domingo, 3 de agosto de 2008

Crônicas da Rainha, II





Patognomônico é o sinal mais característico de uma doença. O sinal definidor, e que é a própria doença, do ser humano é a mentira. Humanos mentem como respiram; a si mesmos, principalmente, e aos outros, o tempo todo.

É a conseqüência inevitável do falatório, do uso indiscriminado da comunicação: antropóides são aditos das explicações que não explicam nada. Outra exceção que os distingue, para pior, entre os primatas, é a mania de escravizarem a si próprios.

Eu, comandante-em-chefe e monarca de guerreiros (as) destemidos (as), declaro que o homem me causa nojo. Muitas vezes me indaguei se não haveria aí uma sombra da abjeção que os símiles causam.

Reitero, completando, a minha declaração anterior: sinto nojo e desprezo pelos hominídeos; já que o primeiro é um sentimento físico e o segundo, uma questão de princípios.

Como disse antes, minha autoridade exige a estrita obediência e lealdade do meu povo e também a escravização dos vizinhos. A diferença está na FORMA como isso se dá.

Entre nós, submeter iguais à servidão cega não é uma farsa, na qual todos se prestam a uma pantomima do poder, em suma, um teatro bufo em que cada um escolhe o triste papel que irá desempenhar.

Entre nós, assenhorear-se do corpo de outrem, é uma encruzilhada em que vida e morte são jogadas num combate decisivo. Ganhar significa sobreviver, perder significa o nada. Não há arreglo, não tem desconto, não há caminho do meio.

Sociedade escravocrata, dulose, helotismo... palavras e mais palavras que descrevem a prosaica transição de uma classe social, religiosa, nacional ou racial que era nominalmente livre, para uma situação de opressão e permanente degradação.

Competição por recursos. No fim das contas, tudo se resume a isso: adaptação, oportunidade e exploração. Onde houver populações convivendo estreitamente e disputando commodities, alguém vai funicar alguém.

O que talvez vocês ainda não saibam: SÃO OS MAIS FRACOS QUE DOMINAM.

Uma vez que não sou dada ao auto-engano posso dizer: somos frágeis, por isso prevalecemos; não sabemos construir, desconhecemos a agricultura e o pastoreio ― por isso obrigamos os que sabem a fazer por nós. Mas uma coisa não nos falta: coragem.

Na luta pela vida a servidão está dada para todos, escapar dela é para quem está disposto a pô-la (a vida) como cacife da aposta ― tudo ou nada. Quem treme nessa hora, pede penico ou maquina subornos, vacila e desperdiça e existência em nome de uma (suposta, sempre futura) vida melhor.

No mundo em que vivo há dominadores e dominados, enquanto que na vossa civilização malsã todos são escravos. Esquecestes o chamado bravio da liberdade e estais sempre em estado de agitação e fuga, embora sem saber do quê, porquê e para onde.

Arlequins, servis às necessidades do corpo e aos caprichos dos fantasmas que criais.

Vossa estupidez não vos deixa ver.

2 comentários:

mauverde disse...

Porrada! Nos caras que não fazem nada! (diretamente dos anos 80 procê, hehehehehe)

mauverde disse...

Acho que vc pegou um gancho bem importante nessa frase de servis às necessidades do corpo - direto ao ponto :)