Numa quente noite de Verão, bem passada a uma da madrugada, descia uma das grandes avenidas de Lisboa.
Mãos nos bolsos, olhar despreocupado, pensamentos vagueando pelo nada.
A noite tropical trazia-me à pele lembranças de Angola… A falta de uma brisa, por pequena que fosse, os 26 graus, o silêncio… Se o ar fosse mais húmido julgar-me-ia andando pelas ruas do meu bairro de Luanda.
Tinha acabado de chegar do meu tempo de praia no Algarve. Já tinha perdido na memória a sensação de me ver tão moreno. Acho que quando fico assim o calor me produz uma doce sensação de bem-estar, quase impossível de traduzir por palavras.
Além disso, sentia-me cheio de energia e de vitalidade. O sol da praia e o nadar nas águas, por vezes geladas, de Loulé tinham recarregado as baterias para mais uma época de exames na faculdade.
Entrei no restaurante e procurei um lugar para me sentar ao balcão. Não queria demorar muito. Ainda queria dar mais um avanço na matéria.
Vi o João, colega de ano. Sentei-me ao lado dele.
Trocámos conversa de balcão… Patati-patátá… patati-patátá…
O garçon trouxe a lista mas pedi o habitual às terças… Era cliente certinho, tão certinho que até já conhecia de cor e salteado os pratos da casa.
Patati-patátá… Patati-patátá…
Quando me puseram o prato à frente, pedi um fino… O calor estava mesmo a pedir uma bebida geladinha.
Dei um gole e quando ia a pousar o copo… o meu olhar cruzou-se com o da pessoa que estava à minha frente.
Patati-patátá… patati-patátá…
De novo… Meu Deus! Que olhar…
Deixei de dar atenção ao patati-patátá do João.
Responder… eu respondia mas juro que não faço nem ideia do que dizia.
A cor… De que cor? Verdes? Não! Azuis? Não.
O olhar voltou a fixar-se no meu olhar…
Suave…
Doce…
Convite? Será…?
Patati-patátá… Patati-patátá
A pele muito morena… quase cor de cobre, a cor da minha perdição.
O penteado afro, muito fofinho e cheio…
O sorriso lindo, aberto… e
O olhar…
Suspensos ficámos durante… eu sei lá!
Patati-patátá… patati-patátá… O João falava e comia e falava e comia…
Eu… com o copo do fino numa mão… com o garfo na outra ia fazendo que comia…
Patati-patátá… patati-patátá…
O olhar… de novo…
eu só via os olhos… não conseguia desligar…
agarrado, preso…
e querendo continuar preso…
querendo que continuasse… mais… mais…
Patati-patátá… patati-patátá…
Pediu a conta… o empregado recebeu, fez o troco…
Levantou-se…
Patati-patátá… Patati-patátá…
Levantei-me sem pedir a conta e fui atrás daquele olhar…
5 comentários:
Estimulante!
Ainda bem que o João Patati... Patatá... estava lá para pagar a conta. :)
L.B.
Lídia,
ainda bem que gostou.
abs
ah, que maravilha, a beleza passa, nos cativa, e lá vamos nós atrás dela! em direção a quê?, sabemos lá, só sabemos que temos de ir ... bela José!
Missosso,
é...
ainda gostava de um dia entender como é que pode!
O que é que nos leva a ir?
abs
Gostei de reler e gostei mais ainda agora.
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