sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

sur

retalhos do corpo
a razão
ao norte
você
ao sul

nas curvas do baile
a teoria da batalha
naufraga
quando partem os pássaros
de amanhã

o dia aluado
alumia
o mapa
onde quero
mar

o flautista toca
flauta
e flutua
o ar
nos toca
e faz
flutuar

deusa do amor
por que tanto me dói
não saber
quem ama
o amor?

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Foto: João Menéres 2010

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

A MÍNIMA DIFERENÇA


ela faz o simples
eu, a simplificação

ela mata a pau
eu mostro a cobra

ela é flor de primavera
eu, ramas de chorão

eu choro baixinho
ela samba no talo

eu a fugir da raia
ela a dançar na chuva

eu aprendi a cair
ela, a arte da fuga

ela tem rock na alma
aumento o som, bato palmas

ela gargalha
enquanto emudeço

ela sangra luz
a Tupã agradeço

ela edifica nas nuvens
se ando desligado

ela abre bem as asas
quando encolho o rabo

eu sigo a lógica
ela inventa geometrias

eu fui taifeiro
ela já nasceu marina

ela, toda amor
eu, tudo a mil

eu, romã
ela, lima

eu rio
ela rima
________________

Foto: João Menéres 2010

domingo, 21 de fevereiro de 2010

conversa de café - A malandrice do Professor

Estava eu a ler o jornal, quando entraram o Hélder e o Rui.

- Senhora Felisberta, dois cafezinhos, se faz favor.

Sentaram-se na minha mesa.

- Então como é que foi a jantarada ontem?, perguntei eu ao Hélder.

Ele acabou de pôr o açúcar no café:

- Do melhor que há… ainda bem que o Francês decidiu abrir um restaurante. A mulher dele tem jeito prá coisa.

- E o que se come?

- Olha para começar o Prof. Pereira pediu umas entradas. Eu fiquei meio sem jeito, que não percebo nada dessas etiquetas e disse que podia ser igual para mim. E lá vieram as entradas.

Quando vi uns camarõezinhos até tive que engolir um suspiro. Já imaginaste se me traziam umas coxinhas de rã ou uns caracóis?

- Quanto às coxas de rã… nunca comi. Se calha até era capaz de provar. Agora os caracóis… Não me digas que nunca provaste?

- Nã… só de pensar naquela coisa gosmenta que eles deixam ao andar…

- Pois… eu já comi quando fui a Lisboa e bem que me souberam. Mas adiante… que mais…

- Depois é que foi o pior… Então, vocês estão a ver… Veio a moçita que trabalha lá a servir às mesas, tirou os pratinhos dos camarões mais os molhos e logo a seguir traz duas taças, uma em cada pratinho. Pôs uma ao Professor e outra à minha frente. Eu olhei para aquilo e o que é vejo? A mim parecia-me água… Água mesmo, sem mais nada! Nem tugi nem mugi! Continuei na conversa a ver o que é que ele fazia… Mas nada! Às tantas lá perdi a vergonha e perguntei-lhe se aquilo era alguma sopa francesa. Ele olhou para mim muito sério e perguntou-me se eu nunca tinha provado o consommé à francesa. Lá lhe disse que não, que nunca tinha provado esse tal de consommé ou lá como é que ele falou… Que eu de francês não percebo nada, como sabes. Ele então disse-me que era uma sopa refinada. Olhei para os talheres e como não vi nenhuma colher ia a chamar a empregada quando o Professor me disse:

- Hélder… o consommé bebe-se… Pega-se na taça e bebe-se.

- Oh Professor mas isto é bom?

- Ora prove e logo me dirá!

Eu pego na taça e, coisa estranha, estava fria.

- Então… vamos lá. Prove!

Lá dei um golito. Porra lá para o consommé! Aquilo sabia a água… água fria sem tempero nem nada… nem um grãozito de sal, nadinha! Águinha pura da torneira!

O Professor continuava a olhar para mim como se estivesse à espera que eu desse a minha sentença sobre aquela coisa. Lá me armei em fino e fui bebendo aos golitos… Ainda dei uns estalos de língua como se me estivesse a saber muito bem e tudo.

Quando acabei o Professor disse-me:

- Agora para preparar a boca para o próximo prato, você tem de chupar esses dois gomos de limão que estão aí nesse pratinho…

Quando o Hélder acabou de dizer isto, o Rui começa a rir a bandeiras despregadas no que foi seguido por mim e mais uns bacanos que estavam na mesa ao lado e também estavam interessados em saber como é que era o novo restaurante.

