sexta-feira, 31 de outubro de 2008
♀ VIDENTE ♂
segunda-feira, 27 de outubro de 2008
amar e amar e amar e
Foto do espetáculo “Nó” de Deborah Colker
“Ouk ésti aploûn oude tó páskhein, allá to mén phthorá tis hypó tou enantíon, to dé sotéría mâllon hypó tou entelekheía óntos tou dynámei óntos kai omoíon” (Aristóteles, De anima, 417b).
“Certamente, sofrer/ padecer (πάσχειν) não é simples, por um lado, está sob o efeito da destruição/ sedução (φθορά) determinada pela adversidade, por outro, supõe a conservação/ liberação (σωτηρία) do ser em potência pelo ser em ato que se lhe assemelha”.
domingo, 26 de outubro de 2008
Minh bich tinh pirdid e já ficou co vid
eu misér tem curtin
ilôt tem cumen barrig chê
assim tinh pensam
eu já fez grand pecad
já deu pándig pu eu cumê e bebê
quand minh bôls ficou vaziu
vós num papiá par mim
fazê vós criad
e tud minh atli putli é d’ós
(dialeto Indo-Português de Damão)
Tradução:
Meu filho estava perdido, mas voltou com vida
misérias tenho curtido
outros comem e têm a barriga cheia
assim vinha pensando,
já cometi grandes pecados
vivi na pândega, comendo e bebendo,
até que fiquei de bolsos vazios
vocês não me ralhem
fazei de mim vosso criado
e ficai com todos os meus trastes
sexta-feira, 24 de outubro de 2008
no turno da noite ― nas nossas veias acende-se um raio de luz
Libertei o sonho onde durmo, onde
nos teus olhos ilíricos
o nascimento e a morte acumulam
seu contágio
Superfície de encantos esquecidos
logo que descobertos
felicidade dos pequenos mundos
que há em almoxarifados e quartos de despejo
não separei nada:
luz, calor, dobras da ausência
ou a boca que sobe para a sua verdade
nem a agulha, forte como uma espada,
corri para a noite em que nos unimos
a noite arreganhada-agônica
numa luta suave e louca
a noite que humilha
a noite que cava desesperos
e solidão
e futuro
e o sol batendo à porta
fechando as asas
fluindo a carne doce da primavera
a nossa luz sustenta o vazio (que sustenta o desejo)
que sustenta a liberdade que o amor sustenta
quinta-feira, 23 de outubro de 2008
Sair da cena – o amor em Agostinho
Não sei da paciência do leitor para aprofundar uma questão, mas, aproveitei a noite impossível de dormir para repetir uma: tudo bem, os εiδος de Aristóteles, species em são Tomás, são como idéias platônicas, só que nesse mundo mesmo. Mas, o que significa afirmar, como Heidegger não se cansa, que o εiδος é a lembrança do ser? e o que é o ser?
Vamos aos poucos. Pode-se pensar o εiδος, posto que ele tem tudo a ver com a visão, como um ver-como (veja o Wittgenstein de Giannotti). Isso significa que o εiδος não é, apenas, o que é visto, nem mesmo ele é nossa capacidade de visão, o εiδος mostra como ver algo. Para Aristóteles, ele é eterno, como as idéias de Platão. Ou seja, uma vez que aprendemos a ver-como o εiδος nos mostra, podemos sempre ver daquela forma. Ainda segundo Aristóteles, o ser é potência, e, como tal, traz em si a perspectiva do negativo, do não-ser, do desaparecer. Ora, um εiδος que me aparece, mas que está em ligação permanente com um desaparecer em potência, não faz a apologia da imagem, faz a apologia do ver-como. Não é que o εiδος lembra o estrangeiro que volta à caverna, só que bem recebido.
o lençol em dia de domingo com sol, a comer papinha de bebê e a chorar ouvindo Billie Holiday. Como εiδος, Agostinho não nos prende a sua própria imagem, ele semeia minha memória com os aspectos da amizade.
