sábado, 28 de fevereiro de 2009

gregório delgado


ciencia descabida

eu estou tentando escrever tentando e conseguindo eu ja sou um homem velho mas tem plano de menino cabeça de cientista presa no proprio destino as vezes tem esplosão mas o meu calculo é fino cabeça de cientista presa no proprio destino sou escravo da lembrança até me falta o tino gosto das coisas rimadas por isso agora eu rimo enquanto meu corpo chora minha alma tá sorrindo enquanto meu gado berra meu cachorro esta latindo enquanto eu to pensando o ladrão rouba meu tino e eu olhando pro céu e a benção do céu caindo encontrei a eternidade no passado conseguido sou gregório delgado e desse jeito termino.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

o desequilibrista



estou ficando cada vez mais

nu

muito mais do que seria

conveniente

retirando, um a um, os véus da minha

história

desvendo a intimidade dos meus

fantasmas

que é o mesmo que pôr a vida sexual na

vitrine

como o encontro de completos

desconhecidos

como a memória da não-linguagem que

inventamos

para deixar de ser apenas

corpo

para poder falar com o

desconhecido

domingo, 22 de fevereiro de 2009

reflexão sobre as possibilidades de se viver livremente num mundo programado por aparelhos


psicótico, sujeito experimental por excelência

alucinações & visões, pensamentos transformados em imagens

as imagens são pacotes de dados que pretendem representar algo

resultam da possibilidade de se abstrair dimensões no continuum espaço-tempo

imaginação é a capacidade de gerar, transmitir e decifrar imagens

a imagem é produzida e distribuída a fim de informar

imagem implica magia, automação e jogo

informação implica símbolo

toda fotografia se aproxima da ginástica mental do alienado

fotografia não é máquina, mas brinquedo, como as cartas de baralho

o jogador: re-invenção/subversão deste estado de coisas

a transformação: de geopolítica em cronopolítica

propiciada pelas novas fontes de imaginário

entidades que participam plenamente da instituição de mundos percebidos

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

tudo merece uma segunda pele

foto de Carlos Patrício


Quando um artista rompe com a matéria de que é feito, equivale, para o mundo, à descoberta da própria textura. Mais do que se dirigir a um público, a verdadeira obra de arte abriga usuários dos ambientes e conexões que estabelece; cada obra se descobre enquanto participação e diálogo, na medida em que cria pertencimentos e se conecta com realidades onde vivem seres flutuantes.

Coexistem no objeto estético múltiplas arquiteturas simbólicas: por exemplo, se numa região do fenômeno artístico predomina o conceito, com o inevitável cortejo da infinita reprodutibilidade, noutra, evidencia-se a dimensão site-time-specific, em que a arte intervém na qualidade de dobra, de elemento reflexionante no jorro da vida.

Criação delirante, libertação por hipertrofia, o habitat da poesia é topologia instável transformada em sonho tangível. Arte não é resultado, é resto. É o que resta de um esforço para repotencializar a realidade, aumentá-la com metáforas, deformá-la por meio da saturação (ou carência) de sentidos.

A arte não transforma o mundo, nem o artista, mas pode revelar em ambos seus percursos imprevisíveis e suas desconcertantes mentiras. Eterna e efêmera, cópia e simulacro, aço e alabastro, resiliente e dúctil, assim é a physis contraditória com que o artista ergue sua paisagem de segredos e revelações ― geologia de superfície cujo desabamento contínuo não pára de soterrar nosso frágil cotidiano.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

diário de debutante



tenho hora marcada, disse
a recepcionista pergunta com quem
com o desencontro, pensei

impaciente por demais
não espero o poema
maturar
ou por demais avoada
perco-o para as distrações cotidianas

talvez só o calo
da vida
contra o furco
tempo
proteja do vento e da chuva
(as portas que dão para o mundo
arrombou-as o poeta)

para não entupir de morte
a alma
neguei (3 vezes) a vida
limitei restringi calquei
tudo que cresce ao redor do
agora

até que, de repente, alguém grita
― um rato!
mas aí já é tarde
como, pergunta estoutra, senhora
de cartórios e rendas,
distinguir os domésticos, dos migratórios, dos de laboratório?

talvez sobrevivam apenas
as perdas
que troco por novas
ilusões
e depois de me separar
de tudo e todos que amei
ainda
adiar o fim
a mim
mesma

animal-nuvem-museu
carne de fuga permanente
rosto sempre palavra
incoagulável
comunidade arborizante das entrelinhas
onde roço o espectro das não-coisas
tangendo rebanhos de abismo
eus mudo

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

“por que será que o amor é imensamente mais rico do que qualquer outra possibilidade humana?”



