sexta-feira, 21 de agosto de 2009

AVIFLORA & RIZOFAUNA


― Vó, quer ouvir uma história? Eu leio pra você...

― História do quê?

― Do meu livro, é a lenda de Oxum.

― Xum, é?... menina boba que é você Adelaide, quem deixou você ler esses montes de história de catimbó?

― Meu nome é Talita, vó... que que é catimbó?

― Não sou sua avó, menina, pensa que ainda me engana Duda, você estuda comigo no Des Oiseaux...

― Claro que você é minha avó, a senhora é mãe da mamãe. Você está com a memória fraca, a Dinda que me contou...

― Que Dinda, que memória o quê... em vez de ler bestagem, você devia era se agarrar ao catecismo. As crianças de hoje não têm respeito, só falam asneira.

― Vó, pra quê esse espinho? Onde arranjou ele?

― Pára com esse vó, vó, vó, nem te conheço pirralha! Isso aqui é pra matar formiga, uma espetada, assim, e pronto, menos uma pra aporrinhar...

― ...e por quê a senhora não gosta delas?

― Sabe de onde veio o espinho dona perguntadora?, pois bem, arranquei ele do tronco da barriguda que tem lá na praça... não sabe o que é?, pois é uma árvore que protegeu a Sagrada Família quando fugia para o Egito, os soldados estavam perto e Deus mandou ela se abrir pra esconder o Menino Jesus lá dentro. E por isso ela ficou barriguda e cheia de espinhos.

― Muito dez essa história! Só que... a gente não devia atazanar as coitadinhas das formigas, elas não fazem mal a ninguém...

― Você que pensa, esses bichos são odientos que nem gente, ruins como aquela coruja que fica lá me olhando o dia todo. Ói lá ela, não sai do meu pé, a sarna...

― Aquela é a Dona Zulmira, mamãe chamou ela pra cuidar da senhora, porque a senhora é velhinha e precisa de ajuda.

― Quanta parvoíce! Sua mãe paga ela é pra cuidar de você, guria, ela sai pra trabalhar, não sai?, então?, eu não preciso de babá nenhuma... onde já se viu?!

― Foi a mamãe que falou...

― A Dinda disse, a mamãe falou... que criança mais quezilenta. Dá nisso: as mulheres agora têm filhos pros outros criarem, o mundo está todo virado mesmo.

― Ih, vó, aquela ali está se mexendo, tadinha, deve estar doendo...

― Dói nada, só dói em quem tem alma.

― Vó, o que é a alma?

― A alma Deus dá pra quem tem compaixão pelos outros, essas formigas aí, mais vermelhas, as grandonas de queixada grande, são umas desalmadas, elas são escravagistas...

― O que é isso?...

― Tenho que explicar tudo, é? A rainha das malvadas entra no formigueiro, mata a rainha das pequenas e esfrega os pedaços da morta no corpo dela e das outras para o cheiro ficar igual, daí o formigueiro todo vira escravo das malandronas para o resto da vida sem saber de nada.

― Elas podem até cheirar igual, mas são bem diferentes... as pequenininhas não vêem que estão sendo enganadas?

― Não, as formigas são quase cegas.

― ... vó, existe gente escravatista?

4 comentários:

angela disse...

Tem e teve aos montes, mas acho que eles não enganam, vão na força mesmo.
As crianças e os velhos conversam tão bem!
Um dialógo bem gostoso.
beijo

filipe com i disse...

tks combanheira, que fazer se só as crianças e os dementes ouvem o cantar do obsceno pássaro da noite?

angela disse...

Tem um selo para o seu blog no meu blog, venha pega-lo.
beijo

Anônimo disse...

Isso ai! selinho pro obsceno...hahaha