quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Aldeia dos 4 Montes - Cap. 22

Aldeia dos Quatro Montes




(se desejar ler os capítulos anteriores clique aqui)



22

Era certo e sabido que no dia de Natal o Ti Zé do Quartilho estava de ressaca. Ainda não eram nove da manhã e já ele batia à porta da Pensão Moderna. Ti Joaquina, que já estava a pé desde as sete, espreitou lá da porta da cozinha.
- Já lá vou…
Meteu a chave à fechadura e abriu a porta.
- Homem, então não sabe que hoje só abrimos às dez?
Não conseguiu resistir à cara de enfado do Ti Zé.
- Entre lá! Quer uma dose, não é?
- Sabe como é, minha senhora. Hoje, acordei, assim que a modos de… Olhe… Acordei um bocado mal disposto!
Ti Joaquina deu uma risada.
- Da pinga não será de certeza! Que o meu vinho é do bom!
- Pois… Lá terá sido qualquer coisa que me caiu mal… Mas, para grandes males, grandes remédios. Se não se importa…
- Dê cá o quartilho pr’ó encher!
Enquanto a Ti Joaquina aviava a dose de vinho, o Ti Zé manteve-se mudo e quieto, atento ao ruído que o líquido fazia ao cair na garrafa.
Mal se apanhou com ela na mão, meteu-a à boca e lá foi o meio litro goela abaixo.
- Ah! Estava cá com uma sede!
A Ti Joaquina olhou-o bem nos olhos.
- Homem, se assim continua qualquer dia destes bate a bota! Isso são lá modos de beber. Um quartilho de uma bezotada! Zuupa!
Ti Zé entregou-lhe a garrafa para mais uma dose.
- Vamos por partes: primeiro, nunca ouviu dizer que o álcool conserva? Ora, então… Se conserva, eu sou dos que mais irá durar! Segundo: se bater a bota também não se notará grande falta, a bem dizer, que é que cá ando a fazer?
- Tenha tento no que diz! A nossa hora não somos nós que a escolhemos. Mas isso não justifica todas as maluqueiras… Ó Ti Zé, já não está em idade de continuar com essa vida…
Deveria ser do espírito natalício. A Ti Joaquina lá pespegou ao coitado do Ti Zé o sermão que, de tempos a tempos, lhe pregava. Que qualquer dia ia parar ao hospital… Que não comia direito… Que não se agasalhava… Que se precisasse, viesse buscar umas roupitas que para lá tinha… Que tinha que comer melhor…
O Ti Zé ouvia… Com atenção, pois sabia que a senhora sempre o ajudava quando precisasse. E também por deferência. Não se desdenha de quem nos ampara…
Angélica bateu no vidro da porta e, logo de seguida, entreabriu-a.
- Pode-se entrar?
Ti Joaquina dirigiu-se a ela para a cumprimentar, com um beijinho em cada uma das faces.
- Ó Doutora… Hoje é dia de Natal! Que a traz por cá? Não me diga que a chamaram do Lar?
O Ti Zé aproveitou a ocasião para se raspar, de fininho.
- Vou andando…
Ficaram ambas a olhar para o coitado do homem. Mal saiu, o ar mais frio da rua provocou-lhe uns arrepios. E o balançar, de um lado para o outro do passeio, denotava o estado ébrio. Quase caiu ao descer do passeio…
- Não há meio de convencer este homem a ir para o Lar, disse Angélica. Ti Joaquina, ele era capaz de a ouvir se lhe dissesse…
De braços cruzados sobre o peito, a Ti Joaquina abanava a cabeça, com uma certa tristeza embebida no olhar.
- Não… O Ti Zé não é homem de ficar encafuado num Lar.
………
Salústrio nunca gostou de dormir até tarde, mesmo depois da noite de Consoada. Estava encostado ao balcão, a tomar um café. Já tinha limpo tudo e preparado as coisas para atender a freguesia que haveria de começar a aparecer antes da missa. Missa de Natal sempre dava azo a que menos gente faltasse ao dever da missa semanal.
Enquanto, tomava o café, pôs-se a pensar no Pedro. Até agora, nem se tinha atrevido a perguntar ao filho o que é que pensava fazer… Se iria ficar por 4 Montes ou se voltaria a procurar emprego lá na cidade grande… Mas, se ele não lhe dissesse nada até ao final do ano, estava a pensar meter conversa sobre o assunto…
Não se arriscaria a que Pedro ficasse muito tempo sem ocupação. Aquela cabecinha não podia ficar desocupada, se não a possibilidade de se meter em alhadas aumentava a cada semana que passasse.
Acabou o café, passou a chávena por um fio de água e meteu-a na máquina de lavar.
Ficou encostado ao balcão, a olhar lá para fora, para a Praça e para a Igreja. Daí a nada, tocou o sino…
Dlão… dlão… dlão…


(Estória, em capítulos, aos Domingos e Quartas)
Aviso: qualquer semelhança com nomes ou situações reais será mera coincidência... Esta é uma obra de ficção, resultado da pouca imaginação do autor.

3 comentários:

Maria Helena disse...

José passando para lhe desejar uma alegre passagem de ano, e que sua energia de 2011 seja ainda mais criativa, que mais lembranças lhe ocorram transformando em linhas de palavras belas, preenchendo a mente de quem o lê em realidade viva e sensorial. Tudo é um aprendizado, e gosto de aprender com você. Paz e Luz!

José Doutel Coroado disse...

Cara Maria Helena,
grato pela visita e pelo coment.
Bom Ano!
abs

filipe com i disse...

pois eu concordo / o Ti Zé: um quartilho do bom tinto espanta a ressaca que é uma pomada! rsrs