servidão
Alair é de desmiliguir
ele tampa o nariz
e respira fundo
Caio a caminho do inferno
confere o recibo do banco
quarta-feira, 22 de outubro de 2008
para conhecer o gosto da pêra é preciso comê-la
qual verdade
a minha mentira invoca
como garantia imanente?
quem é esse
ao qual estou grudado mais que ao meu corpo
mais que a mim mesmo
cimento/cemitério dos entes que me parasitam
do qual testemunham meus fetiches, calundus, covardias,
minha persona precariamente civilizada?
quem morre?
pergunta o verdureiro
aquele que usa máquinas
e é máquina em suas obras
tem coração de máquina
(por isso) perdeu a simplicidade
o que quer dizer
pensar?
se for não ter ainda desaparecido, digo que:
o meu desaparecimento é pior que todos os outros
(...)
a vizinhança com o ser
é apenas o parentesco mais radical
a dialética dos falsos objetivos
nega
que a ordem e a conexão das idéias
espelha
o caos e a dissolução
das coisas
Quem fala?
pergunta-fundamento
pressuposto político
revelação
ato de fé
daquele que mora
no Tao
auto-reflexão, ambigüidade, contradição: as mais belas faculdades da inteligência
esfumaturas tonais, apojaturas da voz, intensidades
colorísticas, concreções/rarefações, tempos em rubato,
variantes facultativas, gestos sonoros, traços
supra-segmentares, vibratos/sustenidos, inflexões
mímicas
o discurso não vem das palavras
nem elas estariam, dóceis, à sua espera
no aconchego dos dicionários, gramáticas, breviários de conjugação
no contrapelo da quietude
são as palavras que nascem do discurso
o pensamento já existia
antes da luz
ornado de ídolos, vestido de afetos
código perdido
de um falante nascido
mudo
a linguagem se esclarece por si mesma
sistema de sucessivos sistemas
de convenções
que se explicam uma às outras
Aspectos (εiδος) do mundo
“Com certeza, ainda hoje se costuma fixar a relação histórica entre Platão e Aristóteles por meio da seguinte explicação que recebeu múltiplas modificações: diferentemente de Platão, que considerava as ‘idéias’ como o ‘verdadeiramente ente’, enquanto só deixava vigorar o ente singularizado como aparentemente ente (simulacros - εiδōλον), degradando-o ao nível daquilo que não deveria se chamar propriamente um ente (não-ser - μē óν), Aristóteles arrancou as ‘idéias’ que pairavam no ar de seu ‘lugar supraceleste’ e as enraizou nas coisas efetivamente reais. Com isso, Aristóteles transformou as ‘idéias’ em ‘formas’ (aspectos - εiδος) e concebeu essas ‘formas’ como ‘energias’ e ‘forças’, que estão domiciliadas no ente” {Heidegger, Nietzsche, vol. II, p. 314}.
"As coisas estão no mundo só que eu preciso aprender". Paulinho da Viola
A coisa é assim. Você não sabe que tem uma potência até que alguém te mostra um aspecto dela. Por exemplo, na amizade,
o abraço é um aspecto. O abraço é um ato, é um fazer – que os gregos chamam de poieîn, como a poesia. Antes do aspecto, temos sensações e percepções que entram pelos nossos poros, mas não provocam movimento, não animam, não geram vida, porque não tem onde e como serem represados. Enfim, o aspecto nos liga à potência da amizade, donde podem ser poetizados outros tantos aspectos, infinitamente. Para Platão, os aspectos estão nos céus. Para Aristóteles e Paulinho da Viola, os aspectos estão no mundo mesmo, mas é duro aprender.
