quarta-feira, 28 de julho de 2010

a vida depois

Qualquer tragédia que nos atinge tem efeitos imediatos e duradouros; morrer, em certo sentido, é sempre traumático, já que o mais difícil não é sair da vida, mas aprender a morrer. Pode até parecer um truísmo, uma tirada acaciana, maiormente no meu caso, que tive a bênção da chamada boa morte: depois de 83 bem vividos anos, morri como nasci, balançando na rede. Sim, sou um defunto-autor, ou um autor-defunto, se preferirem; antigamente, só os gênios, os gatos, os loucos e os médiuns davam voz e vez aos desencarnados, hoje em dia, com a computação quântica, tudo é possível, até fazer o nada agir sobre um circuito integrado. São os mistérios corriqueiros da informática.

Não dêem ouvidos a essa peta de “narrador inconfiável”, a passagem de plano despe a alma de certas mumunhas que tanto atravancam vocês, que estão aí. Por exemplo, não vou lhes esconder o destino que, cedo ou tarde, nos unirá: assistir da primeira fila o esbulho da família no pós-óbito imediato; minhas filhas tiveram de azeitar com moeda sonante os gonzos da máquina funerária a cada vez que ela se moveu na opereta bufa que foi o meu sepultamento. Morrer não é fácil, mas se aprende, viver é que é uma aventura sem garantias. Sinto muito se ofender crença ou teoria de quem leia estas mal acabadas linhas, mas aqui se trata de uma tanatografia, portanto, nada de dourar as infâmias com a tinta da melancolia, nem de esboçar as baixezas com a pena da galhofa, vou, isto sim, escarificar as cascas de cebola do vivido em primeiríssima pessoa.

Fiz carreira vitoriosa como promotor e atingi a Procuradoria de Justiça, embora tenha me faltado munição para chegar a desembargador; só agora, no entanto, me dei conta da enorme disparidade de status legal entre o nascer e o morrer. Neste belo e pujante país, nasce-se privadamente (se meios os genitores houverem), mas só se morre nos braços descuidados da coisa pública. Cometi a molesta indelicadeza de morrer de madrugada, o que complicou bem certos passos, como obter atestado de óbito do médico tratante e garantir que o rabecão da prefeitura viesse retirar meu presuntivo corpo a tempo e horas de um condigno velório. O médico, amigo de uma das minhas filhas, deixou o atestado na portaria do prédio; já o translado do corpo precisou de um “cafezinho” para agilizar. Nessa, foram logo milão.

A outra filha, como a mais velha fruto do primeiro casamento, foi avisando a família por telefone, enquanto o meu caçula enchia a cara no primeiro boteco que encontrou aberto. Esse menino me preocupa. Sabe aquele negócio de maquiar, enfiar algodão na napa e orelhas, passar baton, vestir o morto?, pois bem: é à parte. O motorista do carro fúnebre ligou, chegaram até rápido; foi sorte, estavam por perto. Sempre em espécie, mais quinhentão. Ao desmaterializar, ganha-se o singular poder de ouvir os pensamentos dos outros, os vivos, de modo que acompanhei a azeda discussão externa e interna sobre a decoração do velório e a escolha do féretro. Minhas filhas pagaram tudo (com os estafermos dos meus genros dando pulinhos), regateando aqui, hesitando acolá, premidas entre os ambíguos sentimentos em relação a mim e o medo de passar vergonha diante da parentada.

Quem não tem dinheiro, ou vontade de gastá-lo com o finado, pode requisitar gratuitamente do poder público uma urna popular, chamada eufemisticamente de modelo standard ― confeccionada num horrendo compensado de madeira e provida de 2 alças que nunca devem ser usadas como tal. É um interessante exemplo de parceria público-privada a atuação das agências funerárias conveniadas aos cemitérios: entre coroas (de flores naturais e artificiais), sala de flores completa, lacre ecológico, paramentos (conforme a religião), véus, velas ¾ e a taxa de sepultamento, mais (para as meninas, menos) três milhetas e meia.

O terno sextavado de madeira que me coube foi um modelo “luxo”, logo acima do standard, mas abaixo do super luxo e distante anos-luz do alto padrão. Este último sim, um objeto de desejo para os ectoplasmas: urna italiana, 6 alças douradas tipo varão, forração acolchoada na caixa e no tampo, travesseiro, babados e sobrebabados em renda, acabamento externo em verniz de alto brilho, opção com e sem Cristo dourado no tampo trabalhado em alto relevo e visor amplo. O visor, de grande utilidade, permite aquele derradeiro beijo a caminho da cova, sem o incômodo do contato com a carne fria. Vocês talvez nos censurem tais veleidades, mas o fato é que todos dão sua bocada; as coroas e arranjos exibiam secas strelízias, girassóis liofilizados e murchas orquídeas, tangos e gipsofilas. Pétalas de rosas e lírios que deveriam cingir minha rígida figura foram substituídas por popularescos crisântemos; minha mulher, que entende de flores, percebeu e, pudicamente, engoliu mais essa, que havia consumido duzentinhos extra.

