Foto: J. K. Rolando
Um amigo foi certa vez fazer uma pesquisa de antropologia no Mato Grosso, onde havia (e há) uma epidemia de suicídios em curso entre os índios cinta-larga. Lá pelas tantas apareceu no rancho onde acampava a equipe de pesquisa um pajé furreca, bebaço, maconheiro e contrabandista de madeira ilegal, que pediu um trocado para tirar de cima o perigo dos espíritos dos mortos que andavam rondando.
Na verdade, segundo o xamã breaco, o perigo vinha de baixo: os espíritos dos mortos, impedidos de subir aos céus devido à forma que assumia a morte (os índios têm mostrado preferência pelo enforcamento), saíam pelo cu do morto e ficavam pela terra vagando, em busca de vivos para encarnar -- sempre pela incômoda via traseira.
Recusaram até dois merréis para a pinga do pajé. Resultado: quase todos da excursão ficaram doentes, incluindo meu amigo, que teve de ser operado às pressas de apendicite aguda na Santa Casa de Mirassol, onde tinha se isolado para escrever sobre os índios. Mas... e o que isso tem a ver com o Batman?
Acontece que este último filme da franquia da DC Comics sobre o Cavaleiro das Trevas esclarece porque nunca simpatizei com o Morcegão. Nada que me afastasse dos filmes e HQs da antiga dupla dinâmica, o meu problema era com a arquitetura dramática do personagem Bruce Wayne; algo não batia. O Coringa me esclareceu.
O Coringa, vivido "postumamente" por Heath Ledger, é a encarnação da pulsão anarquista. Ele é pura parcialidade, esquize, deriva -- este Jokerman não tem feed back negativo. O que vale dizer que não há retroalimentação (nem economia anal, numa cena ele queima dinheiro da Máfia), ou ainda que o Coringa empresta um rosto -- escalavrado -- para a selvageria da acumulação capitalista.
Sua face limpinha é o pitboy Bruce Wayne, vivido por Chris Bale, o Psicopata Americano. Conhecemos o tipo: ele bate a Maseratti no carro da polícia e o Comissário "alivia" o B.O.; morou um tempo com um "amigo" de baladas, mas depois isso começou a pegar mal; vive em grande estilo com bailarinas, modelos, gostosas a granel, mas não há relação que dure; é herdeiro de megacorporação que espiona todo mundo (uma Telecom?); diz que elege o promotor público duas-caras, que é cargo eletivo em Gotham, com uma reunião de amigos e, last but not least, vive na night atrás dos piores tipos...
Lógico que ele, Wayne/Batman, despertou forças titãnicas, no mundo visível e no submundo, como um John Kennedy com tintas faustianas. Aliás, é impressionante a quantidade de heróis de HQ que são órfãos no sentido corriqueiro e também faustiano do termo; como explicou Marshall Berman, Fausto é a primeira tragédia do desenvolvimento, um herói capitalista que recusa a tradição paterna e a casa materna como nunca antes na história desta humanidade ocidental. E é aqui que a mensagem do Batman/Coringa nos atinge: somos iguais a ele.
O Coringa é a carta do Louco no Tarot, não tem identidade estável (digitais, dna, pupila, etc., não conferem quando cai preso), não tem lar, uma origem, gueto, crença ou objetivo: a violência indiscriminada a que se entrega decorre da percepção de que seu duplo simplesmente desabou. O lugar do neutro, da alteridade e do ritmo é desativado por uma compulsão destrutiva que só encontra poesia no pancadão de som e fúria que assola Gotham City. Batman não é o Charlie Brown de Schultz, mas o Bobby Brown de Zappa. O herói/vilão noturno/soturno é o que sobrou no rescaldo da civilização das Luzes.
Talvez se passe com este filme o mesmo que houve com Poltergeist, O Corvo, Os Desajustados ou a expedição que descobriu a tumba de Tutankhamon, em que equipes inteiras sofreram os sortilégios que certas obras de arte desencadeiam. Ninguém consegue simplesmente ir para casa depois de encarnar um papel como o falecido ator australiano fez com o personagem que pode ser todas as cartas do baralho. Portanto,
NÃO ESQUECE A GRANA DO PAJÉ!!!!
5 comentários:
Se um psicanalista me mostrar como ganhar dinheiro, passo a acreditar no que ele vê. Se um psicanalista queimar dinheiro na minha frente, passo a acreditar no que ele não vê.
Interessante. Não vi o filme, mas se você falou, eu assino embaixo. E, se espirrar, saúde.
Coringa: bateu as botas
Batman: bateu na mãe
Lucius: bateu o carro
Ahow, pajé!
O filme: bateu os recordes de bilheteria, HAHAHAHAHAHAHAHAHA
Fala sério... vc é doente ou tem algum problema mental?
Filmes são ficção, diversão, coisa pra se assistir e esquecer um pouco do mundo turbulento em que vivemos (Pode chamar de fuga da realidade se quiser, mas faz bem!!!). Tudo bem que muitos cineastas ao fazer o filme, buscam colocar um "conto moral" ali baseado em nossa realidade, mas a verdade é que eu acho que ficar vendo e procurando essas coisas num filme é muita falta do que fazer... Sei lá.. muda de profissão. Vai fazer algo mais útil pra sociedade ow!!!
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