quarta-feira, 24 de julho de 2013

Aparição do Demônio na Torre do Mundo (parte 2)



― Cida, vem cá rapidinho, ói lá quem tá passando! Não é o bigodinho que tu paga pau? Menina, ainda tô pra entender o que tu viu nesse homem: mofino demais, falto de carne, é só o furo e a catinga esse desinfeliz. Pra mim, homem tem que tê carne onde pegar, sabe?...
― Ei, se aquiete, esqueceu que aqui não se pode coçar o suvaco sem zóião ver nóis? Faz que tá voltando pra limpar um pedaço que esqueceu... Mais um pouco e vão ponhar câmera pra filmar nossas idéia e ver o que tem drento...
― Tô nem aí pra hora do Brasil, faço nada de errado, eles que veja! Mas, e aí, é namoro ou amizade? Me embroma não que eu vejo teu olhinho brilhar quando esse guardinha aparece. É Altair o nome dele, né não?
― É sim, Altair, lá da minha quebrada, Jardim Robru. Ah, esse daí eu levava pra casa, conzinhava, passava, pregava os botão da camisa dele... Mas não tenho nada com ele não, minha comadre é que era amiga da mulher dele... é viúvo.
― Vixe Cida, a coisa tá pior do que eu pensava, tu tá caidinha pelo Playmobil...
― Bah, que bestagem essa história de Playmobil, como se um homem só fosse homem de arma no cinto!
― É, mas pra nóis é ainda mais pior, sabe como chamam a gente? As tiazinha da limpeza, pilota de esfregão... é ruim, hem!?
― Povo não tem o que falar, fala merda. Você pega mais água nesse balde, fazendo favor? O que atrapalha nóis é esse uniforme, a cor, as galocha, a gente fica feia que só... Tá rindo de quê, criatura?
― Nada não, hihihi, é que é osso: as marronzinha do rodo...
― Sai pra lá, mulher, quem acha tudo gozado é arrumadeira de motel. Todo mundo despreza nóis: os gravatinha nem sabem que a gente existe, e ainda vem esses zé-ninguém que não sabe fazer um “o” com o copo, falar de nóis...
― Verdade o que dizem dele? Que teve uma desgraceira danada na família?
― Tudim. O negócio foi tão feio que deu no Jornal Nacional: uns bandido entraram na casa e fizeram gato e sapato com eles. Como dinheiro não tinha, nem celular, nem computador, a TV era velha, saíram tocando o terror, o menino se assustou e eles atiraram nele, a mãe foi proteger e também levou prego... Quando o Altair chegou, já não tinha era família nenhuma, mulher e filho ali mesmo na sala, abraçados...
― Sangue de Jesus! Que história medonha, Senhor, como é que esse homem ainda tá de pé?
― Apois, até tomar veneno ele tentou, mas fracassou... Eu fui no velório com a minha comadre, vi tudo: as flor amarela e branca, sabe tagete, o cravo-de-defunto?, pela casa toda... os espelhos todo coberto de pano, os dois caixão com os pé voltado pra saída da casa... Tristeza de meu Deus! Despois, ele tingiu foi toda as roupas de preto, comprou pó Guarany, conzinhou em água quente as camisa, as calça e as meia. Ver ele daquele jeito dava uma dó demais... Por isso que ele agora só pega turno da noite, vive que nem sombra, é uma morte despois da morte...
― Então, vai ver que... Cida, cê tá sabendo o que aconteceu com ele, dois dias faz, na ronda noturna?

― Altair, cê que vai falar, firmeza?
― Por que eu só, tu não tava lá também? Oxe, sustente o que viu... além de que, nóis já botamo tudo no papel, foi não?
― Tá, tá, é que esse supervisor é mó cuzão do carai, enche os picuá do povo todo, um caga-regra da moléstia!
― Tem razão. Será que ele dando uma meia hora de bunda não melhorava?...
― Nem assim, viu...
(...)
― Entrem, senhores, sentem por favor. Fiquem à vontade. Vamos direto ao assunto, como já devem saber, a notícia do incidente ocorrido com vocês se espalhou, e nós estamos aqui pra resolver toda a questão antes que ela chegue na mesa do Macedo, o gerente operacional. Certo?
― Olhe, o senhor não acredite no que falam, nós não espalhou nada por aí...
― É sim, o senhor sabe como é a rádio-pião... mas não foi nós que...
― Entendam: o fato é que vocês dois relataram uma ocorrência que, logicamente, chama muito a atenção. E é isto que temos de esclarecer de uma vez por todas, o que aconteceu anteontem quando vocês dois faziam a verificação de rotina no heliponto?
― Foi igual que nem tá escrito: a gente tava no elevador subindo na cobertura, foi então que paramos no quinto, sem ninguém ter apertado...
― Daí tava ele lá, o Canhoto, de terno e gravata, sapato envernizado...
― Ah, e tinha aquela fedentina medonha, que parecia de curtume...
― Senhores, esta parte já foi esclarecida: havia um cano estourado no banheiro daquele andar, bem próximo ao elevador, por favor, prossigam...
― Então, nóis ficou assustado de encontrar alguém ali, numa hora daquela...
― E o Facho-bode tava lá, com um risinho fazendo pouco da nossa cara, foi quando o Altair falou com ele...
― É, assim meio sem saber porquê, eu perguntei: “tá subindo?”
― E o que essa, hmm, pessoa que vocês viram, respondeu?
― Nadim de nada, senhor, arreganhou inda mais o risinho de mofa e... apontou pra baixo com o dedo de unhona preta!
― Bem, será que vocês entendem a minha posição? Vejam, como é que fica um supervisor de segurança que tem nas mãos um relatório com uma ocorrência de invasão de dependências, e o intruso é o Demônio! È o descrédito total, vocês percebem?
― Mas o senhor não acredita em nós, ou não acredita no Que-não-fala?
― As minhas convicções, a minha fé pessoal não têm nada a ver com isto, o problema é ter um report como este pra levar aos superiores, ficou claro!
― E as filmagens, não apareceu nada?
― Er... por algum defeito técnico, as câmeras do andar não estavam, hã, registrando naquele momento...


Um comentário:

Clarice disse...

Eu, no seu caso, levava textos como esse pra algum bicho de teatro. Sabe cupim de palco?