A magistratura arraigou em mim o conceito da justiça; embora as pessoas não gostem de ouvir, o certo e o errado existem, assim como existem aqueles a quem compete guiar e exemplar a comunidade. Que estes últimos estejam nas classes superiores e tenham que ser ajudados na tarefa de educar a multidão, causa espécie aos hipócritas. Na única vez em que inverti este proceder, na criação dos filhos, fui muito mal compreendido por minhas filhas, Morgana, a médica, e Cordélia, advogada. O certo é que nunca perdoaram o ter me casado apenas um ano depois de perder a mãe delas para o câncer ― de estômago, como mamãe. Naquela época, eu e meus irmãos fomos distribuídos entre tios e avós; a minha sorte foi tia Mirtes, professora de inglês em Visconde do Rio Branco, ter me dado casa e estudo. Só um irmão veio de Minas para o meu enterro, o pobre veio de ônibus, o que atrasou a bênção final. Quatrocentas razões convenceram padre e coveiro a esperar.

Protegi demais a meu filho, mas porque ele era o mais frágil, o menos preparado para a vida; não agüenta pressão, coitado, voltou a beber agora que se separou, e isto depois da pancreatite que quase o arrebenta de vez. Papai também se acabou na bebida; muitas vezes fico me perguntando se os genes não brincam com nossos destinos. Tudo se repete, tudo volta. Meus últimos anos foram como os primeiros, de muita necessidade e apertura. Estava há dez anos no casarão da Barra Funda, herança da família de Creuza, morando junto com a irmã dela e à espera de sair o inventário de um terreno na Avenida Brasil que poderia nos tirar a todos do cortado. Enquanto tive bens para torrar com ele, Benjamin era papai pra cá, papai pra lá; desde que aquela argentária da mulher e a golpista da filha o jogaram na casa dos velhos, ele logo transferiu os dengos para a mãe. Nem palavra mais me dirigia.

Do lado de cá, as coisas são desorganizadas por demais. Não sei bem como lhes explicar isso, mas acontece que o além-túmulo não tem, assim, como dizer?... uma forma! No éter tudo está a trouxe-mouxe, como que jogado, não há administração, chefia, pessoal encarregado, etc.; é impossível distinguir ordem ou hierarquia, direitos e deveres inexistem, vige uma anarquia meio com cara de abandono. Confesso que esperava receber instruções de Deus, anjo ou demônio, quem sabe um uniforme, sei lá, até mesmo um julgamento serviria. Nada de nada. Espíritos nem bons nem ruins vagam a esmo neste lugar, que não é propriamente um lugar, e se resignam a uma duração que não guarda semelhança com o bom e velho tempo. No começo é angustiante, depois passa, aliás, essa é a única regra fixa por estas bandas: tudo passa. Encontrar familiares, amigos ou mortos ilustres? Só por um grande acaso, que também não ocorreu a qualquer dos meus novos “vizinhos”. Queria tanto encontrar mamãe e tia Mirtes...

Minha neta, filha do Benjamin, se casou há 3 anos e não fui convidado. Acusei o golpe, decaí; o diagnóstico: demência de Lewy. Exames mostraram o meu cérebro coalhado de bolinhas de proteína enovelada, restos dos meus destroçados neurônios. Comecei a variar da cabeça, a falar sozinho; mamãe me aparecia todos os dias. Já não conseguia andar; a prótese de quadril, resultado de um atropelamento criminoso que sofri, desgastara. Ouvi o médico, naquele jargão frio deles, dizer a Morgana na minha frente que já não valia a pena operar. A velha carcaça não pagava mais pule de dez. Como promotor sempre obtive a condenação daqueles que a grita pública exigiu; não sei porquê, ultimamente via nas paredes o rosto de um mendigo atropelado pelo filho de um empresário, rapaz este que alcancei inocentar. Ajudei o amigo, perdi a desembargadura.

Viver vicia. Os mortos só se ocupam do que fazem os vivos, os seus vivos, aqueles que de alguma forma lembram deles ― a mesquinha intriga familiar é o único jogo que motiva os que aqui estão. Porque morrer é entrar no Aleph, o ponto de onde se observam simultaneamente todos os lugares, coisas e pessoas do mundo. Com a nada desprezível vantagem de se enxergar dentro. Porém, com a maior TV a cabo do universo ao dispor, as avantesmas só assistimos ao mesmo triste programa de auditório mundo-cão de antes: a nossa minúscula vidinha. Os fantasmas vão desvanecendo progressivamente, entram numa letargia intermitente; cada vez que alguém ainda chora por ele, lembra dele, com amor ou raiva, toda vez que um neto pergunta quem é aquele da foto, ou do filme caseiro, toda homenagem ou reza em dia de finados, cada pesquisa no Google, produz um evanescente despertar. Ser esquecido é a morte dos mortos.