terça-feira, 21 de outubro de 2008
domingo, 19 de outubro de 2008
iguaria canibal
Eu poderia ter sido qualquer pessoa, menos eu mesmo. É difícil explicar isso, assim, sem meias tintas, mas é que não foi fácil ter nascido com um destino tão especial. Pode-se nascer debaixo de estrelas boas ou de estrelas ruins, são coisas que sucedem. Qualquer uma mesmo serviria, qualquer outra vida, menos talvez ser piolho. Detestaria ficar pegado em algo como cabelo, me alimentar de restos de cabelo ou ficar chupando sangue ― isso nunca! Posso dizer que toda minha vida lutei para não me tornar um inseto, fora isso, teria topado de tudo. Começou bem cedo esse negócio de ver o Olho por todos os lados; lembro que era bem garoto ainda e tinha convulsões. Começava com dor de ouvido (tinha muitas infecções de ouvido), depois vinham os febrões, febres altas que me deixavam de cama achando que ia morrer. Às vezes dormia no hospital, essas eram as piores noites. Um dia acordei de uma dessas febres, ou não, vai saber, e lá estava ele: desenhado na parede, bem grande. Não fazia nada, nunca fez nada, a não ser ficar lá, parado, sem piscar nem virar para os lados. Um Olho gigante, parado, estalado em cima de mim. Depois de umas decepções, percebi que não devia falar dele com ninguém, ninguém leva na boa, além do quê, o que os outros podiam fazer? Dei de achar que era diferente dos outros, aquela coisa atraía e enojava, tá certo, mas era só minha comigo. Comecei a entender que todo bicho que a gente come, a gente não fica sabendo o que fazem com os olhos: vaca, cabrito, ovelha, frango... Só os peixes vão pra mesa inteiros, os porcos também, às vezes. Foi quando deixei de gostar de multidões, que me recordam nuvens de moscas ou como que um rebanho de olhos; sempre tenho a sensação que as multidões se juntam atrás de sangue e isso não posso aceitar. Daí que procuro trabalhos em que possa quedar sozinho, sem inimigo rumor, que não me venha ninguém bisbilhotar minhas funções. Outro ponto: odeio câmeras de vigilância. Esses aparelhinhos me dão nervoso, os outros nem ligam, se acostumaram já, parece que. “As imagens ficarão arquivadas, sendo de uso privado e sigiloso”. Uma ova! Humilhação danada e ninguém dá por ela. Ou faz que não atenta. Um desses dias sonhei pesadelo que pegava um facão e lenhava o pé de tamarindo da casa de minha tia ― o tamarineiro gemia como coisa viva. Daí não era mais árvore, mas gente, uma mulher desconhecida se esvaindo; saí correndo dali, corri, corri, me escondi na floresta, só que aí a lua tinha virado o Olho e não me dava sossego, então corri para o mar e nadei para o fundo e lá veio um peixe que me engoliu. Às vezes penso que a moça devia ser polícia ou coisa que o valha, muitas vezes pergunto: será se tenho problema de consciência?
sexta-feira, 17 de outubro de 2008
APORIAS DE UM REAL SEM FISSURAS (resposta a P.H.)
Sem a introdução de algum tipo de descontinuidade, espaço e tempo tornam-se conceitos extremamente problemáticos, se absolutizam, chegando ao ponto de ficar incompatíveis com a realidade observada. A escola de Eléa, fundada por Parmênides, abre esta profunda crise no pensamento grego*; os célebres paradoxos de Zenon são as ilustrações alegóricas deste impasse. Num universo em que o número, a matéria e o espaço/tempo fossem infinitamente divisíveis, Aquiles jamais poderia alcançar a tartaruga ou a flecha atingir seu alvo.