- Ó Hélder… o Prof. Pereira bem ta pregou!

- Que é que estás para aí a dizer?

- A água e o limão eram para lavares as mãos, para tirar o cheiro do marisco!

O Hélder ficou a olhar para ele.

- Ai o malandro do Professor! Por isso é que ele deu uma desculpa esfarrapada para não comer a dele!

sábado, 20 de fevereiro de 2010

adapte minha poesia a qualquer poperô


se você se fechar
não me deixe
pra fora


se acaso você chegar
a se encontrar
não fique me dando
perdido


se resolver se tatuar
não me apague
do seu fotolog


não sei ler seus silêncios
nem enxergo a noite
em modo de espera


jamais construí (as necessárias)
pontes
entre o nada e a mesquinhez
do meu medo


sei que toda a vida
provém da montanha

você me diz que palavras não são
tudo
mas é que
às vezes
gosto de ouvir você

dizer que me ama

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010





a professora, diante do piano, metriza o sexo das meninas: como o vigor do funk ofuscou as lições da penisneid, a servidão voluntária local achou por bem dar visibilidade de telão a moralistas sabujos

assim, o desfile de modelos famélicas se deve a `demanda dos estilistas´, segundo as agências, ou `é o que as agências apresentam´, retrucam os estilistas

DASDOIDA

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Mulher

Posted by Picasa
(foto retirada do Google- Roma )

domingo, 14 de fevereiro de 2010

WWW.VACILÃO.COM.BR

A Origem do Mundo de Gustave Courbet (1866)

Tinha trabalhado duro uma semana inteira, média de 15 horas por dia, com paradas de meia horinha pra engolir umas quentinhas nojentas. As pessoas associam logo a minha profissão com glamour, baladas incríveis, esse tipo de coisas; só que para nós, da produção, o espetáculo não é lazer, é pegar no pesado, é ter que entregar sem falhas e com prazo curto. Eu levo a sério o métier, não fico pagando de sou-amigo-de-artista.

Daí acabou. Domingão livre, ou quase, ainda ficamos para a passagem de som até duas da tarde. Calor da porra. O show era no Rio, daí que fomos pro Braga tomar uns chopes e apreciar o mulherio. Uma coisa foi levando à outra e achei que seria uma boa aceitar o convite pra colar numa balada no Morro Dona Marta. O resto da galera não topou, foram para um festival de tecno na Marina da Glória.

— O lugar é coisa fina, meu irmão, de dia é um mercado com várias lojinhas, de noite, vira um recinto de bailes, sambinha maneiro, funk, batidão... o que for. ‘Bora nessa?

Confesso: não sou de encarar essas paradas de festa no morro no Rio de Janeiro, mas fui na confiança. Exagerar nos tinguás dá nisso. — Como é que você falou que se chamava o lance, Suvaco do Cristo?...

— É, fica embaixo do Redentor, bem do lado do braço esquerdo do Cristo. Daí o nome de Suvaco do Cristo. Dá tempo de tomar um banho no flat e cair pra dentro. Amanhã voamos de volta, a gente merece um pouco de boa-vida, né não?

Fomos de táxi até ao pé do morro. Chegar não foi terror, a vibe do pedaço era mesmo muito boa, paz, gente bonita e uma noite fresca. Daí veio a surpresa, tinha um prédio com vários andares lá no meio da favela. Quem ia imaginar isso? Passamos através de um stand center e pegamos um elevador de porta pantográfica toda enferrujada. O elevador rangia um bocado, mas dava uma boa panorâmica de cada andar. Manguaçar com o estômago vazio dá nisso.

A subida era lenta e irresistível. Havia uma coisa diferente ali, era uma balada e também não era porque em cada andar a festa se misturava com a ocupação habitual das lojas. O primeiro andar parecia um grande salão de manicure normal, exceto pela quantidade de homens no ambiente. Logo depois vinha uma espécie de escritório ou tabelionato, onde havia alguns caras engravatados. Descemos no terceiro andar.

As divisórias baixas deixavam à mostra uma série de lojas de perucas. Havia de todos os tipos: louras, morenas, ruivas, lisas, permanentes e black power, masculinas e femininas, de cabelo natural, próteses, apliques, alongamentos, cílios; mas as que se destacavam eram as coloridas, as prateadas e douradas, de caslon. Não me senti muito à vontade em descer ali pela presença de travestis.