Sinto uma falta tremenda da Dita, minha cachorrinha; hoje, ela é a única que ainda pensa em mim sem uma ponta de ódio. Cordélia está triste, ainda não sabe que uma melancolia vai cavar um buraco no seu coração durante um ano, mas ela e a irmã vão superar; Creuza também, tem bons sentimentos, a coitadinha. “Colegas” me asseguram que a melhor política é o desapego, que não há melhor remédio para o nada vindouro; mas não adianta, quem é senhor de domar o seu próprio eu? Este o busílis: o EU é a criatura de apetite mais voraz que pusemos dentro de nós, exorcizá-lo é que são elas. Funciona como Jesus Cristo: começa dizendo que é irmão, igual a todos nós, depois fala que é Filho de Deus, e acaba por se alçar ao triunvirato com o Pai e a pombinha. Largar de mão desse judeu argentino ― sim, Jesus era argentino, mas é uma história longa demais para começar a contar agora ― que mora dentro de nós é o verdadeiro caminho da libertação. As almas não são penadas, apenas vão ficando alien(adas).

Deixei uma bomba no meu testamento, mas os meus parentes ainda não sabem. O importante é que fui velado na sala com vista para o vale do Pacaembu do Cemitério do Araçá. Rara naquele inverno chuvoso, uma tarde quente marcou a minha despedida; o pôr do sol banhou a cerimônia de adeus numa luz apaziguadora. Saí dos cafundós de Minas Gerais e venci em São Paulo; meus ossos jazem num belo mausoléu de um dos mais tradicionais campos santos da capital. Fui enterrado no topo da cidade. Meu filho veio, mas não chegou perto da campa. Com o que vi no seu coração posso contar; enquanto ele viver, estarei acordado.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Bombaquim, bombaquim, deixa nós passar...

.

Tudo bem, envelheci

E esperava uma morte tranqüila

O que já era brincadeira na infância

..

Brinco de bombaquim[1] na velhice

“Carregado de crianças pra Jesus criar...”

Pêra ou maçã?

Não conhecia as frutas que nos levavam atrás das escolhas

...

Mas vejo as doenças que levam meus amigos “pra Jesus criar”

Sei que minha vez vai chegar (de escolher o céu ou inferno), como no bombaquim

Mas é que tô ficando sozinho

E é muito ruim

Não poder mais brincar...

*

(edmar)



[1] Uma brincadeira muito nordestina em que uma fila de meninos passam em baixo de um arco feito por dois meninos que perguntam ao último, a quem prendem, se ele quer uma fruta ou outra. Conforme a resposta, o interrogado passa a fazer parte do "cabo de guerra" da criança que foi escolhida (sem saber) para uma briga final. A melhor explicação pra “bombaquim” seria a tradução “bom barquinho”. Porque o passante na brincadeira ficava de um lado ou de outro dos dois que perguntavam os que cantavam “bombaquim, bombaquim, deixa nós passar, carregados de filinhos pra Jesus criar”: se pêra atrás de um, maçã, atrás do outro. Podia ser qualquer fruta. As mais difíceis, que não conhecíamos no nordeste era pra dificultar a escolha. Como se em cada margem do rio...

segunda-feira, 26 de julho de 2010

já estão entre nós as crianças com 3 cadeias de DNA

e se sesse
que fosse

pode não ter havido
um só Big
Bang

miríades de milhões

imensas cloacas
vomitando/devorando
mundos

misturando pedaços
colando com
cuspe

até porque não se educa crianças
índigo
sem um quê

de insanidade

domingo, 25 de julho de 2010

a imprensa deve usar burca?

acostumou a nega na vida
luxenta
agora sustenta!

sou uma velha louca
casa
muquinfo habitado por algaravias
vozes
em guerra desconcertada
demolição

mas como despir o hijab, niqab, shador
sem o qual
a verdade não é dizível?

por que cobrir as mulheres
mistério e magia
de zoe que todos devem
parir?

cavouco que não
alomba
não aprende

é fundamental bouleversar
o mundo
a razão nos in
completa

você chama
eu acendo

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Brasileigos


Ouviran o Ipiranga, mas não nos ouviram
Nos deixaram as margens
Esse povo heroíco
Se há igualdade, onde?
Nem com brasso fraco, nem forte
Liberdade, só com seio nú e bunda de fora!
Estômago, vasio, desafio a sensura
Moral, bons custumes, hipocrisia.
Ò pátria amada!
Salve, salve á desigualdade!
O Brazil, simbolo de amor e esperança
Ò ilusão (eterna tu és).
Morte do futuro comtada no passado
Em noços bosques, nem folres ou vida
Favelas!
Brilha no séu dessa pátria;
Fogos, balões e balas perdidas
Quen teme a morte?
Filhos de seus filhos neste solo é burguês
Eu filha de nimguém busco a minha ves!
E assim, ainda açim tú és amada Terra de Santa
Èla é quem carrega a cruz!