Várias são as saídas propostas. Heráclito opta pela impermanência radical: o mundo, como ele o vê, é um brincar infantil sem fim, sem repouso, sem um objetivo outro que não o fluxo perpétuo e sem retorno. No entanto, é preciso dar conta justamente deste vir-a-ser dos seres e das coisas, e assim é que os atomistas (Leucipo e Demócrito) introduzem na completude do Ser parmenidiano a fundamental noção de VÁCUO ― o que faz sentido porque, sem o vazio entre os átomos, o movimento seria impossível
Tudo estaria muito bem e muito bom não fosse o problema do infinito: uma vez assumida a perspectiva materialista, é preciso que cada coisa remeta a uma causa, um antecedente necessariamente material; logo, os átomos vêm de onde? Aristóteles imagina um Motor Primeiro (primum mobile) que estaria na origem de tudo que existe, porém, este primeiro elo da corrente da causação estaria fora do tempo e do espaço que, desta maneira, existiriam desde sempre e para sempre. Alguma coisa ainda parece torta.
Mais complexa é a alternativa de Platão, para quem o movimento e o devir que caracterizam as coisas à nossa volta, nada mais representam do que queda, decadência e corrupção do substrato; na verdadeira realidade, que se estende para além das sombras que percebemos, no mundo das Idéias, reina a imutável perfeição do que é eterno.
* Na verdade, esta é uma crise que começa antes, quando Pitágoras e seus discípulos descobrem os números irracionais, i.e., números que não resultam de uma proporção entre inteiros, como a diagonal de um quadrado qualquer. O conceito de infinito, que ainda levaria mais de dois milênios para ser matematicamente formalizado, faz sua entrada no terreno da especulação filosófica ao se descobrir que, entre dois números finitos quaisquer, há uma infinitude de números irracionais. Mais tarde, também Arquimedes procura evitar a questão quando desenvolve o seu método exaustivo (inscrição de polígonos regulares) para calcular a área das circunferências.
só me encontro quando de mim fujo ― o marinheiro camponês
o mundo é gaiola
quadrilonga
pendente de um prego
(ao se tornar história
as pessoas reinventam seus pequenos códigos
inadmitidos no passado
quarto sem janelas
habitação de enredos e mentiras)
Conhecer é estar sempre migrando
por diferentes partes de uma cidade
que não se pode nunca conhecer
completamente
Mas sei que sonho é trabalho do tempo
é coisa ilusão
desde pequenininho que sou medroso
tinha medo alma
agora medo vivo
Neste caderno eu conto
coisa passada em minha vida
como na época não era retratista
colo figurinhas
cada figurinha representa
uma tristeza que comigo morava
as palavras nunca ficam satisfeitas
com o que são
e onde estão
quarta-feira, 15 de outubro de 2008
sem poesia não se faz nem a mais reles suruba (cafuné na cabeça, malandro, eu quero até de macaco)
Desenho de I.C.
toda mulher é meio lola
sob hipocrisias medulares
a esbórnia matinal da vida
toda mulher é do mundo
as mil estilhas cintilantes
das palavras e das bombas
toda mulher quer ser feliz
e
gostaria de andar nua
por dentro e por fora
é preciso deseducar (se)
senão as coisas se perdem dentro da gente
ficam sepultadas
ou saem na urina e no cocô
se a tua alma não fosse um corpo
eu gritaria do fundo da noite dos teus cabelos-névoa
ou da tua boca, que é um berço, onde torpe navego
pelo teu dorso, longo pelo ao vento
no leito do teu sexo, escuro como as paixões serôdias
segunda-feira, 13 de outubro de 2008
TUDO PODERIA TER SIDO DIFERENTE (?)
“Na vida histórica tudo está carregado de bastardia, como se ela mesma entrasse essencialmente na fecundação de processos espirituais maiores.”
Jacob Burckhardt
Persépolis, ano 480 antes de Cristo. Esta manhã há no ar a incrível fragrância das rosas do Paraíso e também as inúteis perguntas: haverá guerra, fome, crises, pestes, catástrofes? Desde então poucas coisas mudaram, no entanto, espíritos recalcitrantes e amigos das especulações ociosas ainda se perguntam como é que tudo poderia ter sido se...
Xerxes convoca uma assembléia de nobres, generais e altos dignitários persas para decidir os rumos da expansão do Império. Há dez anos os gregos estão atravessados na garganta dos medo-persas. O pêndulo das opiniões se inclina na direção do poente: todos concordam que a Grécia deve ser o alvo, Dario precisa ser vingado. Artábanos, tio de Xerxes é a única voz dissonante entre os que tomam a palavra.
