domingo, 29 de junho de 2008

PÓS-MODERNIDADE ULTRACONTEMPORÂNEA

Sociólogos de botequim filosófico, acadêmicos da casa do sabor, psicanalistas do M.S.T. e moralistas de talk show são unânimes em apontar sua artilharia crítica (de faz-de-conta) contra o poder econômico e a sociedade do espetáculo que ora vivemos. Unanimidade que, de burra, não tem nadinha; pois não? A perda de valores familiares, a desagregação familiar, as relações fluidas desta nossa modernidade “líquida” ― como está na moda dizer ―, e etcoeteras, não são características indeléveis e exclusivas dos tempos atuais.

Toda época é moderna, ao menos para quem vive nela; melhor dizendo, toda época é moderna até ser substituída por outra ― o que seja e quantos anos dura uma “época” define-se, necessariamente, a posteriori. Em segundo lugar, os gregos clássicos, que inventaram a livre circulação de idéias, praticavam esta atividade e quase todas as outras, na ágora. Literalmente, o mercado da cidade. O livre comércio, que incluía coisas obrigatórias como o culto dos deuses da pólis (havia-os privados também), garantia uma relativa liberdade de expressão.

Esta relativa liberdade veio a fazer toda a diferença do mundo para aquilo que se chamou mais tarde de “civilização ocidental”. Nossos solertes amigos helênicos, porém, logo se aperceberam do perigo que era construir o belo palácio da cidadania com um cimento que não consistia de valores, argumentação ou palavrório, mas o velho e bom equivalente universal: DINHEIRO. Veneno remédio.

Há quem diga que o capitalismo é um sistema inventado pela modernidade (olha ela aí de novo!) ocidental, digamos, a partir das grandes navegações ― a empresa colonialista, aqueles tempos dourados em que a Europa decidiu que ia tomar posse do mundo todo. Há até quem diga que o sistema capitalista representa uma ruptura com os sistemas anteriores porque “contratualiza” as relações entre senhores e servos. Isso é coisa de gente que nunca trabalhou como operador de telemarketing...

Sustento que o capitalismo não é um sistema, mas o sistema de economia política que o Homo sapiens (?) pratica desde que saiu da África, pelo menos. O capitalismo já existia antes do capital; bem antes da invenção da moeda, havia já formas de mais-valia inscritas no trabalho social, de violência mascarada, na forma de totens, objetos, cerimônias, cantos, lugares mágicos/sagrados: tudo que concentra mana, ‘chi ou axé já configura um gadget capitalista, um dispositivo legitimador da eficácia da autoridade. A magia é uma empresa cuja razão social é acumular poder. É TUDO CAPITALISMO!!!

O potlatch, dádiva que instaura a dívida comunitária, já é um refinamento do aparelho de segmentação e estratificação de classes. Ignorar o fluxo em mão dupla que vai do capital econômico ao capital simbólico e vice-versa, é obscurecer a origem do trabalho coletivo que desperdiça/catalisa energias grupais e instaura a dominação. Diferentes formações sociais correspondem a diferentes graus de objetivação do capital social acumulado, variantes mais ou menos estáveis, a depender de conjunturas específicas locais e globais. Só o capitalismo funcionou e funciona porque está solidamente ancorado em características humanas que se juntam para formar a melhor argamassa social: o egoísmo individual e a estupidez das massas.

Achincalhar o fetiche da mercadoria, a sociedade de espetáculo deslumbrada pelas imagens, o capitalismo tardio, e por aí a fora, não só não adianta nada como não é para nada mesmo que tal crítica é feita. O poder da Palavra e do espetáculo foi desde sempre temido, combatido e usado na condução das multidões; quando uma seita evangélica (com particular talento para slogans) dos dias atuais proíbe a televisão a seus fiéis, apenas repete o gesto de profetas hebreus, iconoclastas bizantinos e muçulmanos ― para os fetichistas da Palavra, a imagem é a antena parabólica da Besta.

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