Aldeia dos Quatro Montes
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24
O sino bateu as nove badaladas. A manhã estava tão embrulhada no nevoeiro que Salústrio não conseguia ver a fachada da igreja. O frio parecia mais frio devido à humidade. Como sempre, o Senhor Director não demoraria a aparecer para tomar o seu primeiro café. Se um dia, por uma qualquer razão, o sino não batesse as horas, bastaria esperar até que o Senhor Director se sentasse à mesa do ArcoBotante para acertar o relógio. Mais certo que o relógio do Big Bem! Nove horas e dez minutos…
- Bom dia caro amigo!
. Bom dia, Senhor Director!
Salústrio levou a chávena do café e o Jornal das Notícias.
Salústrio voltou para o balcão, atendeu os clientes, arrumou a louça na máquina, limpou o balcão…
Quando voltou a olhar para a mesa que o Senhor Director ocupava notou algo de muito estranho. O jornal continuava dobrado conforme o deixara. O Senhor Director tomava o café, com a pequenina chávena na mão… Olhava lá para fora, para a massa densa de nevoeiro que nada deixava ver.
Pousou a chávena… e continuou absorto nos seus pensamentos. Deitou um olhar para o jornal mas não lhe pegou.
Salústrio estava perplexo. A primeira coisa que o Senhor Director fazia era ler o Jornal das Notícias, de fio a pavio… Todos os dias!
Salústrio pegou num pano, colocou-o numa das bandejas e saiu do balcão. Começou a limpar as mesas e foi-se aproximando daquelas que estavam mais próximas da do Senhor Director.
- Então, caro amigo, como é que foi essa passagem de ano?
Salústrio notara que o Senhor Director só tinha voltado da sua habitual viagem de Natal, no dia primeiro de Janeiro, pela tardinha.
- A fogueira aguentou-se até ao raiar do dia?
- O Senhor Director sabe que a rapaziada faz questão de acarretar lenha que dure toda a noite. Este ano até exageraram… Segundo ouvi, ainda havia canhotos a arder lá pelas duas da tarde!
- E houve novidades! Música de aparelhagem e tudo…
- Sabe que eu nem sou muito a favor de algumas modernices. Mas até que foi bom! Olhe, pelo menos eu, fartei-me de dar ao pé! Também com o frio que fazia ou me punha em cima do fogo ou dançava…
- A Ti Joaquina já me contou que foi uma noitada como ela já não se lembrava.
- Pena foi que o Senhor Director cá não estivesse!
O Senhor Director fechou o semblante. Pegou na chávena e só depois se lembrou que já tinha acabado o café. Ficou a olhar para o fundo da chávena.
- Faz-me o obséquio de me tirar mais um?
Salústrio sentiu-se aliviado com o pedido. Nem sabia o que havia de fazer ou dizer…
………
Angélica tinha chegado ao Lar pouco antes das nove horas. Deu uma passada por todos os serviços, deu as boas horas aos residentes e dirigiu-se ao seu gabinete. Tinha convidado Pedro a visitar o Lar. Enquanto se aqueciam junto à fogueira de fim de ano, tinha ficado a saber que Pedro não conhecia o Lar. Sabia quem lá estava, conhecia quem lá trabalhava mas como estivera para fora quando tinha começado a funcionar, nunca se tinha proporcionado a ocasião de o conhecer por dentro. Angélica fez questão de o convidar para uma visita.
Pelo telefone comunicaram-lhe que Pedro tinha chegado. Disse à moça que estava na entrada que já iria lá ter.
Pedro, com aquela sua maneira de se dar com toda a gente, estava á conversa quando Angélica apareceu.
Depois dos cumprimentos, levou Pedro a dar uma volta por todas as instalações. Terminaram a visita no seu gabinete. Angélica serviu dois cafés. Sentou-se na sua secretária e Pedro ocupou um cadeirão à sua frente.
- Os meus parabéns! Tem aqui uns serviços muito bem organizados!
- Sabe, Pedro, essa é uma das razões que mais me motiva a vir trabalhar todos os dias! Com os poucos recursos de que dispomos temos de os transformar em serviços com a maior qualidade possível. E, na minha maneira de ver, para conseguir atingir esse objectivo, só com muita organização é que lá chegamos. Algumas vezes as funcionárias reclamam… Dizem que sou muito exigente! Eu costumo responder que nos pagam para fazer tudo bem feito!
- A Angélica tem a enorme vantagem de não ser daqui, de 4 Montes. Assim, não está presa às pequenas coisas que costumam emperrar tudo.
Angélica ficou a olhar para Pedro. Sabia aonde ele queria chegar mas também sabia que esse era um tema que ela se habituara a não discutir com ninguém.
- Para mim, é muito simples… Contrataram-me para que o Lar funcione bem. Põem à minha disposição, dinheiro e instalações… Tenho de ter pessoas a trabalhar para que os serviços sejam prestados com qualidade aos residentes. O resto… é o resto!
Pedro gostava das pessoas assim. Com um sentido pragmático da vida… E, principalmente, sabendo bem para onde queriam ir.
………
A Ti Joaquina andava numa roda viva na sua Pensão Moderna. Estava no mini-mercado a fazer umas mudanças.
- Ano Novo, vida nova! Vamos lá acabar isto, que não demora muito começam a chegar os fregueses para o almoço…
Ela mais a moça que tomava conta da mercearia, estavam junto ao balcão refrigerado onde arrumavam os queijos, manteigas e outros produtos que tais.
António Augusto entrou porta a dentro.
- Arre… que este nevoeiro até se entranha pelo corpo!
Ti Joaquina ficou espantada com a linguagem usada pelo Senhor Doutor Juiz. Este percebeu que se excedera pela reacção que as duas senhoras tiveram.
- As minhas desculpas… Mas este tempo aborrece-me! Faz-me falta o sol!
A Ti Joaquina atendeu o cliente que, por sinal, muito estimava.
- E a senhora dona Ana Luísa? Desta vez, não veio?
- Não… Está para o estrangeiro. Aproveitou um convite para passar umas semanas na Suíça… Está numa estância de desportos de inverno. Ela sempre gostou de fazer ski.
- Pois olhe que não lhe gabo o gosto! Isso do ski, é aquela coisa de andar em cima da neve, não é? Não era a mim que me punham a andar a apanhar frio… Se eu não aguento este nevoeiro gelado, imagino o gelo que lá não deve estar!
António Augusto deu uma sonora risada…
(Estória, em capítulos, aos Domingos e Quartas)
Aviso: qualquer semelhança com nomes ou situações reais será mera coincidência... Esta é uma obra de ficção, resultado da pouca imaginação do autor.
2 comentários:
estávamos à espera, mas valeu ter dormido na fila; ti Joaquina é uma figuraça, pois claro, andar a apanhar frio não lembra a ninguém! rsrs... percebo que, de umas crônicas para cá, a história vai a modo contrapontístico, à la huxley, bravo José!
Caro Missosso,
tks pela espera e pelo coment.
abs
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