domingo, 21 de fevereiro de 2016

Red Star (1)



            O sol de Sevilha é o olho excessivo de Deus sufocando toda a terra da Andaluzia nas suas cores escaldantes e derramadas. Jaqueline desceu na estação de metrô Puerta de Jerez e vai a pé para o edifício Red Star, ela trabalha no décimo sétimo andar de onde se avistam as torres do Real Alcázar, as curvas do Guadalquivir e as magníficas agulhas góticas da Catedral de Sevilha. Aproveita o resto de luminosidade do longo dia de verão para caminhar antes de pegar o turno da noite.
            Enquanto se desloca sem pressa pela calle San Fernando hesita entre um capuccino no Starbucks e um sorvete na Häagen-Dazs, as ruas cheias de turistas convidam a aproveitar os últimos dias de férias. Decide ir direto pro trabalho sem escalas depois de receber uma mensagem de Paco, mais uma vez ele precisava voltar mais cedo pra casa. Ela não gosta dessa coisa de ficar sozinha nos cafés, embora prefira trabalhar na sua estação sem muita gente por perto.
            Paco talvez gostasse de dar um passo a mais na relação deles, mas Jaqueline cortou logo esse papo. Sexo e amizade, ponto. Trabalham juntos, já está bem bom no quesito intimidade. Além do mais, ele é casado e qualquer alteração desse status quo seria uma dor de cabeça quilométrica: separação, chororô, explicações aos amigos, conversa “adulta” com a ex magoada, enfim, um festival de invasão alheia na sua vida. Tudo que ela lutou pra manter longe de si.
            Tudo acontece sob o céu tórrido da Espanha, de modo algum colorido e duro como se pinta, mas ensolarado e de uma claridade ofuscante ― mole e turva ―, por vezes irreal, pois o brilho da luz e a intensidade do calor evocam a liberdade dos sentidos, mais exatamente a umidade mole da carne. Paco é andaluz até à medula, capaz de passar a eternidade numa tasca barulhenta cheia de amigos, papeando em torno de gordas azeitonas besuntadas em óleo de oliva, lulas em rodelas, fritadas de ovos, fatias de presunto e copos de Jerez até as horas da noite não agüentarem tanta conversa.
            ― Olá Jaque, chegando mais cedo pra se enfurnar na caverna?
― Salve Juanfran. A noite está do jeito que você gosta, cheia de turistas pra azarar. Vai lá soltar seu irresistível charme ibérico pras americanas sedentas de cor local.
― Bom, pelo menos temos isso: o turismo das gringas taradas. Esta cidade não acontece nada nunca, se não fosse pelas corridas de touros e os batedores de carteiras, morríamos todos de tédio.
― Eu acho melhor assim, aliás, nós estamos aqui pra isso.
Especialista em segurança de dados, Jaque se instala na “caverna”, como os colegas apelidaram a sala de controle das câmeras de vigilância pública da cidade de Sevilha. Atualmente trabalha na implementação do programa de reconhecimento de rostos ligado ao G.E.O., grupo de operações especiais da polícia espanhola, em cooperação com a Interpol. O objetivo é tornar a cidade completamente segura e servir de modelo pra comunidade européia: taxa de resolução de crimes acima de 90 %. Cercada de telas, ela é feliz em seu bunker.


3 comentários:

José Doutel Coroado disse...

Caro Filipe com i,
Gostei do começo!
Abraço

Décio disse...

Encontro uma luz sob Sol de Seville ...

Anônimo disse...

Sinto o sol sob minha cabeça. A escrita é solta. Gostei!