(Marília Machado)

quarta-feira, 21 de julho de 2010

a vida como ela é...


como já dizia o Nenê Berola, amigo das antigas
“o cão que morde, não lembra
o cão mordido, nunca esquece”

esta é uma lenda de priscas eras, do tempo em que as diligências
sacolejavam na poeira do Velho Oeste
os animais falavam
e os dinossauros ainda se arrastavam sobre a face da Terra

férias escolares, andava aí pelos dezessete, dezoito certamente
que não, pois ainda não votava, mas nessa época ninguém votava
só que essa é outra história; vai que fui pra Bahia
na boleia de caminhão

a namorada não quis, ou não pôde, ou havia um programa
na família; resultado: não foi comigo
escalei o amigo Tonho Brown, outro das antigas

bicho (como se dizia naquele então), eu tava amarradão
a brota era papo firme, cabeça feita; olhava, sentia e pensava
o mundo como eu

me explico: não quero dizer que ela pensava igual
a mim, mas que tinha sacadas próprias, originais, não tinha
aquela velha opinião formada sobre tudo

ah, Morro de São Paulo, casa de pescador, banho de latão
praia de manhã, PF uma vez por dia e forró à noite até o dia
clarear ― mamão com açúcar

Tonho ficou injuriado comigo nos rasta-pés: mulherio
chegando junto e eu só saindo de lado, jogando na retranca
cobrindo a zaga, afinal, tava paradão na mina

“Escuta, se é pra você ficar aí de vacilão, vou te contar...”
e por aí ele foi: arrodeou, pigarreou, enrolou, mas desembuchou
que tal e cousa e lousa e maripousa ― tinha furunfado com a mina

a minha mina! e o pior é que não foi vez
foram vezes! daí só deu Maysa na vitrola do coração
meu mundo caiu, eu que aprenda a levantar...

saí da função cuspindo infâmias, que ele não era amigo
coisa nenhuma, um traíra, duas-caras, um pústula!
(essa eu tinha acabado de aprender num folheto)

a viagem tinha acabado, deixei o recinto pisando duro
degustando o fel da crocodilagem, ruminando o veneno da perfídia
rumo do barraco do pescador, Gonçalo, baiano sangue-bom

encontrei o Gonça num boteco e despejei-lhe minh’alma
ferida de Otelo paspalhão;
arreganhando os belos dentes de imaculado branco

Gonçalo me conta a saga da sua recente desdita,
a burguesinha veio, se hospedou na sua humilde
cabana e dividiram cama, mesa e sonhos

jurou-lhe eterno amor, despediu-se em lágrimas, suplicou
que viesse para o Sul Maravilha, dormiria na edícula
da casa dos pais, até arranjar situação

“pois é, meu rei, não teve mole pra mim, não,
fui parar num cortiço em Sampa e, do sanduíche
de mortadela, só vi foi o dormido pão”

a gata já tinha se ligado em outro, burguesinho como ela
Damares fez dele gato-sapato, jogou ele abaixo de cão
“pe-pe-peraí Gonçalo, Damares?, mas, mas...”

você já adivinhou?, que ela era ela e o outro era eu?
Gonçalo se virou para o dono do estabelecimento
“Josafá, bote aí uma dose de amansa-corno p'a nós
mas capriche, que o caso é grave, visse?!”

Tonho se juntou a nós e daí não lembro mais nada
só que terminamos a noite encachaçados até à alma
no único orelhão da ilha berrando para o pai dela:
“por favor, acorde ela, é caso de vida ou morte”

“você quer me explicar que palhaçada é essa?”
“Damares, não fica brava, nós só te ligamos
pra dizer que a gente te ama pra caraaaalhoooo!”

é o que eu sempre digo:
enquanto não der o sinal,
ainda é recreio

sábado, 17 de julho de 2010

O Jogo da Gata-Parida

Mesmo com a razoável habilidade para desenhar que sempre tive, não consegui acrescentar nada à descrição que consta no boletim de ocorrência: branco, altura média, olhos e cabelos castanhos, nenhum sinal característico. Mais inexplicável é o que aconteceu com o rosto desse sujeito que ficou quase uma hora comigo: por mais que me esforce, não lembro de nenhum traço, ao mesmo tempo em que não consigo esquecê-lo. Sonho com uma face sem marcas, a testa normal, sem sobrancelhas grossas demais, nem um nariz torto, ou um queixo menor do que deveria; freqüentemente me aparece uma máscara de olhos vazados como nos filmes do homem invisível ― e acordo molhado de suor frio, o coração alvoroçado, ainda ouvindo aquela voz que também não me sai da cabeça.

