A sala que ele
chamou de acervo era uma antiga lavanderia adaptada na extremidade oeste do
porão, que, na verdade, consistia no piso térreo da casa. No instante em que a
porta se abriu, senti o cheiro de tecido mofado, ou de plantas murchas, enfim,
o cheiro que as coisas exalam quando apodrecem. Era um espaço amplo, mas sujo e
muito bagunçado. Objetos os mais diversos (talvez as peças da coleção?) estavam
espalhados aqui e ali, sobre armários bambos e sem porta, largados nas cômodas
e mesas, dispostos desordenadamente. Nada parecia estar no lugar certo.
Mas o que
estava me incomodando não era a situação caótica da sala, era outra coisa.
Demorei algum tempo para compreender o quê.
Andamos até o
centro da sala. Era preciso prestar atenção a cada passo para não esbarrar em nada. Eu não queria nem
imaginar como o sisudo senhor Ogawa esbravejaria se por acaso derrubasse ou
quebrasse alguma coisa. O chão tinha o design moderno de muitos anos atrás, com
ladrilhos hidráulicos em padrão mourisco sobre o cimento queimado. Graças às
janelas estreitas no alto das paredes, pelas quais se via o céu e as plantas do
jardim, a iluminação era boa, apesar de estarmos ligeiramente abaixo do nível
do solo. Havia varais pendurados no teto, ferros de passar e antigas máquinas
de torcer roupa caídas pela sala, vestígios do tempo em que ali funcionava uma
lavanderia de verdade.
As salas de
acervo, de qualquer natureza, costumam ser ambientes de aconchego familiar para
mim, sempre gostei de passar o tempo encarando arquivos, fechado nesses
claustros absolutamente silenciosos onde os visitantes não podem entrar. Mas
aquela era diferente de qualquer sala de acervo que eu conhecesse. Era como se
cada objeto se impusesse sem reservas, segundo seus próprios caprichos, criando
uma dissonância insuportável. Mesmo em depósitos muito desorganizados sempre
paira no ar um senso de solidariedade entre todas as peças reunidas por um
mesmo museu. Mas ali não havia nenhum vínculo, nenhuma união, aqueles itens
disparatados não tinham consideração suficiente nem para voltar o olhar para
seus companheiros.
Isso me
deixava aflito.
Um carretel,
um dente de ouro, luvas, um pincel, botas de alpinismo, um batedor de ovos,
gesso ortopédico, novelos de lã, um berço... Experimentei olhar com cuidado
para cada uma das coisas próximas a mim, mas não adiantou. Só fiquei mais
desorientado.
― São recordações
dos conhecidos ― disse ele ―, dos meus conhecidos, uma peça de cada pessoa ou
bicho de estimação que passou pela minha vida. Foi a maneira que encontrei de
não perder, não me separar de ninguém. Como vivi muito, a maioria deles já
morreu.
Sua voz ecoou estentórea
e clara, apesar do cômodo se encontrar atulhado. Nesse momento finalmente
percebi o motivo do meu desconforto. Ogawa-san usava uma boina enterrada quase
à altura das sobrancelhas. Por entre o cabelo ralo e branco que ainda lhe restava,
espiavam duas orelhas minúsculas, pequenas demais mesmo levando-se em conta a
sua baixa estatura. Eram como duas rolhas secas carcomidas presas às laterais
da cabeça. Tinham perdido completamente a forma de orelhas, eram apenas
cicatrizes ao redor do buraco dos ouvidos.
― Nossa, são
muitas... ― comentei hesitante, tentando desviar a atenção das orelhas.
― Comecei a
reunir objetos pessoais quando fiz onze anos. Essa coleção tem uma história
longa demais pra ser narrada. Mas vai ficar incompleta.
― E por quê?
― Não vou
poder guardar nada de você.
À minha volta,
naquele porão coberto de pó e teias de aranha, estava o resumo dos encontros e
desencontros que era também o resumo da trajetória afetiva daquele homem. No
dia em que completou onze anos, seu cachorro Koto morreu, e ele descobriu que
também morreria. A insólita coleção testemunhava a aceitação e a revolta de uma
criança contra esse fato irremediável de toda matéria que se torna viva. Talvez
não tivesse sido fácil carregar muitas daquelas tralhas, principalmente para
uma criança, mas, mesmo assim, ele conseguiu fazê-lo por muitas décadas.
Contou-me que não lhe interessavam os souvenires banais, mas as coisas que
guardassem, da forma mais vívida e fiel possível, a prova de que aqueles corpos
realmente existiram. Algo sem o que os anos acumulados ao longo da vida
desmoronariam desde a base, algo que pudesse impedir a morte e o tempo de completarem
sua sentença.
Vitória e
derrota, permanência e perda. Não, não eram lembranças sentimentais, não tinha
nada a ver com isso.
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