― Santa Madre,
estou diante de um homem de negócios ou de um esteta? Além do galanteador old
school temos aqui também um conhecedor, Lucí. Quantas facetas ainda nos falta
descobrir no Señor Radic? ― Jaque serviu-se do Freixenet que trouxera num
cooler.
― Oh, por
favor, senhor não, apenas Slobo para vocês. A verdade é que os artistas de hoje
mal se distinguem dos business men, o mundo em que vivemos transformou tudo em negócio,
e as conseqüências disso estão por todo lado. Da minha parte declaro que aceito
o refresco desse espumante ― esticou o copo para Jaque, que o encheu até a
borda e foi se sentar na poltrona Berger de couro capitonê ao lado da lareira.
― De todo
modo, concordo com a Jaque, você parece versátil demais para um simples vendedor
de câmeras de segurança ― Lucí acompanhava a conversa da cozinha, onde começava
o preparo da zarzuela que comeriam de almoço.
― Sistemas de
reconhecimento pela íris, top de linha. Mas nem sempre trabalhei com tecnologia
de segurança, no final dos anos 90 fiz muitos negócios com a Abengoa na área de
energia termo-solar. Infelizmente, como devem saber, esta empresa hoje se
encontra em dificuldades: perda de subsídios do governo, retração do preço o
petróleo, vencimento dos empréstimos americanos...
― Hmm, essa
Abengoa não é aquela da usina em Sanlúcar La
Mayor ? ― Jaque escancarou as portas de vidro da varanda revelando
um belo campo de girassóis onde despontava, aqui e ali, o esparso azul das
flores do tomilho.
―
Precisamente. E é uma pena que um empreendimento tão inovador de energia
renovável se encontre hoje em fase de reestruturação com dívidas na casa dos 10
bilhões de dólares. Mas Lucí, deixe-me ajudá-la, posso ao menos limpar as
lulas?
― Ok, Slobo, assuma
aqui. Depois dá só uma passada rápida na farinha de trigo antes de fritar.
Enquanto isso, vou refogando os camarões e o mexilhão no molho com o azeite e o
açafrão. Você me passa o vinho branco?
― Pois não ―
virou para a tábua e começou a cortar as lulas em rodelas perfeitas. ― Na minha
amada Sérvia se diz que o melhor caminho para a cama passa pela cozinha.
Fez-se um
silêncio pesado. Jaqueline deixou a contemplação na varanda e juntou-se aos
outros dois na cozinha. A brisa balançava as cortinas diáfanas para dentro da
sala, até o aparelho de som emudecera. Os segundos se alongavam pesados. As
amigas se entreolhavam petrificadas.
― Que foi...?
Fui grosseiro demais? ― Slobodan Zadic percebeu que pegara a maior faca
disponível, seu avental exibia entranhas aderidas. ― Oh, não, vocês não estão
me imaginando neste momento como um horrendo carrasco sérvio em Srebrenica?
― É que,
convenhamos, você não está lá muito sexy... e esse avental pequeno num homem
tão grande, essa faca ― Lucí ia se acalmando enquanto falava ―, tá mais pra
Sweeney Todd que outra coisa.
Riram todos.
― Nessa época
triste da Guerra dos Bálcãs, como sabe a Jaqueline, eu não estava na
Iugoslávia, quer dizer, ex... ― voltou os olhos pra Jaqueline, que fazia cara de
quem não entendia.
Posta a
zarzuela no forno, Lucí preparou as bebidas: abriu um Cava Codorniu para a
sangria de Zadic, e aproveitou o gelo no mojiterraneo delas adicionando lima,
laranja, manjericão e Gin Mare. Jaqueline foi até o quarto buscar alguma coisa.
Puseram a mesa no gazebo externo e levaram um ventilador de maneira a amenizar
o calor estival. Almoçaram tarde e com sincero apetite.
― Minhas
caras, declaro-me oficialmente embriagado. Depois de uma magistral mariscada, é
preciso confessar que esta sangria de frutas vermelhas está simplesmente
divinal ― ele procurava na transparência da taça um ponto situado ao longe.
― Assim é que
se fala: homem bom, bebe bem. Hora da verdade, faça uma pergunta ― Lucí
derramava sobre a tarde calorenta o mais refrescante dos sorrisos.
― Certo. Jaque,
você já tinha se apaixonado por uma mulher antes?
― Não. Bem, a
rigor, sim, mas não vale porque ainda era adolescente. Agora é minha vez: há
pouco deu a entender que eu sabia que você não estava na Iugoslávia no tempo da
guerra. Não lembro de ter me dito isso.
― Não disse.
Mas você sabe, me conheceu nessa época. Esqueceu?
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