domingo, 7 de dezembro de 2008

um rei é sempre a caça de outro rei




Mueni-Congo, Mobemba Muzinga (Mobemba Muzinga, Rei do Congo)

Na margem esquerda da foz do rio Congo os navegadores deixaram um padrão ― pilar composto de uma coluna circular na base, um bloco retangular com o Pavilhão das Quinas esculpido na pedra calcária e encimado por uma cruz de ferro ― no qual assinalavam o ano, “6681 da criação do mundo e 1482 do nascimento de Nosso Senhor Jesus”, bem como a posse daquelas terras a D. João II, o Príncipe Perfeito. O capitão da esquadra e escudeiro real Diogo Cão, navegou muitas milhas adentro do Congo ou Zaire, rio a que os portugueses chamariam Poderoso a justo título, já que vem a ser o segundo maior da África. Não acharam indícios de passagem, por terra ou água doce, para o Oceano Índico, nem penetraram os domínios do lendário rei cristão africano, o Preste João, mas estabeleceram proveitoso contato com a rainha Malele kya Nsi e o reino do Congo. Esta viagem serviria mais tarde de modelo a duas outras na ficção: na travessia do rio-continente mítico de O Coração das Trevas, romance de Joseph Conrad, como no Vietnã de Apocalypse Now, filme de Francis Coppola, é o ocidental, na pele do agente/coronel Kurtz, que vai além dos “limites das aspirações permitidas”. Na história, no entanto, é o poderoso herdeiro de um reino milenar, o Mani-Congo, o rei Mobemba Muzinga, quem perde a cabeça diante dos amindele, “baleias que vêm do mar”, ou vumbi, “cadáveres vivos”, que foi como os brancos pareceram então a seus súditos. Fosse por obra dos missionários dominicanos, fosse o cálculo político de quem queria se livrar de adversários, o soberano converteu-se ao cristianismo; Mobemba Muzinga, a quem D. Manuel, o Venturoso, trataria, na correspondência que passam a trocar, de “primo” e por quem será chamado de “irmão”, abjura seus antigos deuses, muda o próprio nome para D. Afonso, troca o da capital, Quibango, para São Salvador do Congo e solicita ao papa bênção apostólica. Quando D. Afonso-Mobemba morreu envenenado, seu poderio militar decaíra, seus domínios haviam encolhido geograficamente, a aristocracia congolesa tinha sido vendida para traficantes de escravos e, daí em diante, nunca mais um Mani-Congo voltou a exercer poder efetivo, nem desfrutar da felicidade de morrer na velhice ou na glória da morte em batalha.


Montezuma, México-Tenochtitlan Uei Tlatoani (literalmente: Montezuma, aquele que fala no México-Tenochtitlan)

À frente de 35 dos seus mais valorosos soldados, Mobemba Muzinga derrotou o exército de 3.000 do seu irmão Penzo Muzinga; depois de lhe cortar a cabeça, ofereceu o fígado e o coração aos guerreiros no banquete da vitória e, ainda manchado de sangue, subiu ao trono de ouro onde foi coroado, sorrindo ao povo como era a tradição dos seus antepassados. Naquele momento, num continente que viria a se chamar América, o imperador Montezuma fechava a cara; no calendário azteca, os tempos se avizinhavam do advento de estranhas profecias: os mexicanos contavam o tempo em ciclos de 52 anos, os quais dividiam em 4 séries, ou “cores”, de 13 anos de duração a que davam os nomes equivalentes a “Coelhos”, “Bambus”, “Pedras” e “Casas”. Exatamente como funcionaria um baralho de 4 naipes, sem coringas. O mundo em que viviam, o quarto desde a criação do universo, seria destruído pelo fogo, assim como dilúvios, terremotos e furacões haviam encerrado as eras anteriores; chegaria naquele fatídico quarto ano das casas do oitavo ciclo o deus do vento que sopraria o fogo exterminador, o temido Quetzalcoatl, a Serpente de Plumas Preciosas viria do leste na figura de “um homem de boa aparência, aspecto grave, pele e barba brancas, vestido com longa túnica branca”. Nesta época vivendo em Cuba, Hernan Cortês sonhava: arrancado da pobreza, via-se ricamente vestido e sendo servido por estrangeiros que lhe diziam “numa língua gentia, palavras honoríficas e de louvor”. Na câmara de audiências do seu palácio flutuante, Montezuma observa o objeto amarrado na cabeça de uma ave, “grande como uma águia”, capturada por pescadores no lago Iztapalapa, que tanto impressionaria os conquistadores espanhóis, e que dividia em duas ilhas a sede da belíssima capital do seu império. Era um espelho, redondo e muito polido, onde se desenrolavam imagens miríficas de homens chegando em grupos armados, montados sobre bichos desconhecidos; enquanto o imperador se virava para perguntar o que era aquilo e qual o significado daquelas visões a seus astrólogos e sacerdotes, o pássaro desapareceu. A 8 de novembro de 1519, dia particularmente funesto na astrologia azteca, no qual nasciam mulheres loucas e nigromantes assassinos, os temidos Tepupuxaqueirichos, Cortês cruzava, à frente de pouco mais de 380 homens e 12 cavalos, a ponte que dava acesso a Tenochtitlan. Os nobres senhores de Tetzuco, Teotihuacan, Tlacopan, Iztapalapa e Coyoacan estavam ricamente vestidos, mas descalços, como símbolo da sumissão a Montezuma e aos estrangeiros que lhes explicaram que vinham em nome de um Deus maior que todos, ao qual obedecia o imperador que governava a Espanha, novo dono daquelas terras. Inquiriram então sobre tal senhor, dono de tantas terras, e desse Deus, tão grande que se dizia único, ao que Cortês, de bom grado, os instruiu na doutrina cristã. Quetzalcoatl, a quem Cortês se referia como Sua Majestade Carlos V, lhes mandava a mais estranha das mensagens: de agora em diante, deveriam abandonar os deuses que exigiam deles homens vivos como alimento, por um deus vivo que era comido em sacrifício pelos homens.

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