segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

conversa de café - 1

Saí do carro, carreguei no botãozinho para trancar as portas, olhei para os outros carros estacionados junto ao passeio e atravessei a estrada.
Logo que entrei no café senti o calor do fogão. Tirei o casaco e pedi um café curto. Peguei no jornal que me deixavam ali todos os dias e sentei-me numa das mesas, de frente para o ecrã gigante.
- Obrigado.
Abri o pacote de açúcar e comecei a ver as notícias.
(… o mesmo de sempre! Isto está uma m….!)
De repente, começo a dar atenção a uma conversa.
- … partiu o carro todo!
- Não me digas! Mas como é que foi?
- Acho que o Padreco disse que deve ter adormecido…
- Pois… tá-se mesmo a ver… às tantas da noite deu-lhe o sono.
- Falta é saber de onde vinha àquela hora.
- Se calhar foi rezar alguma Avé-Maria…
- Dizem pra aí que ele gosta muito de ir para certas bandas… lá prós lados dos galegos!
- Tás a brincar? E ele é lá disso?
- Eu cá nunca o vi… mas eu também não sou homem de ir gastar o meu dinheirinho com aquelas brasileiras.
- Mas, afinal, ele vinha de onde?
- Dizem… dizem que vinha da Espanha… tás a ver? Cansado… não é? Dizem que as brasileiras são fogo… E vai daí… espetou-se! Agora só faltava que ele nos viesse pedir que o povo ajudasse a pagar o arranjo do carro!
Levanto os olhos do jornal e quando vou olhar para aquele par de línguas afiadas, quem vejo a dirigir-se para a porta do café? Nem mais…
- Boa tarde!
- Boa tarde, senhor Padre! Então, como é que aconteceu aquela desgraça?
- Foi só chapa… graças a Deus!
- Oh senhor Padre… já não tem idade para essas coisas! Andar a conduzir às tantas da noite? Depois … acontecem estas desgraças.
- Pois é… Mas que é que se há-de fazer? Seja feita a vontade de Deus!
- Se precisar de alguma coisinha, já sabe… à sua disposição!
- Fico muito agradecido pela vossa preocupação.
Virando-se para a dona da casa que, entretanto, saíra da cozinha:
- Dona Felisberta, será que me podia fazer um favor? Telefonava à sua sobrinha a dizer que hoje não posso lá ir? Os da oficina não me arranjam um carro…
- Como é que está a minha irmã?
- Malzinho… esta noite estive lá até às tantas… Uma santa! É uma santa! Rezámos não sei quantos terços porque ela só me dizia: Oh senhor Padre… faça-me o favor de rezarmos juntos até eu me finar… Mas depois lá se ficou a dormir…
Quando dei por isso, já a porta do café se fechava sobre os dois malandrecos…

2 comentários:

angela disse...

É facil pensar qualquer coisa dos outros. Má fama temos nós brasileiras. Houve um tempo que por aqui se chamava "Polacas"
Uma delicia ler seu conto.

filipe com i disse...

hahaha, está-se mesmo a ver onde é que tudo vai dar: as andanças noturnas dos medianeiros de Deus,os galegos, as brasileiras, enfim, o Outro - esse monstro que nos espreita atrás da língua afiada... invejo sua inteligência sutil caríssimo!