Em sua República, Platão, devoto de Apolo, vale-se da imagem solar para explicar nossa capacidade de enxergar as coisas. Para contemplarmos o que se vê, precisamos da visão, do que é visto e da luz do sol. Sem percebê-la iluminando as pessoas, podemos pensar que elas é que geram a luz. Em suas Confissões, santo Agostinho diz que só depois de enfrentar a perda de um grande amigo, compreendeu que o sol ainda estava lá, e que era ele que tudo iluminava. Ao tomarmos uma pessoa ou a nós mesmos como a origem da luz, nos prendemos ao ontem, considerando eterno o que nunca deixou de ser temporal. Donde a luz do sol nos liberta e nos faz acordar, e assim devemos permanecer, até o momento que possamos deixar de vez o sonambulismo dos mortais.
Quase tudo é o contrário em Heráclito, devoto de Ártemis, deusa do jogo e da caça. Mortal e imortal, noite e dia, sono e vigília, tudo é reversível para ele, e a eternidade é uma criança brincando, gostando de ser. Ao invés de ficarmos bem acordados, à espera do que possamos ver, melhor rastrear no invisível, onde já não é possível distinguir sono ou vigília. Aceitar novamente o sonho? Há uma diferença entre dormir por cansaço e dormir por desejo de amar. Os soníferos de Heráclito não nos levam ao sono alienado, mas ao faz-de-conta. De todo modo, a brincadeira de Ártemis tem suas regras, tem seu preço, explica Heidegger no seu estudo sobre Heráclito, para entrar no jogo do amor é preciso aceitar o sacrifício de quem diz e crê: por você eu morreria.
2 comentários:
aceitar novamente o sonho?, fiquei com essa pergunta ecoando na cabeça ao ler o texto -- que tem resonâncias também com outro impacto recente: o filme Blindness do Fernando Meirelles. tudo somado, parece que ver pode não ser lá grande bênção...
"para entrar no jogo do amor é preciso aceitar o sacrifício de quem diz e crê: por você eu morreria. "
Então o amor e a morte tem, de fato, uma bela relação.
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