quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Aspectos (εiδος) do mundo

εiδος= forma, aspecto, remete a uma multiplicidade de retratos que algo pode adquirir, exprime a idéia de ver. No sânscrito, o correspondente morfológico é védas = posse, aquisição, em ligação com ávidam = adquirido.

“Com certeza, ainda hoje se costuma fixar a relação histórica entre Platão e Aristóteles por meio da seguinte explicação que recebeu múltiplas modificações: diferentemente de Platão, que considerava as ‘idéias’ como o ‘verdadeiramente ente’, enquanto só deixava vigorar o ente singularizado como aparentemente ente (simulacros - εiδōλον), degradando-o ao nível daquilo que não deveria se chamar propriamente um ente (não-ser - μē óν), Aristóteles arrancou as ‘idéias’ que pairavam no ar de seu ‘lugar supraceleste’ e as enraizou nas coisas efetivamente reais. Com isso, Aristóteles transformou as ‘idéias’ em ‘formas’ (aspectos - εiδος) e concebeu essas ‘formas’ como ‘energias’ e ‘forças’, que estão domiciliadas no ente” {Heidegger, Nietzsche, vol. II, p. 314}.

"As coisas estão no mundo só que eu preciso aprender". Paulinho da Viola

A coisa é assim. Você não sabe que tem uma potência até que alguém te mostra um aspecto dela. Por exemplo, na amizade,
o abraço é um aspecto. O abraço é um ato, é um fazer – que os gregos chamam de poieîn, como a poesia. Antes do aspecto, temos sensações e percepções que entram pelos nossos poros, mas não provocam movimento, não animam, não geram vida, porque não tem onde e como serem represados. Enfim, o aspecto nos liga à potência da amizade, donde podem ser poetizados outros tantos aspectos, infinitamente. Para Platão, os aspectos estão nos céus. Para Aristóteles e Paulinho da Viola, os aspectos estão no mundo mesmo, mas é duro aprender.

6 comentários:

filipe com i disse...

interessante dilema: se as idéias ficam fora do círculo dos entes (platão), perdem o comércio com o mundo; mas, se encarnam no que está a nossa volta (aristóteles e paulinho da viola), e onde nos movemos, podem tanto ser forma (eidola), como simulacro...

Unknown disse...

Como já dito, um dia voce aprende.

Mel disse...

Aprender essas coisas é mais dificil que estudar Habermas...

Anônimo disse...

estou com o companheiro missosso
delicioso dilema!

eu de todo modo estou com a arte.
com ela, tenho de estar (humildemente, claro) ao lado do grande paulinho da viola.

a gente é que complica tudo com esse nosso engenhoso e retórico jogo de idéias...

acho que a coisa toda, o desejo, a vontade, a beleza e o bem, estão é nas bamdas de cá mesmo. no pequeno e doce mundinho dos homens!

"a alegria do pecado
às vezes toma conta de mim
e é tão bom não ser divina
me cubrir de humanidade me fascina
e me aproxima do céu

num direito, ainda que profano,
do mundo ser sempra mais humano

pois perfeição demais
me agita os instintos
quem se diz muito perfeito
na certa encontrou um jeito
insosso pra não ser de carne e osso
pra não ser carne e osso"

(de outro paulinho, filósofo, músico e não menos genial - Moska)

silvia calçada disse...

Você citou Paulinho da Viola e hoje mesmo falei dele, contando uma cena que vi no filme de Manoel de Oliveira. Nesse filme há um momento em que ele paraliza a câmera diante de um transatlântico em movimento sobre as águas.
É preciso estar disposto, Oliveira brinca com as linguagens. São muitos segundos,talvez minutos, em que o espectador só o navio e o mar.
No início parece que é o navio que se movimenta. Ao longo do tempo a gente nota que é o mar que passa por baixo dele e o empurra.
A lei da correnteza vale para o barco à vela,como para a forte embarcação motorizada. Não ha´como desobedecer à correnteza.
Quando vi a cena entendi o que tentava dizer o poeta: "naõ sou quemme navega, quem me navega é o mar. E isso não tem nada a ver com o pequeno príncipe de Maquiavel.

silvia calçada disse...

Você citou Paulinho da Viola e hoje mesmo falei dele, contando uma cena que vi no filme de Manoel de Oliveira. Nesse filme há um momento em que ele paraliza a câmera diante de um transatlântico em movimento sobre as águas.
É preciso estar disposto, Oliveira brinca com as linguagens. São muitos segundos,talvez minutos, em que o espectador só vê o navio e o mar.
No início parece que é o navio que se movimenta. Ao longo do tempo a gente nota que é o mar que passa por baixo dele e o empurra.
A lei da correnteza vale para o barco à vela,como para a forte embarcação motorizada. Não ha´como desobedecer à correnteza.
Quando vi a cena entendi o que tentava dizer o poeta: "naõ sou quem me navega, quem me navega é o mar". E isso não tem nada a ver com o pequeno príncipe de Maquiavel.