Passados seis meses, meus agressores ainda me visitam todas as noites. É um mistério, um quebra-cabeças que não atinjo resolver ― não lembrar e também não conseguir esquecer. Vá entender essas coisas.

Fazia dois anos que o meu nome integrava a lista de profissionais fixos da Dental Care, clínica de clareamento dentário para chiques, abonados e famosos. A clientela VIP, as constantes aparições na mídia, as diversas unidades franqueadas, o instituto beneficente para crianças que os sócios divulgam no país todo, enfim, tudo isso fez e faz da DC a meca dos odonto-cosmetologistas. De fato, há um tanto de maldade e outro tanto de verdade nessa denominação, os produtos clareadores corroem essa camada mais externa que é o esmalte; quer dizer, procuro não pensar que estou prejudicando a saúde futura da dentição dos meus clientes, mas que os estou ajudando na questão da imagem e da baixa auto-estima. Além do quê, dei um duro danado para fazer parte de uma estrutura sólida e altamente profissional ― e isso ninguém diz.

Sexta pré-feriado, final de tarde, dispensamos as secretárias mais cedo porque havia um congestionamento-monstro na cidade devido ao Tiradentes que caía na segunda. Só restavam três profissionais e um cliente na clínica; eu mesmo já não estava atendendo e fazia uns telefonemas de acerto de agenda para a semana seguinte. A minha colega me chamou pelo ramal interno à sala dela, achei que ela ia me consultar sobre alguma retração gengival no cliente que estava em atendimento ou algo assim; não podia estar mais distraído quando entrei no conjugado vizinho e dei de cara com dois sujeitos de pé, um deles me apontou imediatamente a arma e anunciou o assalto, enquanto o outro remexia as gavetas e a minha colega, completamente aparvalhada, jazia sentada na própria cadeira de trabalho.

Resumindo: eram quatro bandidos, enquanto três deles saíram com as minhas duas colegas no carro insulfilmado de uma delas para sacar dinheiro em caixas eletrônicos, o outro ficou lá comigo.

Até aí me sentia seguro, os caras demonstraram muita segurança e não pareciam drogados nem tensos. Conheciam detalhes do funcionamento da clínica, tanto que sabiam que uma das meninas era também administradora e estava com o cartão da empresa; entregamos todo o dinheiro que havia em caixa e eles ainda embalaram alguns antibióticos, materiais e aparelhos que tinham valor de mercado. Quadrilha especializada, disse a polícia. Um deles se passou por cliente, fez orçamento e marcou o último horário de sexta. Comunicavam-se por rádio, eu fiquei como garantia de que elas não iam tentar nenhuma besteira; qualquer erro, eu pagaria com a vida. As regras estavam postas.

O “meu” bandido me levou para a sala de reuniões, era lá que a equipe se reunia e onde também eram filmadas as eventuais entrevistas; havia ali uma tela, data show, mesa ampla para cursos e palestras, estantes de madeira clara e fotos em preto e branco enquadradas nas paredes. Nunca mais voltei a entrar nesta sala. Para matar o tempo, o sujeito começou a brincar comigo: largou a arma numa das cadeiras anatômicas, girando o assento para fora da mesa. ― É tipo uma dança das cadeiras... ― disse, com aquela cara de nada.

― Um joguinho pra passar o tempo, doutor, presta atenção, ele tem três partes: a primeira parte se chama “jogo da gata-parida”. Como o senhor deve saber, as gatas prenhas precisam de um lugar seguro quando vão parir, elas buscam uma toca onde a ninhada fica escondida, precisam do melhor assento... como nós dois aqui... Doutor, doutor, o senhor não está me ouvindo...

Ele tinha razão, não conseguia tirar os olhos da arma sobre a poltrona giratória. Foi até lá, destravou a pistola e voltou a se afastar.

― Esta é uma ponto-três-oito-zero, automática, assim como deixei ela, é só pegar e apertar o gatilho, não tem erro: o senhor só precisa ser mais ligeiro que eu... ― afastou-se ainda mais e ficou numa das pontas da mesa me encarando. ― Mas vou ser justo e lhe avisar que nunca perdi neste jogo. Aqui, dentro do seu consultório, sou eu que tô na desvantagem da gata, não acha?...

Dei uma olhada para a minha barriga, tenho trinta e quatro anos, pratico tênis desde os dez; é verdade que uma barriguinha começa a despontar na minha silhueta, mas o fato é que me encontrava bem mais próximo da arma do que ele. Ninguém conseguiria ser tão rápido; avaliei que dava tempo de chegar à cadeira, empunhar o trabuco e dominar a situação. Dei um salto e catei a arma, que tremia na minha mão. Ele nem se mexeu. Não fiz exército, nunca tinha pegado uma arma de fogo de verdade na mão.

