terça-feira, 13 de julho de 2010

METROpolitano





Vida de neguinho, você sabe como é...

Mas, aí mano, sem menesquência nem perhaps, com nóis não tem presepa: já comecei no cavaquinho de pivete; seguinte, lá na quebrada que nasci era o pagodinho fundo-de-quintal, naquele esquema de tocar na roda dos boteco de porta de garagem, mesa de snooker mata-mata, mesinha de chapa e cadeiras de plástico. Detonava. Mas aí mano, a gente vai subindo na escala, estuda e tal, vem o chorinho, você é chamado para os grupos da velha guarda, os regionais, daí só dá os fera, chorões das antiga mano, só cobra criada, neguinho que toca jazz, samba-rock e o carae; hoje eu tenho ce-ene-pê-jota, vou lá, passo meu recado e ainda dou nota e a porra toda, me empresariei, seguinte mano: meu lado adiantou, melhorei de vida, minha goma agora é na Vila Gomes, tô passado nos pano, vida de neguinho, bróder, ficou pra trás, tô pagando forte de bacana...

Mas não é que abandonei os chegado, sou da world music mas não abandonei o samba, não, virou mexeu, tô na minha área, e até rola umas canjas toda mão que chego lá, o bagulho é louco, só que... não era isso que eu ia contar.

Foi como foi, assucedeu... uma tarde que fui tomar um café com uma amiga produtora, Mizumi, uma japinha figuraça, bem miudinha, toda tatuada, a mina parece um gibi, mano, fechamos umas apresentações pruma firma, ela precisava de um trio, acertamos o cachê e pegamos o Metrô. Ela ia descer do lado de casa na próxima estação, pra mim tinha mais uma baldeação, um bumba e uma lotação. Sabe c’umé?

Sempre fico na ponta das barca, é instinto velho, um bagulho que acontece com quem pegou muito cipó aí pelas quebrada: malaco fica sempre ligado no movimento, sacou?, mas você nem se liga, é reflexo, entende?, aquela história de olho na fritura, outro no gato. Vida de neguinho, mano... Fim de tarde, sabadão, o metrô tava meio vazio, ou meio cheio, vá saber, aquelas figuras de sempre: uns adolescentes lá na ponta, uma tiazinha com um monte de sacolas, um gravatinha com a pasta nos joelhos, duas madames conversando nos bancos do meião, um camarada em pé, bem gordo, vestido de branco, um casalzinho do nosso lado dividindo os fones do aipode no maior love; só passageiros na boa, filmei a galera de ponta a ponta do vagão, tudo sussa, sentei na janela apreciando a paisagem.

Ve-de-eme. Parece até que tá escrito na cara das pessoas, mano, uma parada assim à toa, aquela pinta de gente enlatada, a cara de paisagem de quem anda atulhado nos busão da vida, cara de quem só tá levando na arruela, manja?, tipo réu confesso, tatuagem na testa: eu vivo uma vida-de-merda, e isso não é diferente no lotação da perifa ou no trem dos classe-média-comédia, mas, velho, tenho que reconhecer: vida de burguês é também uma ve-de-eme que nem a vida de pobre, mas é melhor. Se é pra pagar de otário, ser corno da vida, mais vale ser explorado com uns trocados no bolso, até porque, seguinte, dinheiro não traz a felicidade, mas compra o sossego.

Firmeza irmão, até macaco cai de árvore, relaxei e vacilei, baixei a guarda e foi aí que tomei bola nas costas, assisti de camarote um correria playboy “trabalhando”, dá pra crer, cumpadi? E eu que achava que mauricinho só roubava com contrato e firma em cartório, marquei touca bonito, mas, ó, me liguei de cara quando o mala começou a ação. Não sei explicar, é showtime, um bagulho mágico, que nem a hora de entrar no palco, uma eletricidade diferente; o camarada de terno abriu a mala, puxou o cano ― uma 765, mano, um berrão ― e vinha suavão, na manha do gato, na paz de Cristo, falava baixinho pra cada pessoa: “carteira, relógio e celular, rápido!”; era vapt-vupt, ele parou na frente da tiazinha das sacolas, bem à vonts tirou os brincos dela, depois fez os adolescentes em grupo, na finesse, sem grito nem apavoro, ele começou na outra ponta do vagão e veio vindo até o lado onde a gente tava. O ruim é que cada vez que terminava um otário, me olhava, cara, não gostei nada daquilo.

É como diz: em céu de gavião urubu voa de ladinho, mas a Mizumi nem se ligou no movimento, falei umas duas vezes na orelha dela: “é assalto, Mi, borajá, de pé rapidinho, vamo ficar do lado da porta”, ela não se ligou nem quando puxei ela do banco na direção da saída; é bróder, tem gente que dá esse apagão, fica fora do ar na hora que bicho pega, agora, taquiospariu!, como demora entre uma estação e outra. A mina viajando num papo nada a ver e eu só vendo o malaquias se aprochegando da nossa, lembro que apertei o braço dela que ficou marca depois, tava me cagando de medo que ela fizesse merda...

Na real, tinha medo que qualquer mané começasse a causar, porque, só pelo jeitão do cotoco já saquei o tamanho da mandioca, mano, o camarada era gelado e tava ligadaço em tudo que rolava em volta, profissa mesmo; cumpadi, o trem finalmente parou na estação (porra, quanto tempo demora de uma estação pra outra?), só pensava em me mandar antes que chegasse nossa vez... só que o tranqueira já tinha colado em nós, a porra da japinha continuava falando, pá-pá-pá, pá-pá-pá sem tramela e o cano da pistola cutucando minhas costelas, ladrão chega na minha orelha e solta: “tamo junto, irmão, tu vai ficar no vagão, desço eu na próxima, copiou?” Acenei que sim.

A sem noção ainda tentou dizer qualquer coisa sobre precisar descer na próxima estação, mano, tomou um corte tão curto que calou no ato: “tá me gastando mina?, aí, o teu tá guardado (mostrou o berro pra ela), fica pianinha, fica...”. Obedeceu sem mais.

O autofalante castigou a zoação final: “não é permitido pedir esmolas dentro dos vagões do metrô”.

O cara desceu na plataforma e saiu andando na direção da escada rolante, ninguém desceu; quando o trem saiu, não sei o que deu me mim, saí pelo corredor falando com as pessoas, perguntando como é que estavam e tal, e só aí que me liguei na fita toda: o tiozinho de branco, o gordinho, ni qui cheguei nele já saiu falando: “pelamordedeus, moço, seu amigo já me levou tudo” ― na certa o safado falou pra cada um que eu era comparsa e que ia ficar de coruja até ele dar no pé! Já era, peguei a minha amiga e desci rapidinho na outra estação; de que ia adiantar ficar ali explicando que focinho de porco não é tomada, já era...

Enquanto o metrô saía, espiei o casalzinho que ouvia o aipode dividindo os fones: eles nem tinham se ligado de nada que rolou; no mundinho deles, só love, só love.

3 comentários:

José Doutel Coroado disse...

Caro Missosso,
gostaria de ler esta sua crónica policial no... Estadão ou na Folha!
adorei o linguajar!!
pô... fez cursinho de língua de mano??
Fabulástico!!

Dalva M. Ferreira disse...

Verossimilhança nota dez. Invejinha... e você bem sabe o quanto eu me encuco com isso. Parabéns!

angela disse...

Muito bom e com um final inteligente fora do habitual...entretanto o amor cega...rs