A posteriori, mesmo o aleatório, o irracional e o incongruente ganham feições regulares, marcadas seja por uma determinação férrea, seja por uma necessidade incontornável. Retrospectivamente, pode-se atribuir exatamente o que escapava aos atores e ao placo dos acontecimentos: unidade no tempo e no espaço ― a trama e o texto grandiosos dos grandes momentos. O finalismo na história acomoda fatos e eventos heteróclitos e/ou desconexos da vida de indivíduos e povos em rumos predeterminados, submetendo o acidental ao universal, o capricho ao desígnio consciente, o acaso cego ao destino manifesto.
Durante aquela noite o rei sonha com um homem “alto e belo” que o incita a ir à guerra. Seria a alma de seu pai, ou o emissário de algum deus? Xerxes chama Artábanos a seus aposentos e lhe conta o sonho, ao que este lhe responde com espantosa presciência: “os sonhos que, errantes, vêm obsedar os homens, não são enviados pelos deuses; aquilo que em geral nos vem obsedar em sonhos sob a forma de visões é aquilo em que pensamos durante o dia.”
O monarca hesita, talvez fosse melhor tomar o rumo do Oriente, onde as conquistas seriam porventura mais fáceis. Na noite seguinte o mesmo homem lhe aparece e, furioso, o ameaça com a ruína se não fizer guerra aos gregos. Assustado, mas ainda em dúvida, chama novamente Artábanos que desta vez lhe propõe um estratagema: dormiria na cama do rei vestido como ele e, caso se tratasse de um fantasma maligno e não de um ser divino, haveriam de enganá-lo.
O sonho se repetiu. A guerra e a derrota persa também. Há homens que não repetem acordados a sabedoria que em sonho manifestam; menos comum é o caso contrário. Os créditos da vitória colheu-os a orgulhosa Atenas que, inebriada com seu próprio esplendor, se auto-intitulou de “Escola da Hélade”. A hybris ateniense custou-lhe tudo: usurpar o tesouro da Liga de Delos para embelezar a cidade foi o gatilho da Guerra do Peloponeso (430-421 e 415-404 a.C.), que acelerou a decadência da civilização helênica.
Passa-se um século até que os macedônios, vindos da periferia do mundo helênico, retomam o sonho ático de grandeza. Tendo seu pai unificado as cidades-estado, Alexandre, o Grande, volta-se então na direção da Pérsia, o inteiramente outro da Grécia, e constrói um império efêmero que vai do Egito ao Indo. Ocorre que nesta época o que os povos ocidentais aos gregos mais ansiavam era segurança e unidade, o que o império macedônico oferecia com vantagens: construção de cidades, legados institucionais e culturais e, de quebra, TOLERÂNCIA RELIGIOSA.
Há evidências de que Alexandre tinha planos para o Mediterrâneo, p.ex., no Egito, onde mais foi aclamado do que conquistou, fundou uma de muitas Alexandrias e lá instalou a dinastia dos Ptolomeus (a mesma de Cleópatra), na Palestina, instalou colônias sírias (mais tarde expulsas por Judas Macabeu) ― mas o fato é que a sua bússola apontou para Oeste, ao contrário de Xerxes. Houvesse ido na direção oposta e nosso exercício de possibilidades começaria por imaginar um mundo em que as condições iniciais de expansão e desenvolvimento do Império Romano não existissem...
Caso os romanos não tivessem prevalecido na região mediterrânea, teriam os judeus sido abarcados numa satrápia mais tolerante com sua peculiar religião? Teriam as revoltas da Judéia, como as de 65-70 d.C., sido reprimidas com a violência que os romanos empregaram? Poderia o Cristo não ter sido crucificado? Se este tivesse sido o caso, podemos nos sentir tentados a pensar que seus discípulos, não necessitando da assimilação romana, não teriam distorcido os fatos de modo a culpar os judeus pela morte do Messias (motivo de shoahs, pogroms e inquisições sem fim).