― Muito bem. Agora vem a segunda parte do jogo, chama-se “rato-ou-leão”; doutor, não adianta ter o poder, é preciso estar pronto pra usar... agora vamos saber o que você é... ― começou a caminhar, bem devagar, na minha direção.

― Pára aí, não quero atirar! ― me espantei ao me ouvir berrando. Não queria mesmo disparar, mas ele continuava a vir na minha direção, com ar de sonso. Mirei nas pernas: ― Click-click-click! ― Descarregada! O resto da cena passou-se numa velocidade inacreditável.

― Então é leão, né, seu rosca? Sabe o que me incomoda em gente que nem você? É que vocês não ouvem quando a gente fala, te disse que nunca perdi essa parada e não adiantou nada, né? Você nem quis saber como é se chamava a última parte do jogo, sabe como chama? Sabe ou não? ― ele me pegou pela gola da camisa junto com um tufo de cabelos, empurrou minha cabeça na mesa e encostou o cano de outra arma na minha têmpora enquanto berrava na minha orelha.

― Não, não sei... pelo amor de Deus, não atira!...

― Chama “tenho cara de otário, tenho”? Escuta aqui, acha que eu ia dar esse mole prum coxinha como você? Só você é que é esperto, é? Se as tuas amigas der vacilo, te queimo seu filha da puta!... morou?, entendeu agora quem está no comando aqui?

sexta-feira, 16 de julho de 2010

bufê por quilo


― Apois, Sancler é nome sim, sobrenome é Santos, Sancler da Silva Santos, eu que vou servir a senhora... tá certo, senhora não: VOCÊ; entendi, se avexe não... cinzeiro?, aqui é área de fumantes, pode sim... lhe trago o menu, já, já.

― Carta de vinhos?, é à parte, trago já pra se... pra você, minutinho só... é sim, sou novo aqui, quatro meses vai fazer que peguei esse serviço...

― Do norte não, da Bahia, do litoral... cidade mesmo é mais pra diante, a praia chama Buraquinho, a senhora ri, é?... vixe, tem razão, falei de novo!, mas não lhe tiro por velha, não, é o respeitinho, que é bom e todo mundo gosta...

― O seu pedido. Bom apetite. Hmm, acabo meia noite meu turno, depois vem outra turma... ah, vou direto pra casa, cidade como esta não é lugar pra ficar bestando, não.

― Ah, essa não... oxe, se eu sei quem é, o da novela não é não?, magina, dera eu ter a cara dele... já tive sim, era pescador, mas meu tio Gedimar me levou pra trabalhar no bufê da mulher dele... é mais regular, num sabe?

― Bufê por quilo, ah, se era bom não sei, o caso é que não tinha outro, todo mundo na cidade ia lá... Hehehe, era não, Bar do Buraquinho, essa é boa... Chamava Bufê e Restaurante Tabu, de antigamente chamava Taboo, mas ninguém acertava de falar “u” no lugar dos “ó” dobrado...

― Mas será possível que nunca ouviu falar do caso?, deu até no Jornal Nacional, é ruim de esquecer uma loucurada daquelas... pois foi, começou que Gedimar, meu tio, deu de ficar de saliências com a filha da cozinheira...

― Pois então, o mal todo foi esse, não era moça rapariga, não, inda pra mais de menor... Tá é besta? Nãnãnina, sou disso não, meu negócio é mulher feita, lá na boa terra é assim: emprenhou tem de casar, deflorou, vem o pai da moça falar, pedir satisfa; aqui é um destampatório lascado, pode tudo, de tudo se vê por aí...

― É, não posso ficar proseando muito aqui, o maître já tá de olho... claro, sua casa?, ah, mora sozinha?, vamos, sim, mas... antes de ir preciso de tomar um banho, sabe?... ah, lá na sua casa?, claro...

― É Sancler, já tinha esquecido?, o seu ainda alembro, é sim, é diferente mesmo, já desgostei dele, hoje não ligo, nome é nome, não quer dizer nada, o que às vezes abre portas é o sobrenome... que carrão da porra, banco de couro, GPS, painel digital... tá pago?

― ...tem disso não de flex lá na minha terra, madame... ah, madame também não pode?, apois, mas o que eu gosto é de mulher boa... das má gosto também, verdade, mas gosto é assim, perfumosa, como... você. Hmm, bairro bom esse seu...

― Como é que acabou a história?, entonces, acabou nada bem, Vilma, a mulher de meu tio, a dona do restaurante, descobriu o malfeito e ficou como virada no cão, chamou Gedimar no restaurante e fez cabrito assado, que ele adorava, mas na pinga foi que ela lhe deu à larga, bebeu até cair, feito peru de véspera, no que ele ferrou no sono, ela pegou e rachou-lhe o quengo à machadada... ué, mas se foi tu que me pediu pra contar?...

― Eita condomínio ajeitado... vixe, um por andar!, tá bem de vida, hem? Ah, ainda quer saber mais?, depois não agüenta... então... caramba, gostei dessa varanda, ói lá, quantas luzes tem esta cidade de meu Deus!

