domingo, 26 de dezembro de 2010

Aldeia dos 4 Montes - Cap. 21

Aldeia dos Quatro Montes




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21

Na sala de comer da Pensão Moderna a Ti Joaquina tinha feito uma mesa “à maneira de casa”. Queria com isto dizer que era como na casa dela, coisa de que mal se lembrava. Mas as memórias de Natal têm esta característica única e intransmissível. Com o passar dos anos vão ficando cada vez mais complexas e mais sofisticadas. Na mesa de Natal da Ti Joaquina ficava sempre uma cadeira vazia. Em memória daqueles que já não estavam presentes à mesa mas continuavam a marcar presença dentro do coração de cada um dos participantes na Consoada.
Salústrio e Pedro apresentaram-se, relativamente, cedo. Traziam as bebidas que haviam de acompanhar os tradicionais pratos de uma qualquer Consoada em 4 Montes.
A Ti Joaquina tinha preparado a massa dos sonhos e estava à espera de Pedro para os começar a fritar.
- Não demora nada e já tenho aqui uma meia-dúzia pronta a comer…
Maria tomou conta das garrafas que tinham abandonado o recato de uma estante resguardada do Café ArcoBotante.
- O senhor Engenheiro, com os sonhos, prefere…?
Salústrio não era de cerimónias.
- Ó rapariga… Eu cá vou começar pelos fritos. Abre aí essa garrafa de tinto do Douro…
A Ti Joaquina veio da cozinha com um prato de sonhos, douradinhos e ainda quentes, saídos da frigideira. Por cima deles, deitou uns fios de calda de açúcar, aromatizada com um pau de canela.
- Ora, prova lá…
Pedro pegou, à mão, num sonho e meteu-o à boca, de uma só vez.
- Bom!! Como sempre…
E, num ápice, desapareceram os outros sonhos…
- Se não fosse Consoada, não comia mais nada. Sentava-me ao lado do fogão e enchia-me deles!
- Havia de ser bonito! E quem comia o resto?
Ti Joaquina desandou em direcção à cozinha.
………
O Senhor Director alojava-se naquele hotel há já vários anos. Chagava sempre no dia de Consoada e saía dois ou três dias depois do Natal.
Era um dos poucos hotéis, naquela cidade, que servia uma ceia de Consoada.
No seu quarto, o Senhor Director tinha escolhido aquele canal de satélite que só dava música clássica.
Sentado num confortável sofá lia, compenetrado, o semanário que, devido ao feriado, tinha antecipado o dia de saída.
Na janela, os pingos grossos de chuva batiam com força, arrastados pela ventania.
O Senhor Director fixou o olhar no vidro. Acompanhou, por momentos, o fragor da chuva e do vento. Levantou-se e, ao aproximar-se, pode ver a rua… O movimento de carros e pessoas começava a diminuir. A grande maioria já estaria a chegar a casa para passar a noite com a família.
Estava na hora de fazer aquele maldito telefonema.
Todos os anos era a mesma chatice…
………
A Ti Joaquina sentou-se à cabeceira da mesa. Na ponta oposta, estava a cadeira que iria ficar vazia.
Maria veio da cozinha com uma grande travessa. O bacalhau fazia-se acompanhar pelas rabas, couves, cenoura, batatas e cebola, tudo cozido. Uns ovos, também cozidos, cortados ao meio, davam um toque de amarelo.
Salústrio fez questão de servir a dona da casa.
À mesa, além destes e de Pedro, sentava-se a Maria e a outra empregada da mercearia, acompanhada pelo marido.
Os pratos dos fritos ainda tinham uma boa quantidade de ovos verdes, filetes de polvo e pastéis de bacalhau.
Os copos estavam cheios de vinho tinto.
A conversa rolava solta e franca. Era sabido que os 4 Montanos apreciavam a boa mesa.
Depois do bacalhau, viria o polvo cozido. Tenrinho…
- Este tive de o mandar vir da Galiza… Nunca hei-de entender porque é que eles conseguem sempre ter polvo que é uma maravilha…
- Será do mar que é mais quente!, afirmou Salústrio.
Quem entrasse naquela sala, iria achar que, naquela mesa, estava uma família a consoar.
Salústrio aproveitou uma pausa, enquanto levantavam os pratos.
- Para acompanhar as rabanadas, trouxe aqui uma especialidade que sei que vai apreciar.
Pegou numa garrafa, sem rótulo, que desarrolhara antes de começarem a comer.
Com muito cuidado, serviu o cálice que estava em frente à Ti Joaquina.
- Vai fazer-me o favor de só provar depois de comer um bocadinho da rabanada.
A Ti Joaquina, assim fez.
Cortou um pedacinho de rabanada, ainda morna, meteu-o à boca .
Depois bebeu um golo daquele néctar, de cor rubi.
- Homem… Que isto é de estalo!! Bote cá mais…
E, à volta de rabanadas, sonhos, filhós, aletria e leite creme se foi passando a noite de Consoada.


(Estória, em capítulos, aos Domingos e Quartas)
Aviso: qualquer semelhança com nomes ou situações reais será mera coincidência... Esta é uma obra de ficção, resultado da pouca imaginação do autor.

4 comentários:

Lídia Borges disse...

Tem um cheirinho a passado... Uma espécie de regresso às origens que está no espírito daqueles que experimentam o cansaço do Natal de "plástico" que hoje se vive.

José Doutel Coroado disse...

Cara Lídia,
grato pela visita à "Aldeia" e pelo coment.
abs

filipe com i disse...

é pá, cá em casa também teve polvo! foi uma maravilha, te mando as fotos, agora, em 4 Montes, começamos a penetrar na vida de Ti Joaquina (gostei da cadeira vazia defronte e ela) e um lampejo da do Sr. Director. ah, e esse tinto do Salústrio?

José Doutel Coroado disse...

Caro Missosso,
mande essas imagens!
grato pelos coments.
abs