Dois deles(as?) conversavam do nosso lado. — Seguinte: se você quiser esconder o número do seu celular sem mudar as configurações é só fazer assim, ó, quadrado-trinta-e-um-o-número-e-quadrado... A de cabelo verde digitava no celular, o outro camarada se debruçava interessado.

— Mas como, quadrado?... ah, peguei, você quer dizer jogo-da-velha! Então liga aí pra mim: #31# 67 11 83 22... quero ver se não aparece o seu número.

Sinalizei para o meu amigo e ele entendeu, apontou com um gesto da cabeça para a escada que estava à nossa direita. Na muvuca das drags, perdi de vista o meu amigo, mas não desisti de dar o fora dali. Resolvi que o andar de cima valia uma visita. Lá, a iluminação de luz negra só deixava visíveis os frisos e colantes fosforescentes das paredes; das poucas pessoas que circulavam por ali só se lhes via os dentes. A minha camiseta branca brilhava.

Como se acompanhantes invisíveis estivessem me levando, fui na direção de uma sala sem porta, só com uma cortina de miçangas coloridas pendurada no limiar. Algumas daquelas contas cintilaram quando passei por elas; o show dentro do quarto era pornô. Uma mulher inteiramente nua estava deitada numa plataforma giratória, ou talvez fosse uma cadeira de dentista, não dava para ver direito naquele breu relativo.

Impossível enxergar o rosto da moça. Ela enfiava um dedo na xoxota com movimentos lentos e ritmados. Não se ouvia nada, sussurros, gemidos, nadica. Aproximei-me para ver melhor a cena, comecei a desconfiar de uma coisa. De dentro da xoxota vinha um brilho fraco, com a vista já mais acostumada ao escuro, pude ver as 3 letrinhas inconfundíveis: “www".

— Você percebeu agora? — Era o meu amigo que falava às minhas costas; tinha entrado sem que me desse conta.

— Mas que porra de brincadeira é esta? O que é que eu tinha de entender aqui?

— Calma bro, é só uma pegadinha, todas as pessoas que você viu neste edifício são atores. A garota é um robô. É de um site chamado “vacilão”, www.vacilão.com.br, sacou cara? É só zoação. Agora você ganha o direito de fazer o mesmo com outro amigo seu...

— Ah é, e como é que eu tenho que fazer para levar as pessoas para um lugar destes?

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

dou de Migué


se o meu mundo levitar
eu que aprenda
a cair em
si
(bem
ol)

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

ninguém manda no Amor




Pode o Amor perder na vida,

a nem todos é dado amar.

Quem domina a vida é a morte;

que vai a tudo e todos matar.

Mas não entra no coração a Morte

quando nele fez morada o Amor.

Manda na vida a Morte,
na Morte manda o Amor.




segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Lago Tianchi



Foto Silvia Michels
Posted by Picasa

domingo, 7 de fevereiro de 2010

capivaras





Andavam à solta nas chapadas
Se enfurnavam nas matas de buritizais
E chafurdavam nos riachos e nascentes
Cabeças de fora nas águas do Parnaíba


Pele ruiva, rabo curto, focinho arisco
Sobre a mesa um guisado de aromas
Que transmitia à cuia de farinha
E aos sabores dos fogões do sertão

Trempe no fogo, panela de ferro...
E hoje só te temos nas figuras rupestres
Que o homem primitivo conservou


Primitivos fomos nós que te fizemos em extinção...

(edmar oliveira)

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Pintura rupestre, símbolo da Fundação Museu do Homem Americano, São Raimundo Nonato, Piauí.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Dogen e o Portal da Agradável Tranqüilidade

Dogen Zenji (1200-1253) foi um dos principais reformadores da tradição budista japonesa, o Zen-budismo. Filho de aristocratas de Kyoto, viu-se órfão de pai e mãe muito cedo, decidindo tornar-se monge aos treze anos de idade.

O estudo das escrituras budistas logo lhe suscitou profundas indagações:
– Se a fonte do Caminho é universal e absoluta, por que distinguimos a prática da iluminação?
– O ensinamento supremo sendo livre, por que precisamos estudar os meios de atingi-lo?
– Já que o Caminho não se confunde com a delusão, por que então preocupar-se em eliminá-la?
– Se o Caminho está completamente presente onde se está, como é que poderíamos nos perder dele?

