“Ataques a bomba simultâneos em escolas do
Rio de Janeiro e São Paulo deixam 20 mortos e 16 feridos. O horário estimado
das explosões (7:15, horário de Brasília), foi o do início das aulas em duas
escolas privadas, na zona Oeste paulistana, e na zona Sul carioca. É o maior
massacre de estudantes já ocorrido no país, segundo o governador do Rio há 5
feridos em estado grave, que se somam aos 3 feridos em estado crítico
informados pelas autoridades de São Paulo. A maioria das vítimas são crianças de
8 a 10
anos do 3º ano do ensino fundamental, além de 2 professoras, 3 assistentes de
ensino e uma babá que se encontravam nas salas na hora do ataque. Em comunicado
conjunto, o Diretor Geral da Polícia Federal e o Chefe Adjunto da Abin (agência
brasileira de inteligência), admitiram haver suspeitas de que duas meninas, que
estão entre as vítimas fatais, teriam introduzido os explosivos nas escolas
dentro das mochilas, mas não confirmaram a versão de que elas se conheciam, nem
as suspeitas de haverem mantido contato recente com estrangeiros, segundo
afirmaram na nota divulgada há pouco, a hipótese de atentado terrorista não
está descartada por se tratar de escolas bilíngües onde estudam filhos de
diplomatas, finalizam afirmando que todas as possibilidades estão na mesa neste
momento. Houve princípio de pânico nas ruas do entorno das explosões,
seguiram-se bloqueios da polícia nas principais vias, com os prefeitos de ambas
as capitais declarando estado de emergência. Neste momento o trânsito registra
novos recordes para o período nas duas cidades, vêem-se muitas pessoas
abandonando os veículos na rua, descendo dos coletivos parados no
congestionamento e voltando a pé para suas casas. A qualquer momento é
aguardado um pronunciamento do presidente interino Michel Temer, e também da
presidente afastada Dilma Rousseff.”
sábado, 18 de junho de 2016
domingo, 12 de junho de 2016
o mensageiro (4)
Com ar de
pouco convencida a moça se afastou lentamente carregando o vestido dobrado para
o interior da loja, ficou no ar o risinho insolente de quando a viu entrando
cheia de sacolas, o sorriso do gato invisível, lembrou do entusiasmo que essa
história provocou em Giovanna na época, a filha é uma criança encantadora e
problemática, questionadora, como ela mesma foi antes de se tornar a pessoa
viciada em coisas estranhas de hoje, depois de assistir e ouvir todas as
versões de Alice milhões de vezes, a menina, do alto de incompletos quatro anos
de idade, lhe disse que não queria ser como ela quando crescesse, ‘Por que, Jojô?’,
‘Porque você não consegue mais voltar pra lá’, e no entanto tudo que ela faz é
voltar, voltar e trocar roupas que acabou de comprar, roupas e acessórios que
nunca vai usar: na verdade coleciona os celofanes e etiquetas das suas lojas
preferidas, nas trocas, as vendedoras invariavelmente embrulham e etiquetam o
produto de novo, ela desenvolveu uma técnica apurada pra descolar os adesivos,
realoca-os em pastas junto aos recortes dos celofanes com marca d’água, os
álbuns perfeitamente organizados atulhando seu closet pra desespero do marido,
Sílvia Regina sabe que as suas relações com as vendedoras de artigos de luxo
seguem um padrão peculiar, uma dinâmica predeterminada: paixão, ascensão,
declínio e rompimento abrupto, num período que varia de semanas a uns pares de
meses, a analista lhe disse que o envolvimento com essas moças representa a busca
daquilo que sente perdido pra sempre: juventude e pressa, e, realmente, ela não
tem pressa pra mais nada, desapareceu a lebre maluca e atrasada da sua vida, sobrou
apenas o ritmo irreal do chá das cinco na Montanha Mágica, aliás, conhece Davos
como a palma da mão, não que haja muito a conhecer ali, nem em Aspen, Ibiza,
Monte Carlo, Dubai, Chamonix, Cap Ferrat, St. Bartz, San Marino, Montblanc, cada
círculo exclusivo que consegue galgar, em cada festa, nenhum lugar ou pessoa
importante que lhe são apresentados conseguem mais causar a mínima comoção.
O celular
toca.
“Oi, querida,
viu o meu recado?”
“Ai, Sílvia,
li sim, e é sobre isso que preciso te falar... ai, meu santo, tô bem surtada. A
Isabella também recebeu um pacote hoje de manhã, tem uma equipe de segurança
aqui em casa, tá uma loucura!”
“Acalma,
respira, você não acha que estamos um pouco over? Deve ser só uma brincadeira
de meninas que estão com saudade, uma enviou pra outra e...”
“Sílvia
Regina, acorda pra vida, sai da negação. Então por que as duas enganaram as
babás e foram pegar as encomendas sozinhas na portaria? E por que depois não
havia pacote, embrulho, nem nada com elas? Meninas de oito anos não recebem
encomendas DHL!”
“Ok, tudo bem,
é estranho, mas a gente deu uma busca nas coisas todas da Jojô, na casa toda,
nos jardins do condomínio, e não achamos nada.”
“Tudo bem, pra
você?! Pois deixa eu te contar uma novidade: os detetives descobriram que havia
mesmo uma encomenda internacional pra Isa, de um tal Aylan Kurdi, que mora num
país sei lá o quê, tá bom?”
“Agora você me
assustou, o esquisito é que as meninas só ficam repetindo que era só uma
mensagem. Vou ter que avisar o pai...”
