sexta-feira, 16 de julho de 2010

bufê por quilo


― Apois, Sancler é nome sim, sobrenome é Santos, Sancler da Silva Santos, eu que vou servir a senhora... tá certo, senhora não: VOCÊ; entendi, se avexe não... cinzeiro?, aqui é área de fumantes, pode sim... lhe trago o menu, já, já.

― Carta de vinhos?, é à parte, trago já pra se... pra você, minutinho só... é sim, sou novo aqui, quatro meses vai fazer que peguei esse serviço...

― Do norte não, da Bahia, do litoral... cidade mesmo é mais pra diante, a praia chama Buraquinho, a senhora ri, é?... vixe, tem razão, falei de novo!, mas não lhe tiro por velha, não, é o respeitinho, que é bom e todo mundo gosta...

― O seu pedido. Bom apetite. Hmm, acabo meia noite meu turno, depois vem outra turma... ah, vou direto pra casa, cidade como esta não é lugar pra ficar bestando, não.

― Ah, essa não... oxe, se eu sei quem é, o da novela não é não?, magina, dera eu ter a cara dele... já tive sim, era pescador, mas meu tio Gedimar me levou pra trabalhar no bufê da mulher dele... é mais regular, num sabe?

― Bufê por quilo, ah, se era bom não sei, o caso é que não tinha outro, todo mundo na cidade ia lá... Hehehe, era não, Bar do Buraquinho, essa é boa... Chamava Bufê e Restaurante Tabu, de antigamente chamava Taboo, mas ninguém acertava de falar “u” no lugar dos “ó” dobrado...

― Mas será possível que nunca ouviu falar do caso?, deu até no Jornal Nacional, é ruim de esquecer uma loucurada daquelas... pois foi, começou que Gedimar, meu tio, deu de ficar de saliências com a filha da cozinheira...

― Pois então, o mal todo foi esse, não era moça rapariga, não, inda pra mais de menor... Tá é besta? Nãnãnina, sou disso não, meu negócio é mulher feita, lá na boa terra é assim: emprenhou tem de casar, deflorou, vem o pai da moça falar, pedir satisfa; aqui é um destampatório lascado, pode tudo, de tudo se vê por aí...

― É, não posso ficar proseando muito aqui, o maître já tá de olho... claro, sua casa?, ah, mora sozinha?, vamos, sim, mas... antes de ir preciso de tomar um banho, sabe?... ah, lá na sua casa?, claro...

― É Sancler, já tinha esquecido?, o seu ainda alembro, é sim, é diferente mesmo, já desgostei dele, hoje não ligo, nome é nome, não quer dizer nada, o que às vezes abre portas é o sobrenome... que carrão da porra, banco de couro, GPS, painel digital... tá pago?

― ...tem disso não de flex lá na minha terra, madame... ah, madame também não pode?, apois, mas o que eu gosto é de mulher boa... das má gosto também, verdade, mas gosto é assim, perfumosa, como... você. Hmm, bairro bom esse seu...

― Como é que acabou a história?, entonces, acabou nada bem, Vilma, a mulher de meu tio, a dona do restaurante, descobriu o malfeito e ficou como virada no cão, chamou Gedimar no restaurante e fez cabrito assado, que ele adorava, mas na pinga foi que ela lhe deu à larga, bebeu até cair, feito peru de véspera, no que ele ferrou no sono, ela pegou e rachou-lhe o quengo à machadada... ué, mas se foi tu que me pediu pra contar?...

― Eita condomínio ajeitado... vixe, um por andar!, tá bem de vida, hem? Ah, ainda quer saber mais?, depois não agüenta... então... caramba, gostei dessa varanda, ói lá, quantas luzes tem esta cidade de meu Deus!

― Vai esquentar a água da banheira pra mim? Coisa boa... quero sim, mas ponha gelo não, que uísque e café eu gosto é puro... Ai mas tu não sossega, mulher é bicho curioso... tá certo, tu é sabida mesmo, até onde contei não tinha porque a história ir pra televisão, pobre matando pobre tem todos os dias, né não?, o que ninguém podia pensar é que ela não parou: quebrou o cachaço de meu tio Gedimar e foi picando ele todinho, desossou, e daí fez carne de panela, o bufê dela serviu de graça uma semana inteira de carne assada, buchada, picadinho... comi sim, mas não foi só eu, o povo todo comeu, o gosto?, ora, tem gosto de carne, sei lá, não é diferente das outras...

― Que foi que te deu, tu tá caladinha agora, tá com medo é?, hahaha, mas se eu sou canibal todo mundo é porque também comeu... que que é?, fica de frescura não, acha que vou te comer, é?

― Mas não foi pra isso que tu me trouxe aqui?

4 comentários:

José Doutel Coroado disse...

Êta cabra safado...
(inda tô rindo, imaginando a cara da dona...)
abs

angela disse...

Esta ambiguidade que nossa lingua tem, as vezes, deve ter deixado a "senhora/você" apavorada.
Um belo conto horror cômico.
A gravura de Hans Staden foi bem escolhida, afinal tem coisas que estão no sangue, na história.

gugala disse...

ótimo!

mauverde disse...

Caraca, mano, envolvente, vai num fôlego só... muitcho bão!