Sim, houve um tempo em que uma mulher podia se chamar Odete ― e isto sem prejuízo da sua vida amorosa e sem bullying na escola ―; havia, como hoje ainda há, embora menos, aquela mania de usar a mesma letra para dar nome a todos os filhos. Outros tempos, outros costumes. E também a quantidade de filhos era outra, por exemplo, Dna. Odete, católica apostólica e romana, moradora da Vila Maria, eleitora do Adhemar, do Jânio, do Maluf, do Cunha Bueno e do Collor, era a terceira de cinco irmãos: Oldemário, Olinda, Odete, Onésimo e Onilda. Ninguém merece.
Dna. Nicinha, mãe de Dna. Odete, nasceu, viveu, casou, teve seus cinco filhos em casa e findou seus dias sem nunca ter saído de Brumadinho. Mesmo antes de enviuvar, Dna. Nicinha já criava uma gataria numerosa no pied-à-terre onde passou toda a sua vida de casada. Olinda e Onésimo, que moravam com a mãe, decidiram livrar-se do gatil depois que Deus a levou em Seus braços. Dna. Odete ficou com o Tareco, um macho cinza-almiscarado, caçador e benquisto entre as bichanas da região. Devidamente capado, tratado e gorducho, Tareco se adaptou à maravilha ao ritmo paulistano.
O mundo gira e a Lusitana roda, passam-se os anos e Dna. Odete volta a Brumadinho com o Tareco na gaiolinha. Despachado por avião, assim como a dona, lá se vão eles para um reencontro familiar; a viagem não é curta: avião até Belo Horizonte e ônibus ou van por mais cento e tal quilômetros de uma estradinha nervosa. Ao desembarcar as bagagens, um funcionário do Aeroporto da Pampulha se apercebe da tragédia: o gato está morto dentro da gaiola. Pânico no setor de cargas, chamam a supervisora da companhia aérea que constata o óbvio e se instala o impasse.
Alguém se lembra do Odilon, o encarregado dos depósitos, que, como ele mesmo se auto-define, é o “fazedor de zero a tudo”; o encarregado tinha fama de criar uns gatos na região dos hangares. Odilon traz um gato igualzinho ao falecido felino pelo cangote, o bicho a arranhar, rebusnar e regougar como um louco, e o enfia na gaiola. Problema resolvido. A supervisora retorna para o balcão da companhia a tempo de assistir a Dna. Odete desmaiar na esteira das bagagens. Mais corre-corre, a rechonchuda senhora é levada às pressas para a enfermaria do aeroporto.
Durante o vôo Dna. Odete sonhara que encontrava a mãe no jardim da casa em Brumadinho; chamava-a, mas ela não lhe dava atenção, continuava a cuidar dos gatos. Um deles, o Tareco, levanta o focinho do pires e ... sorri! Meio litro de soro e um eletrocardiograma depois, Dna. Odete, omitindo esta parte, conseguiu explicar entre lágrimas:
― Virgem Santíssima, que susto, de repente, tava lá o Tareco vivo! Ele tinha morrido e eu ia levar para enterrar o bichinho na casa de minha mãe, como prometi a ela no leito de morte... No vôo sonhei com ele e aí eu olho, e ele tá vivinho da silva, pelas alminhas, alguém me explique?...
Dna. Nicinha se preocupava muito com o futuro dos seus bichos de estimação. Apesar de idosa e doente, percebia a jiriza renhida de Olinda contra eles, assim que tratou pessoalmente da adoção de cada um, instruindo até sobre os cuidados póstumos. Um milagre acontecera, a notícia se espalhou pelo saguão do aeroporto. Malandro é o gato: como lucro da romaria que se formou em frente à enfermaria, o gatarrão do Odilon se entupiu com a ração que uma alma caridosa lhe trouxe.
Dna. Nicinha, mãe de Dna. Odete, nasceu, viveu, casou, teve seus cinco filhos em casa e findou seus dias sem nunca ter saído de Brumadinho. Mesmo antes de enviuvar, Dna. Nicinha já criava uma gataria numerosa no pied-à-terre onde passou toda a sua vida de casada. Olinda e Onésimo, que moravam com a mãe, decidiram livrar-se do gatil depois que Deus a levou em Seus braços. Dna. Odete ficou com o Tareco, um macho cinza-almiscarado, caçador e benquisto entre as bichanas da região. Devidamente capado, tratado e gorducho, Tareco se adaptou à maravilha ao ritmo paulistano.
O mundo gira e a Lusitana roda, passam-se os anos e Dna. Odete volta a Brumadinho com o Tareco na gaiolinha. Despachado por avião, assim como a dona, lá se vão eles para um reencontro familiar; a viagem não é curta: avião até Belo Horizonte e ônibus ou van por mais cento e tal quilômetros de uma estradinha nervosa. Ao desembarcar as bagagens, um funcionário do Aeroporto da Pampulha se apercebe da tragédia: o gato está morto dentro da gaiola. Pânico no setor de cargas, chamam a supervisora da companhia aérea que constata o óbvio e se instala o impasse.
Alguém se lembra do Odilon, o encarregado dos depósitos, que, como ele mesmo se auto-define, é o “fazedor de zero a tudo”; o encarregado tinha fama de criar uns gatos na região dos hangares. Odilon traz um gato igualzinho ao falecido felino pelo cangote, o bicho a arranhar, rebusnar e regougar como um louco, e o enfia na gaiola. Problema resolvido. A supervisora retorna para o balcão da companhia a tempo de assistir a Dna. Odete desmaiar na esteira das bagagens. Mais corre-corre, a rechonchuda senhora é levada às pressas para a enfermaria do aeroporto.
Durante o vôo Dna. Odete sonhara que encontrava a mãe no jardim da casa em Brumadinho; chamava-a, mas ela não lhe dava atenção, continuava a cuidar dos gatos. Um deles, o Tareco, levanta o focinho do pires e ... sorri! Meio litro de soro e um eletrocardiograma depois, Dna. Odete, omitindo esta parte, conseguiu explicar entre lágrimas:
― Virgem Santíssima, que susto, de repente, tava lá o Tareco vivo! Ele tinha morrido e eu ia levar para enterrar o bichinho na casa de minha mãe, como prometi a ela no leito de morte... No vôo sonhei com ele e aí eu olho, e ele tá vivinho da silva, pelas alminhas, alguém me explique?...
Dna. Nicinha se preocupava muito com o futuro dos seus bichos de estimação. Apesar de idosa e doente, percebia a jiriza renhida de Olinda contra eles, assim que tratou pessoalmente da adoção de cada um, instruindo até sobre os cuidados póstumos. Um milagre acontecera, a notícia se espalhou pelo saguão do aeroporto. Malandro é o gato: como lucro da romaria que se formou em frente à enfermaria, o gatarrão do Odilon se entupiu com a ração que uma alma caridosa lhe trouxe.
6 comentários:
Magistral. O rebusnar e regougar do felídeo me derrubaram de quatro...
Em cada conto pelo menos uma surpresa que acaba nos conduzindo ou ao riso ou ao horror.
Gostei da ressurreição e mais ainda da "santificação" do gato.
auhauahuahuahuha, adorei isso aí...
Parece uma história comum. Mas a pessoa individualizada,mostra sua graça.
Gosto disso!
Milagreeee...
e assim se construiu mais um mito...
Valha-nos Santa Ambrósia...
belo conto!
abs
tks, acrescentei um último detalhe perto do fim - faltava a parte do além... gracias!
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