domingo, 22 de maio de 2016

o mensageiro (1)




            “Oi, achei que você não vinha”.
            “Por quê? Eu sempre venho”.
            “Allan, você só aparece quando os meus pais não estão aqui...”.
            “É porque tenho medo”.
            “Você tem medo de todo mundo”, Giovanna ajeitou os lençóis e deitou de lado, voltada pra ele.
            “A minha vida tem duas partes: uma que eu vivia num lugar pequeno e todos eram amigos, e outra onde o mundo é um mar sem fim e todos me tratam mal”.
            “As metades pra mim são misturadas: tem um lado bom e um lado ruim em casa e na escola”.
            “Eu ia à escola antigamente... quando vivia na minha terra”.
            “Agora você não estuda mais? Eu queria não ter que ir pra escola...”.
            “Melhor ter pra onde ir, Giovanna, ficar preso é muito pior”.
            “Você é a única pessoa que me chama assim, os outros todos me chamam de Jojô”.
            “Posso te chamar de Jojô, se você quiser”.
            “Não precisa, gosto do jeito que você fala meu nome. Se você está preso, como consegue sair pra me ver?”.
            “É o único lugar que posso ir além da prisão”.
            “Já é melhor que nada”.
            “Qualquer lugar é melhor do que este buraco onde me largaram. As pessoas deviam ser felizes aqui fora”.
            “Ninguém pode ser muito feliz por aqui, alguém vem sempre te zoar, dizer que é proibido, manda tirar a mão disto e daquilo”.
            “Eu nunca te peço nada, vai ver é por isso que...”.
            “Por isso que, o quê...? Allan você tem que terminar o que diz. Ou então, conta pra mim como é que são as coisas onde você está agora”.
            “Não há nada pra fazer, nunca. A comida é ruim. Às vezes a gente pode jogar bola, mas faz muito frio. Sabe, parece que eu tenho uma doença bem grave”.
            “Você está doente?”, Giovanna sentou-se na cama e passou a examiná-lo atentamente.
            “Não é uma doença de verdade, mas as pessoas não querem mais chegar perto dos presos. Como se a gente fosse pegar neles uma coisa muito feia”.
            “Você tá dizendo que ninguém tem pena do que te aconteceu?”
            “Tô dizendo que as pessoas fogem daquilo que não querem lembrar, acho que quando me vêem só enxergam a pobreza, e também a morte”.
            “É verdade. Todo mundo foge disso, a Ceiça, que trabalha aqui em casa, se benze toda vez que ouve falar em morte”.
            “Eu só quero viver, poder voltar pra minha casa. O que mais queria era começar tudo de novo”, sentou-se na cadeira ao lado da cama dela.
            “Bom, pelo menos você sabe quando tudo começou”.
            “Sim, eu sei quando este inferno começou, mas... não tenho a certeza de que ele vai acabar”.
            “Vai terminar uma hora, até o azar cansa de azarar. Eu acho que quando eu for grande tudo vai ser diferente”.
            “Giovanna, é tão bom falar com você! O mundo fica menos assustador quando estou aqui”.

            “Obrigada. Você é legal, Allan, só é diferente das outras pessoas. Uma hora vão entender isso, não acha?”.



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