Evidentemente,
não há amor-próprio que resista a uma traulitada dessas, o sujeito malhou implacavelmente
o resultado de 3 anos de esforço insano em exatos e demolidores 1051
caracteres. Meu ego levou uma tunda pior que Judas no sábado de Aleluia, e foi
dormir na praça. As devastadoras palavras finais em caixa alta reverberaram por
meses na minha mente em viés de baixa: PASSE ADIANTE, PASSE ADIANTE, PASSE
ADIANTE. Pareciam ser, como de fato eram, um decreto de ostracismo para a minha
já pouco promissora carreira literária. E o pior de tudo é que, no fundo,
sentia que o cara estava certo. Ponderei comigo mesmo que talvez me faltasse a
experiência direta, como se ainda não tivesse provado o verdadeiro almoço nu,
não houvesse chegado perto do coração selvagem da vida como ela é. Ora, se
Joseph Conrad, Euclydes da Cunha, Le Clézio, Jack Kerouac, e até Guimarães
Rosa, tinham posto a mão na massa e o pé na estrada para comporem suas
obras-primas, talvez fosse o caso de cometer esse nefando crime contra todos os
meus princípios: trabalhar.
O
figurino habitual do escritor frustrado recomendava um longo mergulho na
depressão, nas drogas e na orgia, mas faltavam-me a vocação e a fortitude de
caráter para suportar as contas atrasadas, além do mais, encarar a noite escura
da alma de barriga vazia provoca gastrite e dá uma insônia do cacete. O trampo
do aplicativo nada mais era do que uma extensão da inércia habitual, ficava em
casa fazendo porra nenhuma durante dias até receber um endereço e um nome pelo
celular. Eles chamavam isso de job: tem um job lá pra você no lugar tal, com
fulano(a) de tal. A hora podia ser qualquer, do dia ou da noite, feriado ou dia
santo. O primeiro rendez vous foi num galpão abandonado cheirando a bosta e
mijo repleto de entulho, a todo momento imaginava que uma horda de crackudos ia
me cercar e devorar o meu cérebro. Lancei o pó de ninja e vazei dali cagado de
medo.
Na
segunda chamada melhorei dramaticamente de nível na escala social: bairro
classe média alta, varanda gourmet, apartamentos de um por andar, humilhação básica
na portaria e mordomo atendendo na porta do elevador pedindo para eu esperar no
living enquanto madame se aprontava para me receber. Finalmente sentia que as
coisas iam começar pra valer, já antecipava a esbórnia que faria com a grana do
primeiro pagamento. Dona Irany Maracajá proporcionou-me novo chá de cadeira básico
até despontar na sala rescendendo a perfume doce e vestida como se tivesse
acabado de sair de Downtown Abbey, tinha os cabelos pintados num tom azul-violáceo,
e devia andar lá pelos seus 90 e tra-la-lá.
―
Venha por aqui, estaremos mais cômodos no escritório do meu falecido esposo.
Você não se parece muito com a foto do perfil, aliás, nem parece que se dedica
a este tipo de ocupação tão... singular.
― Verdade,
essa foto que usei é de tempos melhores da minha vida. A senhora talvez não
consiga avaliar o quanto a penúria econômica maltrata o cidadão, digamos assim,
desfavorecido.
― Você é que
não sabe nada da minha vida pra falar desse jeito comigo. O problema é que,
diferentemente da estupidez, o bom senso é muito mal distribuído na população em geral. Seja sincero, é
a primeira vez que...? A sua patente impertinência denota uma óbvia falta de
experiência.
―
Sinceramente, peço-lhe desculpas. Não queria ser grosseiro, acontece que,
apesar de ser escritor, não sou muito bom com as palavras em situações de
interação social. E, sim, é a minha primeira vez.
― A juventude
é mesmo um transtorno, felizmente, tem cura. Percebo que se interessa pelos
livros do meu marido, a maioria são de direito, mas também deve haver por aí
algumas primeiras edições autografadas a merecer melhor destino. Apesar das
estantes envidraçadas, não imagina a pó que essa tranqueira junta.
― Tranqueira,
pó... a senhora não faz idéia do quanto eu gosto de ouvir esse tipo de
comentários sobre os livros. Bom, mas nada disso diz respeito ao nosso objetivo
aqui, podemos começar?
― Antes, quero
lhe pedir um pequeno favor...
― Esteja à vontade,
faça como se estivéssemos na sua casa.
― Fique de pé,
por favor.
― Não estou
entendendo...
― Você poderia
se masturbar? Tranqüilo, não farei nada além de observar. Só peço que vá até o
fim.
― Mas por
que...?
Ganhei 50
pratas pelo “serviço”, mas não consegui realizar o job da Afterlights. Quase
liguei pro meu editor, queria dizer a ele que há buracos ainda mais negros do que
os da literatura.