Jesus, filho de uma adolescente grávida e de um carpinteiro, não seria um mártir; o Filho do Homem não precisaria lavar nossos pecados com o seu sangue e ainda assim deixaria um exemplo de caridade e sua palavra teria a mesma força redentora. Mistificando a morte do seu profeta, os cristãos criaram um pastiche da eleição do povo de Israel com a dominação romana: uma fé militante combinada a uma vocação de universalidade fundada na intolerância ao ‘Outro’ ― o bárbaro, o não batizado, o não convertido, o infiel.
Quem sabe então as grandes religiões monoteístas falassem menos do Deus morto, guerreiro, vingador, mas daquele que acolhe, consola e perdoa ― quem sabe a religião deixasse de servir de justificativa para odiar, temer e explorar os ha goyim (outras nações) ou motivo para guerras santas (jihads)?
Jerusalém, 33 d.C., Jesus vê na moeda o perfil de César, mas... e se fosse o de Alexandre?
Póros dos caminhos
Para os atomistas Leucipo e Demócrito, existem infinitos átomos
“Se algo possui ‘em potência’ certas características e ‘em ato’ outras, não pode sofrer naturalmente uma paixão numa de suas partes e noutra não (...) Assim se poderia falar, com mais precisão, dos caminhos/ passagens (póros)” {Aristóteles, Do que vem e o do que vai, 326b}.
Do laço entre o ato e a potência, entre o visível e o invisível, cria-se a passagem. Platão não acreditava na existência do vazio. Isso é bem triste, significa dizer que o infinito não dá as caras por aqui,
sábado, 11 de outubro de 2008
dois céus, um claro círculo
o guerreiro
e o carpinteiro
afiam os seus instrumentos de trabalho
o mestre de artes e ofícios
caminha à frente do estudante
aquele que atinge o Caminho
vê o Caminho em tudo
pena e espada
de comum acordo
+
aceitação resoluta da morte
‘vento’ é um nome para ‘estilo’
Nada, ou Vazio, é o nome da natureza ilusória das coisas terrenas
seja qual for o Caminho
não se pode apontar o que está visível
não há portal
nem interior
e então você começará a pensar nas coisas
com amplitude e discernimento
e a entender o Nada como o Caminho
sob este ângulo mais aberto
verá o Caminho como o Nada
sem o mal
sem virtude
sem existência
o espírito é vazio
quarta-feira, 8 de outubro de 2008
aplique na região afetada
eclipse
lua amarela
possui numa noite à vir
um teto celestial
com um sorriso verdemente amarelo.
Nuvens no céu do alvorecer
parecem algodões a favor do vento
no claro escuramente céu
da noite domando o dia
com a saída do Sol
a lua é o “astro-rainha”
na noite das súditas estrelas.
O que seria da Lua?
Se não fosse o Sol a brilhar
na sua face escura.
Ao olhar para o céu
de dia não posso ver o Sol
cegar-me-ia
de noite exaltesso a Lua
embelezar-me-á
A vida das paixões humanas...
Receber é doar – a fenomenologia da confissão
“Amamos aqueles que não fazem pose para nós, e que até nos confessam suas impudências” (Aristóteles, Retórica, 1381b).
“Quando Agostinho (se) pergunta, quando pergunta, na verdade, a Deus e já aos seus leitores, por que ele se confessa a Deus, dado que Este sabe tudo, a resposta evidencia que o essencial da confissão ou do testemunho não consiste em uma experiência de conhecimento. Seu ato não se reduz a informar, a ensinar, a anunciar. (...) Nada tem a ver com o saber – enquanto tal. Enquanto ato de caridade, amor e amizade em Cristo, destina-se a Deus e às criaturas, ao Pai e aos irmãos para ‘excitar’ o amor, para aumentar um afeto, o amor, entre eles, entre nós” (Derrida, Salvo o nome, p. 13-4).
