil ou de escravidão, mas certamente ela comparece como um bem artificialmente rarefeito e precioso. Desapropriada de si mesma em benefício da gens no processo de aliança, a mulher passa a ser regida pela ordem econômica, distribuída segundo as regras desta última, revelando, sob a fachada das regras de filiação, os alicerces de um sistema de direitos de propriedade.
A idéia de um estágio matriarcal, ou de direito materno (Mutterrecht), antecedendo ao sistema patriarcal encontra-se hoje francamente desautorizada frente ao registro histórico disponível. Não seriam aplicáveis nem termos como transição, evolução ou recalcamento: a distopia social da mulher é produzida precocemente no processo civilizatório, ou antes, confunde-se com ele. Mesmo no ocidente moderno, que tanto se vangloria das conquistas de direitos privados e públicos, uma relativa isonomia entre os gêneros foi e continua sendo exceção, anomalia restrita a períodos que associaram a acumulação de capital a uma extraordinária sofisticação intelectual.
Se há uma gênese para o fenômeno, esta tem de ser procurada em estado nascente no estabelecimento do contrato social. Os laços sociais, que tão pouco têm de contratual, se constituem nos e pelos discursos que atravessam o espaço comunitário a partir da definição de um principium divisionis; este, submete tanto o mundo natural como o universo social e os códigos neles circulantes a uma partição lógico-política. Não existe formação social, por mais incipiente que seja o seu aparelhamento burocrático, que desconheça critérios de inclusão/exclusão, grupos ou categorias dominantes e dominadas, em que a feminilidade não advenha como um segundo sexo, modelo, aí sim primordial, da construção do Outro antropológico.
O que me leva a uma crua constatação: a crer no que se conhece acerca dos povos sem história, a mulher sai do estado de natureza na qualidade de mercadoria. Não se trata, ao menos a princípio, da condição servil ou de escravidão, mas certamente ela comparece como um bem artificialmente rarefeito e precioso. Desapropriada de si mesma em benefício da gens no processo de aliança, a mulher passa a ser regida pela ordem econômica, distribuída segundo as regras desta última, revelando, sob a fachada das regras de filiação, os alicerces de um sistema de direitos de propriedade.
Tal como na lição marxista ortodoxa, a mulher/mercadoria, ao circular, se converte em referencial geral pois uma mulher se troca por outra. Dito de outra forma, o mistério da mercadoria e o hieróglifo social da feminilidade visam elidir o mesmo fato: a troca que associa, já traz, ainda que em germe, o incômodo do privilégio, a dominação e a necessidade do seu ocultamento. Instaurando-se um regime de trocas (pessoas, bens e palavras) é necessário que a troca em si seja investida como um aí-desde-sempre, dimensão mítica e extra-temporal que lhe permita situar-se fora daquilo que é efetivamente trocado. O que na troca deve permanecer velado é o arbitrário do seu fundamento, a marca simbolizante, que faz existir o que não existe, dando-se in absentia. Daí a necessidade da metáfora religiosa, da consagração de um espaço/tempo fundante em que o feminino é sagrado e tabu.
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