PROFESSOR CAMARINHA & NATASHA
23:50
Um
estrondo, vindo da porta dos fundos. Vozes. Vários homens falando ao mesmo
tempo. Em seguida, escutaram o ruído deles entrando pela casa, derrubando
objetos, conversando entre si de um cômodo para o outro. Não se distinguia o
assunto. Os dois se olharam, os olhos do professor expressavam terror e
estupefação, Natasha calculava. Os passos convergiam agora para a sala.
“Mas
que... será possível?... não, este condomínio tem muita segurança, não pode ser...”
“Fica
em silêncio e não sai da tua posição. Presta atenção, vou soltar as algemas,
mas continua com as mãos pra trás. Pode vir a ser a útil”, Natasha recolocou a
capa de vinil e se encostou num buffet a três passos de distância da coluna
onde jazia o escravo sexual. Aparentava calma diante do perigo.
Quilô,
o brucutu do bando, arrebentara a porta dos fundos com um único pontapé.
Metaleiro e seus homens saíram roubando tudo que podia ser carregado: jóias,
celulares, televisão de tela plana, fax, computador, até mesmo o microondas
entrou no butim. Os seis foram chegando uma a um à sala, todos paravam,
estupefatos. Esperavam encontrar o Exu-caveira, mas não a cena que viram.
Parecia a brincadeira de criança conhecida como ‘estátua’. Calunga quebrou o feitiço.
“Ca-ca-caralho,
ma-mano, o ca-cara tá todo ca-cagado!”
“Que
é que tá acontecendo aqui?”, refeito da surpresa, Metaleiro reassumia a voz de
comando.
“Gozado,
parece que é você que deveria responder essa pergunta...”, Natasha usou sua voz
mais calma para falar, enquanto isso, parecia muito ocupada com a carteira do
professor.
“É,
afinal de contas, esta casa é minha e vocês...”, a frase do professor tentou
emular o tom firme da Dominadora, mas foi se acoelhando, diminuindo, até
terminar num murmúrio ininteligível.
“Que
porra é essa, uma festa de carnaval? Por que esse cara tá amarrado com essa
máscara, todo lanhado e coberto de merda, hem?”
“Escute,
moço...”
“Cala
a boca, mané! Tô falando com a mina, que é quem tá de chefia aqui pelo visto”,
Metaleiro podia não ter MBA em Harvard, mas isso ele tinha sacado de primeira.
“Isto
aqui é uma festa privada, mas não somos nós que devemos explicações, percebe?”,
ela demorou um tempo excessivo para responder, e quando o fez, mal levantou os
olhos da carteira do professor. Contava as notas de dinheiro vivo.
O
Velho se aproximou de Metaleiro para falar, carregava um fax no braço esquerdo.
“Se
liga Metal, isso daí é um bagulho de pervo. Chama sócio-comunismo, um bagulho
assim, os bacana contrata umas vagaba pra esculachar eles, cuspir na cara,
enfiar prego... coisa de granfo”.
“Aí
mano, da próxima vez tu pode economizar, esculachar bacana é com nóis mesmo,
vacilão!”, a gargalhada do chefe desencadeou o riso geral. Passado o momento de
distensão, voltou-se para Natasha, cuja atitude o irritava desde o começo: “Ô
vadia, tô achando que tu não tá entendendo bem a parada... vamo largando aí o
que não te pertence!”
“Não
me pertence? Isto daqui é o meu pagamento. Serviço feito, pagamento feito. Não
pego o que é dos outros, só o que é meu”.
“Quilô,
dá uns pega nessa mina que ela já tá me gastando”.
“Demorou,
Metal”.
Quando
todos os olhares se voltaram para ela, o revólver já estava apontado para o
grupo de invasores. Natasha, com notável timing cênico, aproveitou para
engatilhar a arma. O clique seco ecoou na sala silenciosa.
“Grandão,
deixa eu te explicar uma coisa: este é um trinta e oito cromado, não trava
nunca. Eu atiro bem pacas. Sabe onde vou mirar? No teu saco. Você vai cair
gritando e eu ainda vou ter uma bala pra cada um dos teus amigos, que não vão
te ajudar. Com sorte, você sai vivo e capado dessa, mas, se o resgate demorar,
tu vai sangrar feito porco até morrer nesse lindo tapete persa”.
“Qual
que é mina, tá bem loca?”,a voz de Metaleiro traía uma vacilação, já bem menos
impositiva.
“Tô
não, cara. Sou uma profissional, vocês não. Nenhum de vocês tá armado. Vamos
fazer um acordo: vocês saem por onde entraram, levam o que têm na mão e o
professor aqui não presta queixa. Afinal, esta é um situação difícil de
explicar numa delegacia, certo?”
“Quem
garante que cês não chamam os gambé na hora que nóis sair? O que mais tem neste
muno é Judas, fia...”, Metaleiro vacilava, os outros confabulavam em voz baixa.
“Não
vai ter essa. Somos todos gente da paz, não é mesmo? E depois, maior preju,
começar o ano com uma azeitona quente na barriga...”
Os
baderneiros se retiraram resmungando. O trato era bom para todos, ninguém
queria mesmo forçar demais a corda. Já tinham o suficiente para a festa.
Natasha
pegou o carro e saiu do Sunrise Village no momento em que os fogos estouravam
nos céus da metrópole. Estava de bem com a vida. Apalpou a arma de brinquedo no
bolso do casaco. Assim era vida dela, cheia de emoções. Era isso que ela era:
uma verdadeira artista.
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