Perde-se na noite dos tempos a origem da noção de que participamos de dois mundos, um, material e captado pelos sentidos, outro, sutil e apenas acessível ao espírito. Platão entendia que no primeiro deles vivem os seres visíveis e, portanto, sujeitos às vicissitudes do nascimento e da morte, chamados por ele de Cópias (mimemas); estes, não passam de sombras dos seres ideais e imutáveis que vivem no mundo eterno dos Modelos (paradeigmatos).
O mesmo filósofo, porém, nos advertiu da existência de um terceiro gênero (triton genos) de seres, vivendo num mundo situado entre o espiritual superior e o reino de corrupção da matéria, ou entre o que é imediatamente percebido pelos sentidos e o que pede a mediação do inteligível ― uma realidade entre realidades, mas que não é estranha a nenhuma das outras.
A Khôra pode ser entendida como um lugar (topos), uma matriz, um receptáculo de marcas evanescentes ― diria que é um não-lugar que dá lugar e “coisidade” aos outros lugares e coisas. Não se pode compará-la a um substrato, um campo, tampouco a um espaço: Khôra é onde se assentam sítios e situações, podemos supô-la sem que seja representável (muito embora seja condição de toda representação). Ela não existe, mas é.
Estas considerações trazem associações com a comunicação, na qual, até mesmo em meio às metáforas inertes das falas ordinárias, intervém a autonomia arbitrária do significante. Como (re)produzir uma tal superfície virgem de recepção e ressonância, onde localizar este terceiro que espreita o discurso na relação incerta entre fala e linguagem? A tentação aqui é tornar homólogos o suporte pictográfico da representação e a primeiridade originária do informe, cuja liberdade divina não conhece limites.
O informe (amorphon) não guarda nada do que recebe e, por isso, tem de ser constantemente reinstaurado. Sendo o lugar dos lugares, Khôra se manifesta como “o que vem ao falar”, vale dizer, como região em que se inscrevem, ou ainda, o aspecto que tomam as coisas quando são faladas num dado local e momento. É nas sensações confusas que trazemos de quando a memória não alcança, que a linguagem reencontra a fonte e a força, sua figura e seu nome.
Espécie invisível, porta-traços destituído de propriedades, não atingimos Khôra mediados pela razão (logos), nem pela via direta da experiência estética, a alternativa mito-poética; é preciso um tipo de raciocínio híbrido (logismoi nothoi), um pensamento que tanto carece de lucidez, quanto se abre à profecia. Tamanha negatividade anacrônica ela comporta que mal lhe podemos dar crédito: seu discurso inaudível, as figuras (schemata) que engendra, se anunciam/enunciam como um sonho.
8 comentários:
Que coisa, o cara escrevendo grego num blog... hehe. E como se chega nessa khôra, como se forma, seria ela o vivo do morto que MV destacou no último post?
não sei bem pq, mas lembrei de um poema do Fernando Pessoa, que se reporta mais a vida que ao verbo. Devo ter lembrado pq tb não tem resposta.
" Tenho tanto sentimento
Que é freqüente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.
Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.
Qual porém é a verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar. "
ah, se não fosse a Ângela, como é que eu responderia a MV e Antonio Bento? Tks, amiga, no ponto!
“Falar é o modo mais simples de nos tornarmos desconhecidos” FP
“Então escrever é o modo de quem tem a palavra com isca: a palavra pescando o que não é palavra. Quando esta não-palavra morde a isca, alguma coisa se escreveu.”
quem sabe isso...
Platão sabia das coisas.
Greek and Windex...hahahaha
O QUE É WINDEX?
acho que é um limpa vidros americano
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