Onde estaria o Uzo numa hora dessas? preso no quartinho de algum barraco infame,
ou amarrado e amordaçado no bunker do trafica local enquanto uma assembléia de
meliantes decidia sobre a sua continuidade neste plano físico e espiritual?, imaginava
o pobre sentenciado, levado por entre névoas turvas para um descampado:
rinoceronte abatido sendo arrastado pelo chão, um vulto prestes a se tornar
anônimo, a bata comprada num brechó afro do Greenwich Village rasgada e ensangüentada,
a mais nova vítima da guerrilha urbana, morto por engano, caído no matagal,
descarnado por urubus indiferentes ao manjar de carne cevada por comidinha glúten,
sódio, açúcar, lactose e picanha free, como ele mantinha aquele corpitcho pra
lá de bem fornido banindo todo o rango trasheira eu nunca chegaria a saber.
― Você trouxe o gringo pruma armadilha? Suas pupilas estão dilatadas,
usaram drogas? Manteve relações sexuais com o seqüestrado? ― Moura, o federal
das unhas manicuradas, repetia basicamente o roteiro do interrogatório factual
dos outros policias, com a notável exceção de, aqui e ali, inserir esse tipo de
perguntas capciosas entre um gole e outro de Red Bull.
― Falando nisso, doutor, posso dar uma ligada pra Brenda? Ela deve
estar...
― Nem pensa, essa porra precisa ficar livre caso os caras liguem pra
pedir resgate. Sinceramente, seqüestro é a melhor hipótese pro seu amigo... e
pra você também. O seu outro comparsa imbecil foi liberado, não cantou nada,
tudo que temos é: um americano sumido, a embaixada apertando nossas bolas, e a
conversa mole de um jornalista chapado ― Faraco, o do Rolex, transitava do
morde pro assopra com uma facilidade alucinante, sobrepondo na mesma e indivisa
pessoa as máscaras do good e do bad cop, mas o pior estava reservado pro grand
finale da noite em claro.
― Seis da matina, por hoje é só. Vamos ― levantaram juntos.
― Ei, vocês vão me deixar aqui?
― Não, você vem conosco, o governo do seu país vai te dar uma carona e
dois carrapatos. O delegado não tem nenhum motivo pra te prender, e nós nenhum
pra ye soltar. Enquanto essa trolha não sair da nossa bunda você é nosso.
Menos mal que eles iam me levar pra casa, menos bem que iam ficar lá
hospedados até a fita se desenrolar, se por um lado perdera o financiamento
internacional, do outro ganhava dois guarda-costas particulares e o rolê na barca
chapa fria da PF, se tivesse que pegar o buso naquele fim de mundo ia ser foda,
mas a foda maior seria explicar pra namorada que o meu apê aumentaria a taxa de
ocupação, organizador de fatos n².k.π.fatorial: Brenda é a gatinha de saias
curtas e coxas grossas que tem matado a minha sede carnal quase tanto quanto
saturado meu volume sacal, o velho lance da posse condicionada, comigo as
mulheres invariavelmente recaem na pira do “vou mudar esse cara”, constatada a
impossibilidade, dão no pé e passam a me odiar com gosto, tenho sólidas
suspeitas de que na contabilidade da Brenda estou a poucas pisadas na bola de
levar a bota final.
― Escuta aí, ô repórter, na tua área tem um monte de bicha, tem não? ―
Moura, o do cabelinho à boys band, quebrou o gelo na viatura enquanto
voltávamos.
― Acho que sim, quer dizer, não sei se tem mais ou menos, também eu não
conheço outra profissão...
― E o capitão Nascimento, você acha que, talvez, ele poderia? ― Faraco
parecia me introduzir a uma espécie de polêmica interna da dupla.
― Qual, o do filme? Bom, nunca pensei nisso... ele era casado, ou
separado, acho, na verdade tem o lance lá com o filho.
― Isso não quer dizer nada, sempre
se pode mudar, não?
― Que eu me lembre, na época, a grande dúvida é se ele era fascista.
― Ah, mas a imprensa esquerdinha caviar sempre pensa isso de nós ― havia
uma indisfarçável mágoa na voz do Faraco.
― De todo modo é meio forçado, há poucas evidências disso, tanto no Tropa
1, como no 2 ― bizarramente, lá estava eu tentando ser a voz da razão na
pendenga.
― Tem razão, e depois, nestes casos nunca existe prova definitiva: o
camarada se vestir de mulher não faz dele gay, gostar, e até transar, com homem
não quer dizer que seja...
― Bom, mas então o que seria um gay?
― É quando o sujeito sofre por
causa de homem.
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