domingo, 16 de janeiro de 2011

Aldeia dos 4 Montes - Cap. 25

Aldeia dos Quatro Montes




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25

Numa das mesas da sala de comer da Pensão Moderna, Pedro e o Senhor Director faziam tempo até que lhes servissem a sopa. Sala cheia, isto é, uma dúzia de pessoas, que os tempos não estavam fáceis… Bem dizia a Ti Joaquina que qualquer dia ainda tinha de pagar para ter clientes.
Maria fez questão de servir primeiro o Senhor Director.
- Basta uma concha, minha jovem…
Apesar do calor na sala, a sopa era sempre servida quase a ferver. Um pequeno truque que a Ti Joaquina ensinava a todas as empregadas da Pensão.
Pedro deixou que Maria o servisse à vontade… Um prato bem cheio!
- Está sem apetite?
O Senhor Director olhou para Pedro, enquanto a sua colher pousava no prato…
- Não é bem isso.
Pegou numa das fatias de pão de mistura. Tirou-lhe um pedaço…
- Sabe que tenho muito apreço por si, Pedro.
O tom era sério mas, ao mesmo tempo, com um toque de emoção.
- Permita-me que lhe faça esta pergunta. Está a pensar em ficar por 4 Montes?
Pedro suspendeu a viagem que a colher fazia. Geralmente, reagia mal quando lhe faziam perguntas a que ele próprio não sabia responder… Esteve quase para responder com uma outra pergunta. Mas…
- Ainda não me decidi. Nestes últimos dias, tenho andado a pensar que hei-de fazer à minha vida. Se quiser, posso ficar sem fazer nada durante uns bons tempos. Só que começo a ficar impaciente… Veja lá que até voltei a ler!
- Ah, sim?...
- Fui-me ao velho Eça! Encontrei na estante lá de casa as Cartas de Inglaterra. Já nem me lembrava de as ter lido.
- Meu caro… Sabe que essas Cartas são artigos que ele enviava para jornais? Ainda não há-de haver muito tempo me fizeram companhia. Sempre foi um dos autores da minha predilecção… Mas, e vai perdoar-me a indelicadeza da insistência…
Pedro percebeu que o Senhor Director não o ia deixar mudar de assunto… Tendo ele tornado bem claro que não tinha tomado nenhuma decisão, por que é que o Senhor Director insistia?
Pedro tentou ganhar tempo. Chamou a empregada para lhe pedir que trouxesse mais sopa.
Maria , que não os perdia de vista, num átimo estava com a terrina junto à mesa.
- Está a gostar da sopa? A Ti Joaquina já me tinha avisado que o senhor Engenheiro iria pedir mais…
Pedro deu uma risada. Maria adorava ver Pedro assim… Solto, de sorriso aberto… Como era bonito!
………
Angélica tinha por hábito acompanhar o almoço dos residentes do Lar. A sala de refeições era um espaço amplo, com largas janelas que davam para um espaço verde. As cores usadas eram suaves e completavam-se com uma doce harmonia. E, apesar de quase todos serem duros de ouvido, as conversas decorriam em tom, relativamente, baixo.
As duas empregadas que serviam à mesa, retiraram os pratos da sopa e começaram a servir o prato principal. Bacalhau cozido com batatas e grelos. Um prato que todos apreciavam.
Angélica reparou que Arlindinha lhe fazia um sinal.
- Então, senhora Arlinda? Não me diga que a comida não está ao seu gosto?
Arlindinha era a protestante do Lar. Havia sempre qualquer coisa que não estava bem…
- Tirando o caldo que tinha pouco sal, a senhora doutora bem sabe que eu cá gosto de bacalhau. Mas o que eu queria era fazer-lhe um pedido…
Angélica puxou de uma cadeira e sentou-se bem ao lado dela.
- Ora, diga lá então…
- Será que um dia destes nos podiam servir umas alheiras?
Angélica olhou para aquela velhota e, depois, para as outras duas senhoras que completavam a mesa. O olhar delas dizia tudo. Esperavam uma resposta…
- Bem sabem que…
O cuidado com a alimentação era uma das questões a que Angélica mais importância dava. Muito cuidado com os fritos, com as gorduras em excesso, com o sal… Mas, de que adiantava ter uma alimentação que retirava o prazer de recordar um bom petisco?
- Pode ser!
Angélica admirou-se da reacção de toda a sala. Só nessa altura percebeu que todos tinham acompanhado a conversa.
- Mas, atenção! Nada de abusos…
Angélica sentiu-se satisfeita consigo mesma. Era disto que gostava. Sentir que uma sua decisão podia dar um pouquinho de satisfação àquela gente.
Arlindinha tinha mais uma coisinha para lhe dizer.
- Já agora e se não for pedir muito…
- …?
- As melhores alheiras são as que a Ti Joaquina faz!
Quanto a isto não havia dúvidas. Angélica concordava inteiramente com a senhora Arlinda.


(Estória, em capítulos, aos Domingos e Quartas)
Aviso: qualquer semelhança com nomes ou situações reais será mera coincidência... Esta é uma obra de ficção, resultado da pouca imaginação do autor.

3 comentários:

Lídia Borges disse...

Uma prosa que nos traz cheiros e sabores muitos "nossos".


Um beijo

José Doutel Coroado disse...

Cara Lídia,
grato pela visita, pela leitura e pelo coment.
abs

filipe com i disse...

A Menina Arlindinha tem toda a razão, que mal pode haver numa alheira da ti Joaquina? Oras. Já quant ao Pedro, um nômade, me parece bem adequado ler Eça - se me permitem - o português mais exilado da literatura portuguesa. boa José!