― Vai esquentar a água da banheira pra mim? Coisa boa... quero sim, mas ponha gelo não, que uísque e café eu gosto é puro... Ai mas tu não sossega, mulher é bicho curioso... tá certo, tu é sabida mesmo, até onde contei não tinha porque a história ir pra televisão, pobre matando pobre tem todos os dias, né não?, o que ninguém podia pensar é que ela não parou: quebrou o cachaço de meu tio Gedimar e foi picando ele todinho, desossou, e daí fez carne de panela, o bufê dela serviu de graça uma semana inteira de carne assada, buchada, picadinho... comi sim, mas não foi só eu, o povo todo comeu, o gosto?, ora, tem gosto de carne, sei lá, não é diferente das outras...

― Que foi que te deu, tu tá caladinha agora, tá com medo é?, hahaha, mas se eu sou canibal todo mundo é porque também comeu... que que é?, fica de frescura não, acha que vou te comer, é?

― Mas não foi pra isso que tu me trouxe aqui?

quarta-feira, 14 de julho de 2010

O BEM MATERIAL


Porque éramos simples,
o nosso espaço
era suficiente
e ainda sobrava espaço.

E assim a comida,
a roupa,
a coberta,
- nada nos faltava.

Era a beleza pura
a lua,
o orvalho
num ramo de trigo.

Já não somos simples,
o bem material
é preço sem valor.


foto: UOL

terça-feira, 13 de julho de 2010

METROpolitano





Vida de neguinho, você sabe como é...

Mas, aí mano, sem menesquência nem perhaps, com nóis não tem presepa: já comecei no cavaquinho de pivete; seguinte, lá na quebrada que nasci era o pagodinho fundo-de-quintal, naquele esquema de tocar na roda dos boteco de porta de garagem, mesa de snooker mata-mata, mesinha de chapa e cadeiras de plástico. Detonava. Mas aí mano, a gente vai subindo na escala, estuda e tal, vem o chorinho, você é chamado para os grupos da velha guarda, os regionais, daí só dá os fera, chorões das antiga mano, só cobra criada, neguinho que toca jazz, samba-rock e o carae; hoje eu tenho ce-ene-pê-jota, vou lá, passo meu recado e ainda dou nota e a porra toda, me empresariei, seguinte mano: meu lado adiantou, melhorei de vida, minha goma agora é na Vila Gomes, tô passado nos pano, vida de neguinho, bróder, ficou pra trás, tô pagando forte de bacana...

Mas não é que abandonei os chegado, sou da world music mas não abandonei o samba, não, virou mexeu, tô na minha área, e até rola umas canjas toda mão que chego lá, o bagulho é louco, só que... não era isso que eu ia contar.

Foi como foi, assucedeu... uma tarde que fui tomar um café com uma amiga produtora, Mizumi, uma japinha figuraça, bem miudinha, toda tatuada, a mina parece um gibi, mano, fechamos umas apresentações pruma firma, ela precisava de um trio, acertamos o cachê e pegamos o Metrô. Ela ia descer do lado de casa na próxima estação, pra mim tinha mais uma baldeação, um bumba e uma lotação. Sabe c’umé?

Sempre fico na ponta das barca, é instinto velho, um bagulho que acontece com quem pegou muito cipó aí pelas quebrada: malaco fica sempre ligado no movimento, sacou?, mas você nem se liga, é reflexo, entende?, aquela história de olho na fritura, outro no gato. Vida de neguinho, mano... Fim de tarde, sabadão, o metrô tava meio vazio, ou meio cheio, vá saber, aquelas figuras de sempre: uns adolescentes lá na ponta, uma tiazinha com um monte de sacolas, um gravatinha com a pasta nos joelhos, duas madames conversando nos bancos do meião, um camarada em pé, bem gordo, vestido de branco, um casalzinho do nosso lado dividindo os fones do aipode no maior love; só passageiros na boa, filmei a galera de ponta a ponta do vagão, tudo sussa, sentei na janela apreciando a paisagem.

Ve-de-eme. Parece até que tá escrito na cara das pessoas, mano, uma parada assim à toa, aquela pinta de gente enlatada, a cara de paisagem de quem anda atulhado nos busão da vida, cara de quem só tá levando na arruela, manja?, tipo réu confesso, tatuagem na testa: eu vivo uma vida-de-merda, e isso não é diferente no lotação da perifa ou no trem dos classe-média-comédia, mas, velho, tenho que reconhecer: vida de burguês é também uma ve-de-eme que nem a vida de pobre, mas é melhor. Se é pra pagar de otário, ser corno da vida, mais vale ser explorado com uns trocados no bolso, até porque, seguinte, dinheiro não traz a felicidade, mas compra o sossego.