O jovem Dogen conseguiu convencer seu próprio mestre, Myozen, a empreender com ele uma viagem de peregrinação à China em busca de respostas. Assim que o navio em que viajavam aportou em terras chinesas, um velho subiu a bordo. O ancião era cozinheiro de um templo das redondezas e andava à procura de cogumelos para a refeição dos monges.

Dogen insistiu para que ele passasse a noite a bordo e repousasse, uma vez que a caminhada de volta ao templo era longa. O velho cozinheiro respondeu-lhe que seu trabalho era muito importante e não poderia ser adiado. Dogen perguntou-lhe se não havia no mosteiro quem o pudesse substituir, ao que ele lhe retorquiu dizendo que aquela era a tarefa que lhe cabia, se um outro a fizesse, o trabalho não seria mais seu.

Antes de se despedirem, Dogen ainda quis saber por que, em idade tão avançada, o cozinheiro ainda exercia uma atividade tão cansativa; ao que o idoso lhe disse que na resposta desta pergunta estava o verdadeiro significado dos ensinamentos de Buda.

Mestre e discípulo seguiram para o mosteiro de T’ien-t’ung-szu onde se devotaram intensamente à prática e aos estudos religiosos durante dois anos. Após este período, Dogen partiu em busca de novos ensinamentos que o conduzissem à experiência iluminada.

Nesta nova jornada, a qual empreendeu sozinho, encontrou diversas escolas do budismo chinês e ouviu a doutrina de muitos a quem consideravam sábios e Bodhisatvas, conhecendo os mais notáveis mestres daquele tempo. Seu desapontamento crescia à medida que viajava, pois que muitos destes mestres eram por demais ligados à vaidade e interesses mundanos.

Conheceu um renomado sábio que se dividia entre seus afazeres no templo e a corte de um poderoso senhor a quem servia na função de conselheiro; alguns destes falsos mestres chegavam a ter a ousadia de conferir o Selo do Darma em troca de favores e vantagens pessoais! Estava decidido a voltar ao Japão quando lhe chegou a notícia de que o grande e venerável mestre Ju-ching se tornara o superior do monastério de T’ien-t’ung-szu, onde passara os primeiros dois anos na China.

Resolveu retornar ao monastério acreditando que lá encontraria o seu verdadeiro mestre. Quando pôde conversar a sós com o líder espiritual ouviu as mais humildes palavras que um superior já lhe dirigira: a grande novidade não se encontrava ali, mas alhures, onde um monge que ele, Ju-ching, orientara finalmente atingira a ponte que leva diretamente à natureza-Buda.

Dogen foi informado que este irmão o aguardava ansiosamente porque sabia que não lhe restava muito tempo de vida. A linhagem do Zen é uma transmissão direta, face a face, de Buda a Buda, inquebrantável e suficiente. Não há nada a ser transmitido. Apenas Buda reconhece Buda.

No alto de uma montanha, num pomar de cerejeiras já quase sem flor o encontrou. E então Dogen se viu diante do velho monge cozinheiro. E compreendeu.

Não há dualismo, não há separação entre a vida diária e o Caminho.

O Buda que se ia estava sereno,
tranqüilo como um Dragão na água
ou um Tigre recostado na montanha.

O Buda que despertava
sentia-se enfim em casa,
no seu elemento natural

O Tranqüilo Estado de Liberdade Iluminada.




sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Estiagem


O último aborígene da Austrália
A vampira órfã da Suécia
O homem que não pode mais ser branco
Mas ainda não é índio

Os desperdiçados da Manchúria
O carabineiro de vigia
A pesquisadora isolada
No sertão do Piauí

O xamã que guarda seu segredo
A erva borbulhando na caneca
O inca que caminha sem esforço
Na encosta da montanha

O músico tocando na campina
Sem outra pessoa pra escutar
O homem cuja vida já termina
Meditando sobre o fim

O amor sulcado de estiagem
A mensagem que não tem resposta
O telefonema bate e volta
Sem você dizer alô

Os armários sem nenhuma roupa
A garagem sem o nosso carro
Quarto sala mesa telefone
Já não tem ninguém ali

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

a alegria maior ouvi na voz da tristeza

quarto de hotel de Edward Hopper

o zero não representa

o nada

uma vez que que o nada se

a presenta

o zero não é vazio

ou neutro

privação/plenitude

presença/ausência

o zero apenas indica o lugar

do buraco

o zero está ali para lembrar

que tudo

desconstrói interrompe falta

e que lá onde a falha está

nascem os deuses terremotos brota

maná