terça-feira, 15 de julho de 2008

bilhete nº1

A primeira vez que Paula Augustemburg Dias ouviu falar das tais mensagens foi numa happy hour; um amigo de outro amigo, que lhe pareceu na época fazer uma tempestade em copo d’água, contou uma história enrolada que envolvia mensagens anônimas chegando no e-mail de trabalho e pessoal, etc., etc. Havia também referência a uma viagem de férias, mas não tinha certeza, podia estar misturando as histórias. Enfim, não tinha prestado muita atenção na embrulhada, exceto o fato de que o cara tinha exagerado na bebida. Até que aconteceu com ela.

A sensação foi muito esquisita, precisou de umas três leituras para realmente entender que aquele monte de sujeiras se referia a ela, e do modo mais pessoal possível. Aí lembrou um detalhe da conversa que tinha posto na conta da carraspana: aquilo falava de coisas que mais ninguém tinha como saber!

Foram meses de angústia os que recebeu aquela correspondência que esperava com uma sentimento duplo de medo e esperança. Por um curto período chegou até a acreditar que aquelas imundícies teriam o poder de libertá-la. A cada vez o endereço mudava, sempre um hotmail diferente, sempre um nome que não compreendia.

Abaixo está reproduzida a primeira carta, em versão quase integral.

----- Original Message -----

From: Abrasax
To: p_augdias@softech.com.br
Sent: Monday, July 19, 2004 2:44 AM
Subject: RE: fazer certas coisas em vez de fazer as coisas certas...Você está cansada, mas não é o que está pensando. Você está cansada é das brincadeirinhas invisíveis da Queca e da Fabi, é, daquelas duas – pobres criaturas! --, que despejou na rua da amargura sabendo muito bem o que estava fazendo. Elas não saem mais de você, e vai ter de conviver com isso, vai ter de conviver com os pequenos animais metafísicos que causam comichões no corpo todo. Principalmente a Fabi, essa nem família tinha, a não ser aqueles primos de Goiás com o dobro da idade dela; não dá outra, qualquer desculpa que use sabe que se comportou que nem uma cobra rampeira, vadiona mesmo. E calculou, calculou direitinho, pensou cada passo e então agiu, executou com frieza cada movimento do seu bote perfeito. Deu no que deu. A Gorda te incomodava mais, aquele jeito de macha dela, não é?, sempre te pegou, agora vive entrando esse filme na tua cabeça: você se ajoelha no chão e chupa ela como se fosse um homem, como tantas vezes você fez com os caras... Pois é, outro dia aconteceu naquela reunião com o pessoal da Samsung, você parou no meio da apresentação, o Powerpoint rolando e na tua idéia passando esse fita. Pegou mal. Justo com ela, a mais feiosa das duas, quem diria! Nem ficaram sabendo que foi você quem assou a batata delas, a gordota foi mais fácil de incluir no corte de funcionários geral, mas a Queca você cozinhou devagar; antes transferiu para a filial em Rezende, aquele escritório é zicado, 3 funcionários pediram licença médica em menos de um ano que abriu, foi ou não foi? Então, como é que é saber que a Queca hoje virou um elemental, um Aedes zumbizando na tua orelha, dizendo a verdade que mais quer esconder de todo mundo? Ah, mas você morre de medo que as pessoas comecem a sentir o cheiro da sua xoxota, que eu sei; usa todos os sabonetes desinfetantes, bactericidas, desodorantes íntimos e não adianta. Nenhum funcionário desconfia da traíra que você é; logo a diretora comercial, tão séria, tão fina, quem ia pensar?! E os vultos que mais ninguém pode sentir?, é ruim de conviver com isso, assim como os sonhos, os malditos sonhos de repetição. Não deu outra, a garota viradora da ZL, a gostosinha do subúrbio, abriu o bico e caiu fora, mas você sabia disso, sabia que ela não ia segurar, ainda pra mais com a outra, desempregada e fodida a tiracolo; lá naquele fim de mundo, sem ambiente, sem suporte técnico adequado. Elas não tinham ninguém, só uma à outra. Duro, né? Teve o dia lá na garagem do prédio, no segundo subsolo, lembra?, claro que lembra, é a coisa mais... assim, forte, que te aconteceu ultimamente. Pra falar a verdade, não tem rolado muita coisa na sua vida... Você lá, no carrão escuro que a empresa te deu, de vidros filmados, ali, como todas as manhãs, tendo o seu momento de desespero diário antes de subir até o 15 º andar e começar mais um dia de trabalho e vazio. Mas a movimentação te chamou a atenção: elas dentro de uma bosta de carro mil, se chupando logo pela manhã, se agarrando no maior malho, um tesão que embaçava os vidros, uma ávida da boca da outra, das coxas e dos peitos, da pele e da xana; se agarrando, se procurando, uma subindo em cima da outra... Foi demais para você, de repente as bolachas te lançaram no mundo real, que veio na forma de um estado agudo de pânico e tesão, uma mistura bizarra de confusão e desejo que te deixaram à beira de buzinar, sair correndo, gritar... mas o que você queria mesmo era encolher até ficar minúscula e poder entrar dentro daquele carro. Aquela cena não te sai da cabeça desde então. As mãos, as mãozonas da Fabi, com os dedos nodosos de caminhoneira ficam subindo e descendo pelas tuas pernas, arrancando tuas calcinhas, massageando teu grelo... aliás, quantas vezes você tem ido trabalhar sem calcinha só pra sentir essa sensação, hem? Quantas noites acorda suando, nuinha depois de arrancar semi-consciente as roupas, ofegando apavorada e descobre que teve um orgasmo, do único jeito que é possível porque até parar de se tocar você parou? Em que é que te transformou a eficiência? Nunca teve dó delas porque te acordaram, isso é que é, você achava aquilo um abuso (dentro da empresa!), mas não era esse o real motivo; “pobre precisa exibir esse tipo de coisas, já que não tem nada mesmo”, “elas fazem isso a toda hora porque têm essa coisa... esse desvio, não têm responsabilidades” – fala aí, você fez EXATAMENTE o que o seu coração pedia que fizesse? Não fique revoltada comigo, não vá querer se livrar de mim como fez com elas, só te escrevi por saber que você é muito mais, muito maior do que pensa. Sua vida é um engano; você tem corrido muito, mas na direção errada. Deixa alguém te dizer isso.