“Mas como
assim, teu marido ainda não está sabendo? Sil, não dá pra ficar de barata-voa,
meu bem. Não sei se é um pedófilo, mafioso ou terrorista, mas coisa boa não
deve ser.”
“Sabe como o
meu marido é ocupado, né? Ele detesta ser interrompido em reunião.”
“Você vem
dizer isso pra mim? O Caio Henrique vive grudado no prefeito mas teve que
participar imediatamente, não tem mole pra ninguém nestas horas.”
Desligaram,
ela pegou o embrulho das mãos da moça da loja e saiu sem se despedir,
experimentava uma espécie de enlevo que já desacostumara, descia escadas e
atravessava galerias em êxtase, uma coisa importante e urgente pra resolver, o
marido teria de lhe conceder algum pedaço da sua escassa paciência com as
miudezas das suas preocupações, afinal, aquela era uma situação de máxima
importância, exatamente o que já não havia mais na sua vida: o perigo de algo
real acontecer, algo novo e imprevisto, sozinha no elevador do shopping center,
mirava-se nos reflexos em abismo das paredes espelhadas enfileirando uma cauda
longa de Sílvias carregando sacolas e chorando, imagens encolhendo ao infinito,
lá onde uma Sílvia minúscula já quase não sente o peso inexplicável do mundo.
domingo, 5 de junho de 2016
o mensageiro (3)
“Como
você sabe que o inferno existe?”, sentada na beira da cama, Giovanna não estava
disposta a aceitar afirmações peremptórias, muito menos verdades subentendidas.
“Simples,
eu estive nele”.
“Então
me conta como é lá, tem casas, escritórios, árvores, monstros?”
“Nada
disso. É um barco.”
“Como
assim, Allan, um barco?”
“Apenas
um barco, e o mar: imenso, vazio, perigoso”, o menino remexia as mãos hesitando
prosseguir no rumo da conversa.
“Não
estou entendendo, isso não se parece com o que me contaram...”
“Aquilo
não se parece com nada. Um esqueleto velho de madeira podre, todo enferrujado,
conduzido por piratas que sabem que a maioria dos passageiros vai morrer na
travessia.”
“Um
barco de piratas? Não sabia que piratas ainda existiam.”
“Existem
sim, são cruéis e cobram caro dos que precisam fugir da guerra. Minha mãe
entregou a única jóia de ouro que ganhou no casamento pra gente ir da ilha de
Kos ao porto de Bodrum na Turquia. Era tudo que nos restava, mas era pouco para
aqueles homens, não tínhamos dinheiro pra dar a eles, por isso meus pais viajaram
no porão e morreram sufocados, meus irmãos mais velhos iam no compartimento do meio,
junto com o óleo que queimou a pele deles pra sempre, nós crianças viajávamos
no convés, um lugar perigoso onde o vento e as ondas a toda hora derrubavam
alguém pra fora do barco. Não havia salva-vidas nem bóias pra salvar os que
caíam, e também ninguém se importava.”
“Que
horror! Nem dá pra acreditar que tem tanta malvadeza no mundo!”, os olhos de
Giovanna eram duas órbitas congeladas na moldura dos cílios longos.
“Mas
foi assim. O navio todo rangia balançando, ameaçando se desfazer a cada onda,
os gritos, as rezas, as rajadas de espuma salgada, tudo se tingia de uma cor
escura mesmo embaixo do sol, os sentimentos rodopiavam dentro de mim feito
ventos loucos, porque as coisas aconteciam sem nenhum sentido ou controle como
se estivesse dentro de um sonho ruim, pra esquecer a fome repassava na cabeça as
lembranças boas da minha vida e as cenas de um filme antigo, um senhor perdeu o
juízo e se atirou no mar durante a tempestade, meu desespero era um choro
silencioso que ninguém escutava, nem mesmo eu podia escutar.”
“Allan...
você perdeu seus pais?!”, grossas lágrimas quentes desciam pelo rosto de
heroína de mangá da garota.
“Giovanna,
desculpa, não queria fazer você chorar. Acontece que esta é a minha história,
não tenho onde me esconder dela.”
“Tô
bem, não se preocupe. Agora entendo porque você tá sempre triste e com medo das
pessoas. Prefiro quando me dizem a verdade.”
“Sei
que a minha vida machuca, mas não queria te machucar. É que... só você tem a
coragem de me ouvir, e eu tenho essa necessidade de contar, de dizer pra todos
que tudo isso foi real.”
“Minha
mãe falou que você não existe, que é invenção da minha cabeça. Ela falou pra eu
pensar que sou uma linda princesa que mora num lindo castelo, e assim vou
conseguir dormir na hora que tem de dormir. Disse bem assim: ‘O Allan é só um
amigo imaginário, daqui a pouco ele some’.”
“Às
vezes também penso que não sou de verdade. Não existe mais nada do que eu vivi,
só esta prisão onde me jogaram. Perdi o lugar no mundo, ninguém quer receber o
meu povo”.
“Deu
na televisão o nome da cidade que você morava.”
“Ah,
sim, é o noticiário das catástrofes nos lugares que só existem no mapa, a dor
das pessoas imaginárias.”
“Você
sente saudade da sua casa?”
“Minha
casa?... Seria aquela cidade onde as bombas caíam de surpresa enquanto
dormíamos, ou então quando estávamos reunidos nas festas? Pedaços: de lojas e
ruas, cachorros, carros abandonados, brinquedos deixados pra trás. Ruínas e pó.”
“Tem
alguma coisa que eu posso te ajudar, Allan?”
“Tem
sim, me dá seu endereço, vou te enviar uma encomenda. Provar que existo de
verdade.”
“E
o que é que você vai me mandar?”
“Uma mensagem.”
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