Aquele que confessa está a testemunhar o seu próprio amor. Apresenta-se nu, sem dissimulações, sem querer ser amado por isso ou aquilo.
Aquele que escuta está a receber esse amor, não uma informação. Aceita participar dessa relação carnal das palavras, sua escuta é uma doação de amor.
Você confessa, escuta, confessa, mas a pessoa volta à dissimulação. Que se pode fazer, senão, esperar outra escuta, como fez Rousseau, aquele que, em suas Confissões, inventou o romantismo.
segunda-feira, 6 de outubro de 2008
esvazia (o conteúdo da) mente
domingo, 5 de outubro de 2008
a forma mais perfeita de eleger
No antigo Gabão, país da costa ocidental da África, assim eram escolhidos os reis no século XIX, a darmos crédito ao viajante Du Chaillu:
1. Rei morto, gritos e lamúrias por 6 dias em todo o reino.
2. No segundo dia, o rei é sepultado em segredo pelos anciãos da tribo.
3. Durante o luto, os anciãos escolhem o novo rei, também secretamente.
4. No sétimo dia a escolha é comunicada a todos, menos ao escolhido.
5. O povão precipita-se sobre o futuro rei de surpresa e cobre-o de porrada, excrementos e palavrões dizendo-lhe: AINDA NÃO ÉS NOSSO REI, PODEMOS AINDA FAZER DE TI O QUE QUISERMOS; DEPOIS TEREMOS DE TE OBEDECER.
6. O novo rei precisa sobreviver à tunda e, além do mais, a tudo suportar sem dar pio e com um sorriso de resignação no rosto.
7. Os anciãos fazem a investidura do novo régulo dizendo: AGORA ÉS O NOSSO REI, PROMETEMOS QUE TE OUVIREMOS E OBEDECEREMOS.
8. O populacho repete as palavras, o rei é cingido por uma túnica púrpura e coroado com uma cartola, passando a reger com o mesmo nome do rei anterior.
9. Começa então uma indescritível comilança e bestial bebedeira que dura 6 dias, durante os quais a casa real é invadida por todos os súditos que comem e bebem à custa do soberano, que a todos deve receber com cortesia e gentileza.
sábado, 4 de outubro de 2008
Sem Meta é a Alquimia da Deusa
cOm NóIs Tá KEm kÉ,
cOnTrA nÓis, Kem pUdÉ!
como será produzida a atitude
de respeito ao prazer?
quando houver rios,
destruiremos os diques
para as árvores frutíferas,
serei enxerto
onde estão os veículos,
artérias, pontes e overdrives
sempre que existir consenso,
sedição
e que a vontade de potência
seja natureza inerte ou vida orgânica
especulação para os hereges, teologia para os ortodoxos
mas a poeira da pétala da rosa pertence ao coração do vendedor de perfumes
quinta-feira, 2 de outubro de 2008
Existe de não
“Der Tod, wenn wir jene Unwirklichkeit so nennen wollen, ist das Furchtbarste, und das Todte festzuhalten, das, was die gröszte Kraft erfordert. Die kraftlose Schönheit haszt den Verstand, weil er ihr diesz zumuthet, was sie nicht vermag. Aber nicht das Leben, das sich vor dem Tode scheut und von der Verwüstung rein bewahrt, sondern das ihn erträgt und in ihm sich erhält, ist das Leben des Geistes.”
“A morte, se assim quisermos chamar o que existe de não, é o mais assustador. Aparar o morto requer uma força enorme. A polidez enfraquecida sente-se incapaz e odeia o que a espontaneidade lhe cobra. Mas a vida que se atemoriza ante a morte e se mantém pura da desolação, não é a vida do espírito, pois esta ampara a morte e nela (desse não) se abasta.” {Hegel, Fenomenologia do espírito, § 32}.