domingo, 1 de novembro de 2015

os culpáveis (3)



            
            Os pobres são o graveto na roda do sistema, o detrito tóxico produzido pelos intestinos diabólicos da política, da economia, da religião e dos reality shows, mas o pior fica reservado aos que se tornaram pobres, esses os verdadeiros órfãos da terra, os que dormiram no ponto de Canaã e só desceram quando o Expresso 2222 parou no Complexo do Alemão, ok, o acima descrito muquifo que me alberga não fica na Cidade Maravilha mas no centrão de Sampa, o glamouroso Edifício Prestes Maia 911, onde aluguei uma quitinete plus size na imobiliária Sem Tetos do Centro, endereço ao qual sou proibido de levar minha filha (e que também estou prestes a perder por inadimplência), organizador de informações nº 427: o meu, por assim neoliberalmente dizer, processo de escorregamento vertical descendente na escada social resultou de um combo azarado da crise na mídia tradicional com outros probleminhas no tocante a manguaça e no inalante a cocaína, certa vez um médico me explicou que o álcool e o pó formam uma nova droga dentro do corpo, o que pra mim descreve satisfatoriamente a indescritível sensação bipolar de enfiar o pé no freio e no acelerador ao mesmo tempo quando enfio o pé na jaca.
            Aqui, na maior invasão habitacional da América do Sul, me domiciliei no 12º andar dos 20 ocupados (os 2 últimos, interditados por um vazamento, servem como depósito de entulho), aliás, 12 longos andares que o Uzo maldisse em bom inglês na penosa ascensão com as bagagens, a vista gourmet da sala inclui janelas de parede inteira com vista pra face cega do prédio vizinho, localização privilegiada na avenida do mesmo nome, o Prestes Maia é o epicentro de uma intensa vida social congregando umas 1500 pessoas de 300 e tralalá famílias, além de diversos serviços como cabeleireiros afro, manicures, pequenos comércios de balas e doces, salas de reunião, distribuidores de água e gatonet, além dos inevitáveis barzinhos e biqueiras, e é diante de um dessas distribuidoras de paraísos artificiais que me encontro com 2 Franklins emprestadas pelo Uzo coçando no bolso e milhões de dúvidas depositadas nalgum paraíso fiscal do cérebro, tudo bem, recapitulando, pra traduzir a tragédia e trair o dramaturgo, vamos aos números mágicos: com o dólar a quatro, aquele volume vivo das duzentas doleta (!) nas minhas calças dava uns 800 paus, suficientes pra matar as locações atrasadas com o movimento social da ocupação, mas que também poderiam amortizar a dívida ativa com o trafica local e ainda financiaria uns pinos extras pra eu merecidamente cheiremorar minha redenção financeira e moral, adivinha no que deu a dúvida cruel: é a tal coisa, pulvis est et in pulverem reverteris, deve ser daí que tiraram o termo “revertério”...
            ― Mas então, Uzodima meu velho, que tal me explicar essa pauta mutcho louca que tu vendeu pros publishers lá na gringa? Quer dizer que este Brasilzão em crise é o bicho, somos o país cyberpunk do momento? ― depois do microteco que dei lá mesmo na biqueira, já não consigo falar com o amigo ianque sem lembrar que ele escreve numa revista com anúncios perfumados e artigos estilosos que ensinam a levar uma vida estilosa.
            ― Se prendes los números entendes, bro, 1 % poseen 50 % do world´s wealth, esto non é o sociedade que vai prezar valores de democracia e liberalismo, este mundo é de países autoritarian light, acá está em process um grande social experiment, o Brazil disfraza mejor que Rússia ou China, é um democracia representativa apparently, só que non, como vocês dicem.
― Hahaha, malandro, por essa nem os nossos sonhos mais ufanistas esperavam, quer dizer que somos mesmo o país do futuro, só que o futuro é uma bela bosta tipo Walking Dead, e por isso largamos na frente dos outros?, que fase, até quando a gente dá certo é porque deu errado, você diz que nós estamos desenvolvendo alta tecnologia na área do discurso oficial cínico, o famoso me enganation que eu gostation, e tu teve esse insight incrível assistindo o 7 a 1 da Alemanha no ano passado, vocês não vão traduzir essa bagaça, certo?
― Ok, esto uma issue que preocupa, brasileiros tem elevada sensibilidade com opinion ajena, mas todo western world pode estar sufriendo um gran cambio narrativo, quando eu assisti um broadcast de americana grande rede television do 9/11 em vivo, escuché que Satan´s face se podia veer em las llamas de una de las Torres Gémelas caídas, em este momento percebi que las fuerzas del império no más fingiam utilizar discurso de la razón, foi momento de enormous debasement de lenguaje em gran escala. De então pra frente, vem estudiando evolução deste degradación do narrativa ocidental, que precisa buscar nos llamados países emergentes, o fringe do sistema. Esse cara nunca fala, bro?
― Relaxa, Uzo, o Tomate é sangue bom, molho bolonhesa, só ficou um pouco mais calado depois que passaram o carro em cima dele, ele agora padece do mesmo mal que você: essa insuportável mania americana da sinceridade brutal, eu sou o seu personagem? ― realmente era um espanto, Uzodima, mesmo sendo filho e neto de afroamericanos emergidos da ação afirmativa, não deixava de apresentar essa tara wasp pela verdade.
― E você, irmãozino que me aluga cafofo, é mais complete personificación deste homo post post modern dystopian, você é uma pessoa, interrupted. Onde tiene comida saudável around?

2 comentários:

Débora Beriteli disse...

Gostando! A salada linguística no Edifício Prestes Maia ficou surreal.

Dalva M. Ferreira disse...

Tenho medo desse cara.