Finalmente morávamos numa casa com o enorme quintal que sempre sonhamos: as árvores, os bancos de pedra, pássaros, canteiros de flores, longas aléas. Nosso estado de espírito era de festa, os amigos vieram, muitos se beijavam embaixo da chuva, cada um caminhava a seu belprazer (também fazia sol) entregando-se à vida; ninguém tinha medo do dia de amanhã, a quizomba foi virando quizumba e a função atravessou a madrugada. Era um desses palacetes antigos como havia na Consolação ou, talvez, na Doutor Arnaldo. Dizíamos um para o outro, “que sorte temos”. Alguns amigos precisavam voltar para casa e os acompanhamos até o Metrô; enquanto trancava os portões gigantescos da casa, irritei-me com um idiota que assustava uma moça no ponto de ônibus. Brincadeira besta. Não sei bem porquê, mas embarcamos com nossos convidados durante um trecho da viagem. Descemos numa estação para a qual uma única porta do vagão se abria, nela descobrimos uma construção subterrânea, como se fosse uma plataforma ou túnel inacabado. Andamos fazendo curvas por um chão de terra até que acabou o caminho, ao voltar, percebi que a entrada por onde a gente tinha descido do trem não ia se abrir de novo. Você me disse calmamente: “não se preocupe comigo, tenho mais sonhos que arrependimentos”.


sábado, 7 de fevereiro de 2009

sou parente de tudo que existe



o sono não passa

........................................a cobra despeja

de uma distração

.........................................seu veneno

tola

.........................................no Paraná-Açu

(fuga de sentidos)

.........................................as águas dissolvem

durante o sono

.........................................o vitríolo

uma das várias

..........................................que não polui

pessoas que somos

..........................................o grande rio

descansa

...........................................os igarapés ou o mar

enquanto os outros

...........................................porém a peçonha fica livre

velam

...........................................do peso amazônico

mas então: quem sonha?

............................................de ser veneno

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

a favor de um tempo que virá





no presente contínuo
........................................dos tempos enfileirados


imiscui-se impertinente
........................................o amorfo acontecimento


assim foi a história
...........................................que vivi na carne


plena de paradoxos
...........................................alógica indócil a toda


hierarquia classificante
..............................................ou coerência superior


assim os descaminhos
..............................................paralelos do tempo


assim as colaterais
..............................................vias desvios cegos


trilhos errantes
................................................suspensos sem lar


que comportam
.....................................variação/repetição inesgotável


que ramificam
................................................movimento e cesura


para administrar
.................................................o ouro do porvir

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Parir a Eternidade: Obra do Amor

Passiflora, flor da paixão e do maracujá


A faculdade do conhecimento reconhece a dívida da memória para com a presença. Logo, o saber é incerto. O certo é que um amor é o amor em si mesmo, pois que há nele uma unidade, e esta unidade é contingência e solidariedade e vazio.

No amor não há dúvidas, só a cegueira convicta daqueles que se abrem às promessas do mistério.

Viver radica o existir na possibilidade; viver o amor, amar a liberdade, é o teatro eterno do pacto com o desconhecido.

Não sei o nome da fera que me apareceu em sonho, não sei e não quero saber. Há coisas demais do “outro lado”.

Agora que se foi, sinto a falta dela, para falar a verdade, sinto falta da ausência dela.

Imagino que sei o isso significa: só me cabe o amor que termina, que é instante, potencialidade, aposta. Amar o que está, não o que é.

Às vezes um espelho num lugar inesperado, outras, uma superfície refletora qualquer produz esse menos-que-segundo de irreconhecimento ― quem é?

Amor, desamor, reciprocidades que não são por, ou com, alguém, mas que repousam aquém do visível, no hiato do entre-tempo.

