Aldeia dos Quatro Montes
7
A porta da rua entreabriu-se…
- Dão-me licença?
A Ti Joaquina, ao desviar o olhar para a entrada, derrubou a chávena do café…
- Ó Ti Zé, que raio de mania a sua… Entre, entre…
Enquanto a Ti Joaquina limpava o balcão, Maria voltou aos seus afazeres e Pedro sentou-se num dos bancos altos à espera que lhe fosse servido o café.
- Então Ti Zé como é que vai a vida?
- Queira desculpar a indelicadeza… Quem é o senhor?
- Não me diga que não me está a reconhecer?
-…
- Sou o Pedro…
- O filho do Salústrio…
- Ah!... Já estou a ver… O senhor Engenheiro…
A Ti Joaquina, que conhecia bem a peça, percebeu pelo tom de voz que o Ti Zé usara que não ia sair dali boa coisa.
- O mesmo de sempre?
- Sabe como é…
O Ti Zé era conhecido em 4 Montes pela nomeada de Ti Zé do Quartilho, já que era um apreciador de vinho tinto desde que lhe fosse servido na dose certa: um quartilho *… Nem mais, nem menos. Era a mania dele… Se não fosse um quartilho e se não fosse do tinto, nada feito!
- Ó Ti Zé, não me diga que ainda continua com essa mania?
- Saiba o senhor Engenheiro que esta mania tem cá a sua razão de ser… Mal comparado, e quem sou eu para falar dessas coisas, é como se o senhor Engenheiro mandasse fazer um cimento para uma parede e lhe deitasse menos areia que a medida certa… Se eu beber menos que a dose, cai-me mal… Lá está, o quartilho é a areia para o meu cimento!
A Ti Joaquina desatou à gargalhada.
- Ó Ti Zé… Areia é coisa que não lhe tem faltado!
- Pois… Ora faça o favor de botar aí mais um quartilho…
- O senhor Engenheiro veio de férias? Se bem me lembro estava lá para as Áfricas…
- Não… Vou cá passar uns tempos.
- Faz o senhor Engenheiro muito bem. O filho pródigo à casa torna!
Ao dizer isto, o Ti Zé deu uma piscadela de olho à Ti Joaquina.
- Olhe lá Ti Zé… Dê cá a sua garrafa. Já sei que quer levar mais um quartilho…
Enquanto media o vinho e, usando um funil, o vertia para a garrafa, Pedro despediu-se e prometeu voltar para o almoço.
- Bom rapaz… Pena é que tenha dado tão grande desgosto ao pai.
- Ó homem, que está para aí a dizer?
- Como se a senhora não soubesse… Aquele casamento com a negra de Angola…
- E que temos nós a ver com o coração de cada um? Se ele gostava dela!
- Ora essa…
- Ouça bem, Ti Zé… Agora isso não tem importância nenhuma que ela já cá não mora… Finou-se!
O Ti Zé olhou para ela. Benzeu-se, juntou as mãos como se fosse rezar, olhou para o tecto…
- Deus a tenha…
…….
A sala de refeições da Pensão Moderna abarrotava de clientes… Ao barulho das conversas juntava-se a azáfama das empregadas, duas, que tentavam satisfazer os pedidos.
- Ti Joaquina, duas sopas…
- Para quem?
- Para o Senhor Doutor Juiz…
- Maria, serve aí duas sopas. Vê lá se está bem quente!
Na mesa do canto, junto à janela que dava para o quintal, Ana Luísa e António Augusto desfrutavam a paisagem. Um céu azul como só no Outono se podia apreciar… As folhas que começavam a ganhar tons amarelados e alaranjados e que já cobriam partes da terra. Os talhões de couves e nabiças, perfeitamente alinhadas, como se tivessem sido plantadas a régua e esquadro… Encostadas a um tanque de pedra, uma dúzia de abóboras, das mais variadas cores e feitios, compunham o quadro.
- António Augusto, realmente você tem razão! O Outono é muito bonito!
* quartilho: antiga medida equivalente a meio litro
(Estória, em capítulos semanais, aos Domingos)
Aviso: qualquer semelhança com nomes ou situações reais será mera coincidência... Esta é uma obra de ficção, resultado da pouca imaginação do autor.
3 comentários:
Também gosto das cores do outono e da luminosidade mais amena que tem nessa época. Quem sabe daqui uns anos mais começo a apreciar mais o inverno...rs
Será que teremos muitos finais felizes ou muitos enroscados e embaraços nessas histórias todas?
Cara Angela,
como dizemos por aqui: "ainda a procissão vai no adro".
abs
ps: grato pelo coment
a coisa andou mal na vida do engenheiro...
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