Mas, como
assim, eu mesmo?
Consultava as
fotos, visitava a home page, relia uma vez mais, e outra, e nada de entender,
continuava na roça. Era como se, em determinado ponto da história, a própria
história puxasse os cordões dos sapatos e saísse voando, e ao tocar no solo
novamente, voltasse ao chão corriqueiro dos efeitos com causas, mas ainda sem
explicar o vôo do pavão misterioso.
Os fatos: há
coisa de uns 6 meses, comprei e instalei um aplicativo de gerenciamento de perfil
em mídias sociais, o CELEBRIZOU, teoricamente, seria um app para unificar a minha
comunicação via notebook, celular, ou tablet, em cada uma das ações dentro da
rede, na prática, botei pra dentro da existência virtual um maldito de um vírus
que ameaçava destruir meu dia a dia real.
Depois de uma
espera surpreendentemente curta ao telefone no serviço de atendimento
internacional ao cliente, consegui alguém que falava a minha língua. Ou quase
isso. O provável indiano que me respondia do outro lado da linha dava pinta de
ter aprendido o português de Portugal, o que lhe conferia algum preciosismo na
forma e reforçava o estranhamento da expressão.
― Então, a
situação está neste pé que acabei de lhe relatar, senhor...?
― Julian.
― Pois bem,
Julian, gostaria de saber o que a sua empresa me recomenda fazer diante disto
que lhe contei.
― Caro cliente,
a CELEBRIZOU fica muito honrada por nos ter escolhido para gerir suas
identidades na rede mundial, nossa principal expertise está em posicionar sua
marca pessoal no mercado, mas, como consta do contrato de adesão e dos
disclaimers que o senhor...
― Por favor, cut the bullshit, pode
ser? Já conheço toda a babiagem de vocês, eu quero é saber como é que desenrola
essa fita. Em nenhum lugar está mencionada uma possibilidade assim.
― Com efeito,
é singular, mas nem chega surpreender tanto: o nosso produto é um software de
inteligência artificial, ele evolui, aprende com o estilo de cada usuário e,
com o tempo, ganha um certo grau de autonomia na tomada de decisões.
― Ha, um certo
grau?, como piada é excelente, sensacional! Amigo, deixa eu te repetir, tem um
cara sinistro me seguindo pra todo lado que eu vou.
― Entenda que
nós visamos proporcionar um melhor desempenho na condução de uma persona
pública coerente, construtiva e socialmente adequada. As pessoas se arreganham
nas redes sociais sem o menor media training, é um perigo que o façam sem
orientação, nossa empresa busca diagnosticar, corrigir e prevenir o dano à
imagem que tantos se auto-infligem inadvertidamente...
― Todos brisam
na celebridade ao alcance de todos, já entendi a ladainha.
― O que
deveria ser vida privada, hoje é território público, a grande maioria não leva
isso em conta, nos esquecemos rapidamente da “eternidade” e da permeabilidade
da internet: sempre há rastos, registros, logs. Veja o seu caso, por exemplo,
seu perfil é de um executivo da propaganda, realiza eventos na área de
sustentabilidade, e tal, tudo isso condiz pouco com aquelas suas escapadas na
Deep Web...
― Aonde está
querendo chegar com essa conversa? Seja mais claro.
― Só uma
demonstração da abrangência do nosso gerenciador de personalidades. O seu app
CELEBRIZOU corrigiu esse probleminha, deletou o navegador Tor do computador
pessoal e ajudou-o a emergir para fora do ambiente empesteado da dark net:
drogas, lavagem de dinheiro, cartões e documentos hackeados, armas, pornografia
da pesada, etc.
― Tá, tá, já
captei que vocês são os maiorais, the foddest ones, agora conta pra mim o que
você vai fazer concretamente pra me
ajudar. Ninguém daí consegue desativar o programa remotamente? E mais, dá pra
desinstalar essa porra desse cara da porra da minha vida?
― Não é
possível, hãm, o software aprende a desativar os comandos do controle à
distância.
― Fabuloso, então
você está me dizendo que vende produtos que perdem o controle?
― Posso
afirmar-lhe que os nossos produtos obedecem aos mais rigorosos padrões
normativos e são projetados com o estado-da-arte da tecnologia informática. O
seu avatar pode ter se desenvolvido demais porque o senhor já trabalha com
meios de comunicação e...
― Ok. Uma
última pergunta: Julian, você é um robô?
A ligação caiu
na hora.
Um comentário:
Caro filipe com i,
Estou gostando!
Abraço
ps: já postei lá no meu blogue minha opinião sobre a sua obra
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