Firmeza irmão, até macaco cai de árvore, relaxei e vacilei, baixei a guarda e foi aí que tomei bola nas costas, assisti de camarote um correria playboy “trabalhando”, dá pra crer, cumpadi? E eu que achava que mauricinho só roubava com contrato e firma em cartório, marquei touca bonito, mas, ó, me liguei de cara quando o mala começou a ação. Não sei explicar, é showtime, um bagulho mágico, que nem a hora de entrar no palco, uma eletricidade diferente; o camarada de terno abriu a mala, puxou o cano ― uma 765, mano, um berrão ― e vinha suavão, na manha do gato, na paz de Cristo, falava baixinho pra cada pessoa: “carteira, relógio e celular, rápido!”; era vapt-vupt, ele parou na frente da tiazinha das sacolas, bem à vonts tirou os brincos dela, depois fez os adolescentes em grupo, na finesse, sem grito nem apavoro, ele começou na outra ponta do vagão e veio vindo até o lado onde a gente tava. O ruim é que cada vez que terminava um otário, me olhava, cara, não gostei nada daquilo.

É como diz: em céu de gavião urubu voa de ladinho, mas a Mizumi nem se ligou no movimento, falei umas duas vezes na orelha dela: “é assalto, Mi, borajá, de pé rapidinho, vamo ficar do lado da porta”, ela não se ligou nem quando puxei ela do banco na direção da saída; é bróder, tem gente que dá esse apagão, fica fora do ar na hora que bicho pega, agora, taquiospariu!, como demora entre uma estação e outra. A mina viajando num papo nada a ver e eu só vendo o malaquias se aprochegando da nossa, lembro que apertei o braço dela que ficou marca depois, tava me cagando de medo que ela fizesse merda...

Na real, tinha medo que qualquer mané começasse a causar, porque, só pelo jeitão do cotoco já saquei o tamanho da mandioca, mano, o camarada era gelado e tava ligadaço em tudo que rolava em volta, profissa mesmo; cumpadi, o trem finalmente parou na estação (porra, quanto tempo demora de uma estação pra outra?), só pensava em me mandar antes que chegasse nossa vez... só que o tranqueira já tinha colado em nós, a porra da japinha continuava falando, pá-pá-pá, pá-pá-pá sem tramela e o cano da pistola cutucando minhas costelas, ladrão chega na minha orelha e solta: “tamo junto, irmão, tu vai ficar no vagão, desço eu na próxima, copiou?” Acenei que sim.

A sem noção ainda tentou dizer qualquer coisa sobre precisar descer na próxima estação, mano, tomou um corte tão curto que calou no ato: “tá me gastando mina?, aí, o teu tá guardado (mostrou o berro pra ela), fica pianinha, fica...”. Obedeceu sem mais.

O autofalante castigou a zoação final: “não é permitido pedir esmolas dentro dos vagões do metrô”.

O cara desceu na plataforma e saiu andando na direção da escada rolante, ninguém desceu; quando o trem saiu, não sei o que deu me mim, saí pelo corredor falando com as pessoas, perguntando como é que estavam e tal, e só aí que me liguei na fita toda: o tiozinho de branco, o gordinho, ni qui cheguei nele já saiu falando: “pelamordedeus, moço, seu amigo já me levou tudo” ― na certa o safado falou pra cada um que eu era comparsa e que ia ficar de coruja até ele dar no pé! Já era, peguei a minha amiga e desci rapidinho na outra estação; de que ia adiantar ficar ali explicando que focinho de porco não é tomada, já era...

Enquanto o metrô saía, espiei o casalzinho que ouvia o aipode dividindo os fones: eles nem tinham se ligado de nada que rolou; no mundinho deles, só love, só love.

sábado, 3 de julho de 2010

O SER QUE NÃO É

o Japão (que não pára de matar baleias)
já é

não se pode ser o que não
se é
afinal o ser é
e o não-ser
não-é

na África
o melhor de Deus ainda está
por vir
mas Deus não gosta de jogar
(dados)
sem ironia

qualquer um
pode se tornar qualquer coisa
que desejar
ninguém
pode ser aquilo que não
é

eviva
o pícaro lúdico Loco Abreu
última flor da panamérica
latino-africana-louca-índia
que ainda pode ser tanta coisa
mas
que não pode ser o
que não é

evai a Alemanha
multicolor
que mata a Jabulani mansinha
e joga uma bola redonda
no pé

quinta-feira, 1 de julho de 2010

LADAINHA
















E se o que eu vejo é sonho

e o sonho a verdade?

Se a liberdade
que eu tanto persigo

for somente a sombra da gaiola aberta?

E se
está tudo errado
e no final de tudo eu descobrir o nada?

Se eu tiver vivido o ensaio da vida?


E se a felicidade
(que foi prometida)
não passar de um mito, duma projeção?

Eu fiz a miragem,
vivi na miragem,
morri na miragem e nem percebi?

foto: Trezende