O que seria amar o amor, cair a seus pés, ser outro nele, confiar no mundo, acreditar que isto é a felicidade?

Ou seria apenas mais uma ilusão?, como o encontro das paralelas no infinito, na eternidade realizar-se-ia seu poder ignorado, embora nunca houvesse estado oculto.

Ansiamos retê-lo, mas então o amor não se mostra; gostaríamos de transformá-lo, mas ele é pura metamorfose; desejaríamos agradecer-lhe, mas ele é perfeita generosidade e aventura.

Não encontramos nada que seja suficiente, ou revelação a tal ponto incompreensível; não há o que possa dominar esta força, que a possa dizer ou negar, constranger ou provar.

Só assim elevamos nossa vida à sua real potência, só desta forma o exílio adquire significado e a morte pode ser costurada à alma pelo avesso.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

livros que o Lula não leu nas férias


Homens e não (1945), de Elio Vittorini. Sem saber que Theodor Adorno proclamaria não ser possível a poesia depois de Auschwitz, uma geração de escritores engajados na luta contra o nazifascismo produzia, literalmente neste caso, no calor da batalha. Arte contra a barbárie, mas, ainda assim, arte que é, acima de tudo, a favor de si mesma. Pouco depois o autor romperia com o partido comunista.

Além dos Marimbus (1945), de Herberto Sales, é um primor de concisão e acabamento, neste road romance nada falta nem sobra; ourivesaria tão precisa e sofisticada consumiria décadas de trabalho do autor até à versão final, de 1961. Um curioso personagem secundário: o fazendeiro João Camilo, proto-ecologista em meio às hoje devastadas matas da região das lavras diamantinas da Bahia.



A Lua e as Fogueiras (1950), de Cesare Pavese, é uma obra prima. Após finalizar o livro, o autor se mataria, o suicídio, na época atribuído a um misterioso amor fracassado, figura entre os grandes enigmas da literatura mundial, como o desaparecimento de Carlos Castañeda, o rosto de J. D. Salinger, a vida privada de Shakespeare e o auto-exílio de Rimbaud na África.

Rituais (1995), de Cees Nooteboom, parece um filme francês: o protagonista não faz nada da vida, não se interessa verdadeiramente por nada nem ninguém, mas ― oh, surpresa! ― as pessoas à sua volta sentem-se atraídas por seu feroz, embora na aparência displicente, narcisismo. Bom de marketing, o autor estrelou uma edição recente da Flip, vendido como “o maior escritor holandês vivo”. Será?




A Ditadura Envergonhada (2002), de Elio Gaspari, é o primeiro de prometidos cinco livros sobre o período da última (esperamos) ditadura militar no Brasil. Documento vivo e fabulosamente rico em informações, a leitura traz puro deleite quando esquecemos de que horror se trata. Gaspari opta por focar dois personagens-chave no desenrolar dos acontecimentos: Geisel e Golbery; de quebra, discute a tese de que a administração do país criou, dentro do regime militar, uma insanável fonte de rebelião e anarquia. Quem pôs fim ao estado de exceção foram os próprios milicos. Ponto. De modo que o vezo autoritário, a exemplo da escravidão, talvez seja uma dessas marcas que a nação carrega como pecado original do qual não quer se livrar.




O Castelo na Floresta (2008) é o epitáfio de Norman Mailer. Ficção histórica ou história ficcionada, o livro trata da família Hitler e acompanha a infância e adolescência do maior avatar individual dos escabrosos totalitarismos que o século XX produziu. Detalhe: o narrador é um demônio encarregado dos anos de formação do menino-monstro que tem o poder de penetrar na mente dos personagens. O resultado, muito mais que assustador, serve para nos relembrar que a arte é um tipo de mentira que é mais verdadeira que a verdade ― quem, além deste camaleônico jornalista-gângster-escritor, poderia nos oferecer tamanho tratado de anatomia do Mal Radical? Previsivelmente, a crítica torceu o nariz; assim como na atual crise econômica que os “expertos” não detectaram, o caso é de cegueira generalizada. Confesso que, lendo estas páginas sombrias, ouvi mais de uma vez o riso sardônico do próprio Coisa-Ruim.