― Cida, vem cá
rapidinho, ói lá quem tá passando! Não é o bigodinho que tu paga pau? Menina,
ainda tô pra entender o que tu viu nesse homem: mofino demais, falto de carne,
é só o furo e a catinga esse desinfeliz. Pra mim, homem tem que tê carne onde
pegar, sabe?...
― Ei, se
aquiete, esqueceu que aqui não se pode coçar o suvaco sem zóião ver nóis? Faz
que tá voltando pra limpar um pedaço que esqueceu... Mais um pouco e vão ponhar
câmera pra filmar nossas idéia e ver o que tem drento...
― Tô nem aí
pra hora do Brasil, faço nada de errado, eles que veja! Mas, e aí, é namoro ou
amizade? Me embroma não que eu vejo teu olhinho brilhar quando esse guardinha
aparece. É Altair o nome dele, né não?
― É sim,
Altair, lá da minha quebrada, Jardim Robru. Ah, esse daí eu levava pra casa,
conzinhava, passava, pregava os botão da camisa dele... Mas não tenho nada com
ele não, minha comadre é que era amiga da mulher dele... é viúvo.
― Vixe Cida, a
coisa tá pior do que eu pensava, tu tá caidinha pelo Playmobil...
― Bah, que bestagem
essa história de Playmobil, como se um homem só fosse homem de arma no cinto!
― É, mas pra
nóis é ainda mais pior, sabe como chamam a gente? As tiazinha da limpeza,
pilota de esfregão... é ruim, hem!?
― Povo não tem
o que falar, fala merda. Você pega mais água nesse balde, fazendo favor? O que
atrapalha nóis é esse uniforme, a cor, as galocha, a gente fica feia que só...
Tá rindo de quê, criatura?
― Nada não,
hihihi, é que é osso: as marronzinha do rodo...
― Sai pra lá,
mulher, quem acha tudo gozado é arrumadeira de motel. Todo mundo despreza nóis:
os gravatinha nem sabem que a gente existe, e ainda vem esses zé-ninguém que
não sabe fazer um “o” com o copo, falar de nóis...
― Verdade o
que dizem dele? Que teve uma desgraceira danada na família?
― Tudim. O
negócio foi tão feio que deu no Jornal Nacional: uns bandido entraram na casa e fizeram gato e sapato com
eles. Como dinheiro não tinha, nem celular, nem computador, a TV era velha,
saíram tocando o terror, o menino se assustou e eles atiraram nele, a mãe foi
proteger e também levou prego... Quando o Altair chegou, já não tinha era
família nenhuma, mulher e filho ali mesmo na sala, abraçados...
― Sangue de
Jesus! Que história medonha, Senhor, como é que esse homem ainda tá de pé?
― Apois, até
tomar veneno ele tentou, mas fracassou... Eu fui no velório com a minha
comadre, vi tudo: as flor amarela e branca, sabe tagete, o cravo-de-defunto?,
pela casa toda... os espelhos todo coberto de pano, os dois caixão com os pé
voltado pra saída da casa... Tristeza de meu Deus! Despois, ele tingiu foi toda
as roupas de preto, comprou pó Guarany, conzinhou em água quente as camisa, as calça
e as meia. Ver ele daquele jeito dava uma dó demais... Por isso que ele agora
só pega turno da noite, vive que nem sombra, é uma morte despois da morte...
― Então, vai
ver que... Cida, cê tá sabendo o que aconteceu com ele, dois dias faz, na ronda
noturna?
― Altair, cê
que vai falar, firmeza?
― Por que eu
só, tu não tava lá também? Oxe, sustente o que viu... além de que, nóis já
botamo tudo no papel, foi não?
― Tá, tá, é
que esse supervisor é mó cuzão do carai, enche os picuá do povo todo, um
caga-regra da moléstia!
― Tem razão.
Será que ele dando uma meia hora de bunda não melhorava?...
― Nem assim,
viu...
(...)
― Entrem,
senhores, sentem por favor. Fiquem à vontade. Vamos direto ao assunto, como já
devem saber, a notícia do incidente ocorrido com vocês se espalhou, e nós
estamos aqui pra resolver toda a questão antes que ela chegue na mesa do
Macedo, o gerente operacional. Certo?
― Olhe, o
senhor não acredite no que falam, nós não espalhou nada por aí...
― É sim, o
senhor sabe como é a rádio-pião... mas não foi nós que...
― Entendam: o
fato é que vocês dois relataram uma ocorrência que, logicamente, chama muito a
atenção. E é isto que temos de esclarecer de uma vez por todas, o que aconteceu
anteontem quando vocês dois faziam a verificação de rotina no heliponto?
― Foi igual
que nem tá escrito: a gente tava no elevador subindo na cobertura, foi então
que paramos no quinto, sem ninguém ter apertado...
― Daí tava ele
lá, o Canhoto, de terno e gravata, sapato envernizado...
― Ah, e tinha
aquela fedentina medonha, que parecia de curtume...
― Senhores, esta
parte já foi esclarecida: havia um cano estourado no banheiro daquele andar,
bem próximo ao elevador, por favor, prossigam...
― Então, nóis
ficou assustado de encontrar alguém ali, numa hora daquela...
― E o Facho-bode
tava lá, com um risinho fazendo pouco da nossa cara, foi quando o Altair falou
com ele...
― É, assim
meio sem saber porquê, eu perguntei: “tá subindo?”
― E o que
essa, hmm, pessoa que vocês viram, respondeu?
― Nadim de
nada, senhor, arreganhou inda mais o risinho de mofa e... apontou pra baixo com
o dedo de unhona preta!
― Bem, será
que vocês entendem a minha posição? Vejam, como é que fica um supervisor de
segurança que tem nas mãos um relatório com uma ocorrência de invasão de
dependências, e o intruso é o Demônio! È o descrédito total, vocês percebem?
― Mas o senhor
não acredita em nós, ou não acredita no Que-não-fala?
― As minhas
convicções, a minha fé pessoal não têm nada a ver com isto, o problema é ter um
report como este pra levar aos superiores, ficou claro!
― E as
filmagens, não apareceu nada?
― Er... por
algum defeito técnico, as câmeras do andar não estavam, hã, registrando naquele
momento...
Um comentário:
Eu, no seu caso, levava textos como esse pra algum bicho de teatro. Sabe cupim de palco?
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